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No dia 06/08/08, a Policia Civil do 7º DP de Barão Geraldo (Campinas)
apreendeu o servidor de internet do Grupo de Estudos Saravá que estava
hospedado no IFCH - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Unicamp, devido a uma denúncia feita pela reitoria da mesma universidade.
O Saravá, grupo multidisciplinar de tecnologia, cultura, política e
sociedade, utiliza como campo de estudo seu próprio servidor sendo
este utilizado por diversos grupos sociais. Operando esse servidor desde
maio de 2005 no IFCH, o Saravá fomenta o intercâmbio entre grupos
sociais e tecnologia informacional, sendo essa interface o seu principal
campo de estudos.
Com base numa denúncia enviada pela Comissão Holandesa de Proteção à
Informações Pessoais de que havia um sítio no servidor divulgando dados
privados de cidadãos holandeses, a Reitoria da Unicamp acionou a polícia
brasileira, sem ao menos ter o cuidado de tomar conhecimento do que se
tratava pois não entrou em contato com a direção do instituto(IFCH), nem
com os/as responsáveis pela administração da máquina, procedimento
corriqueiro em casos de pedidos relacionados a conteúdos
disponibilizados na internet pela universidade.
O sítio em questão foi instalado em Maio de 2008, como proposta de
estudo de um grupo que trabalha com a problemática da imigração, tratada
como ilegal na Holanda. O sítio estabelecia a "cadeia produtiva" da
indústria da deportação holandesa, relacionando executivos e políticos
envolvidos nessa política de Estado e divulgando suas informações
pessoais. É importante lembrar que tais informações já se encontravam
disponíveis publicamente, e portanto estas ações não configuram nenhum
tipo de ato criminoso por parte do grupo em questão.
Ao tomar conhecimento através da imprensa holandesa de que o sítio
disponibilizava informações pessoais, e que isto não agradava as pessoas
cuja as informações estavam sendo divulgadas o Saravá se prontificou a
tomar uma atitude e retirou o conteúdo do ar. Ao mesmo tempo, a reitoria
da Unicamp decidiu resolver o problema da forma mais inadequada
possível: sem entrar em contato com o coletivo Saravá, ou com algum dos
grupos de pesquisa hospedados, a reitoria repassou as denúncias para a
polícia, ao mesmo tempo em que ordenou o desligamento da máquina. Por
conta desta última arbitrariedade não ter passado pela diretoria do
IFCH, o Saravá conseguiu religar seu servidor, podendo assim apagar o
referido sítio e continuar suas atividades sem maiores problemas.
O inquérito policial prosseguiu e, após alguns dias, o servidor
foi apreendido sem mandado judicial e com a conivência da Procuradoria
da Unicamp. Posteriormente, a máquina foi encaminhada à perícia
criminalística para a averiguação da existência das tais informações
pessoais.
Essas atitudes da Reitoria da Unicamp conflitam inclusive com a
posição do Governo Brasileiro com relação às políticas anti-imigração
adotadas nos estados europeus. A recém-aprovada Diretiva do Retorno, que
consiste num conjunto de medidas visando agilizar o processo de
detenção, classificação e deportação de imigrantes considerados como
ilegais, foi recebida com severas críticas por importantes autoridades
brasileiras, que ressaltaram o papel histórico do Brasil em aceitar
imigrantes de todo o mundo.
A internet, assim como as fronteiras dos países, está caminhando
para uma perspectiva sombria de controle indiscriminado. Não podemos
deixar que a Universidade, local para a livre circulação de idéias,
adote as mesmas medidas fascistas e draconianas contra a liberdade de
expressão e o direito de ir e vir. O controle de fluxos humanos e
informacionais estão igualmente sendo vítimas de políticas totalitárias.
Por conta de um único sítio, todo um servidor foi retirado do ar, como
se toda uma biblioteca fosse lacrada por causa de um único livro. O
Saravá não concorda com a exposição de dados pessoais de quem quer que
seja mas não deixa de considerar que a questão da imigração deva ser
debatida e ter visibilidade em toda a sociedade e principalmente no
âmbito da academia. No tempo da escravidão, o abolicionismo era
perseguido, algo que hoje seria inaceitável.
Várias pesquisas estão interrompidas por conta da ausência do servidor e
centenas de pessoas se encontram impossibilitas de acessar suas próprias
publicações. A cada dia que o servidor permanece sob custódia aumentam
os prejuízos para sua comunidade de usuários/as e para os estudos em
andamento.
Consideramos que as atitudes tomadas pela Reitoria da Unicamp ferem a
autonomia universitária pois transformam a liberdade de pesquisa em caso
de polícia.
Após toda essa confusão, a Reitoria da Unicamp reconheceu a
importância e a legitimidade do nosso grupo de pesquisa e dos sítios por
nós abrigados e seus conteúdos, e se dispôs a nos fornecer uma máquina
temporária para a continuidade das atividades, o que nos ajudaria por
hora mas infelizmente esta iniciativa não resolverá completamente o
problema, pois o conteúdo dos sítios está seqüestrado para fins de
análise forense nos impossibilitando a volta nos mesmos ao ar, já que
nossas cópias de backup encontram-se dentro do mesmo servidor.
Tem sido de grande importância todo o apoio que recebemos dentro e fora
da Unicamp, não só da comunidade acadêmica, que não tem feito vistas
grossas para esses acontecimentos, mas também dos grupos e movimentos
que se encontram com suas pesquisas e atividades congeladas até este
momento.
Esperamos obter o mais breve possível o nosso conteúdo, de forma que os
grupos que compartilham de nossa ferramenta possam retomar os seus
trabalhos o quanto antes.
É fundamental a garantia de que a universidade pública se manterá antes
de tudo zelosa por aquilo que abriga: a liberdade de pesquisa dentro dos
parâmetros éticos e a garantia da não-interferência da polícia na
resolução dos seus problemas internos. Exigimos o retorno do servidor
apreendido.
São Paulo, 30 de outubro de 2008
Coletivo Saravá
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