quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

[Carta O BERRO] O Imortal Mahmoud Darwish

“Os alemães mataram seis milhões de judeus, e apenas seis anos depois os judeus fizeram a paz com a Alemanha. Conosco, os judeus não querem a paz.” (Rachid Hussein, poeta palestino)

“Vão! E levem daqui a morte de vocês!’

Mahmoud Darwish (1941-2008) - Poeta palestino, testemunhou a destruição de sua aldeia,

Al Birweh, durante a implantação do Estado de Israel em 1948.

Confissão de um terrorista!

Mahmoud Darwich

Ocuparam minha pátria

Expulsaram meu povo

Anularam minha identidade

E me chamaram de terrorista

Confiscaram minha propriedade

Arrancaram meu pomar

Demoliram minha casa

E me chamaram de terrorista

Legislaram leis fascistas

Praticaram odiada apartheid

Destruíram, dividiram, humilharam

E me chamaram de terrorista

Assassinaram minhas alegrias,

Seqüestraram minhas esperanças,

Algemaram meus sonhos,

Quando recusei todas as barbáries

Eles... mataram um terrorista!


Chamada da Tumba

Mahmoud Darwich

Em memória do massacre de Kafr Kassem*

I

Minha morte aconteceu há oito anos

Tenho a mesma idade de meu pai

Chamamos a todos os viventes

A todos os que querem viver por muito tempo

Sobre a terra

Não debaixo dela

A todos os que querem

Que a trigo madure em seu campo

Semear e colher

Que a massa fermente em seus lares

Fazer o pão e comê-lo

Nós lhes pedimos: não durmam

Se querem viver por muito tempo

Sobre a terra

Não debaixo dela

Montem guarda... aqui o sol é de barro e miséria

Nossa idade se conta em anos de morte

Minha morte aconteceu há oito anos

Tenho a mesma idade de meu pai

II

Dizemo-lhes

Não queremos sobre nossas tumbas

Nem água nem flores

Nada está vivo aqui

Apenas os casulos de víbora e os vermes

Dizemo-lhes

Não queremos roupas de luto

Não há na tumba outra cor

Que a preta

Dizemo-lhes

Não queremos canções tristes

Intermináveis

Dormimos aqui

E nosso retorno é impossível

Dizemo-lhes

Cantem pela terra que permanece

Rebelem-se

Ensinem nossa história sombria

Aos filhos

A fim de que nosso sangue

Permaneça na bandeira dos criminosos

Como sinal de catástrofe

Pedimos-lhes

Protejam os fracos das balas

Para que os que vivam fiquem salvos

E os que nascerão no futuro

Ainda goteja a fonte do crime

Obstruam-na

E permanecem vigilantes

Prontos para o combate

*Cidade convertida em santa após o massacre de 29 de Outubro de 1956.


Carteira de identidade

Mahmoud Darwich

Registra-me!

sou árabe

número de minha identidade é cinqüenta mil

tenho oito filhos

e o nono... virá logo depois do verão!

vais te irritar por acaso?

Registra-me!

sou árabe

trabalho com meus companheiros de luta

em uma pedreira

tenho oito filhos

arranco pedras

o pão, as roupas, os cadernos

e não venho mendigar em tua porta

e não me dobro

diante das lajes de teu umbral

vais te irritar por acaso?

Registra-me!

sou árabe

meu nome é muito comum

e sou paciente

em um país que ferve de cólera

minhas raízes...

fixadas antes do nascimento dos tempos

antes da eclosão dos séculos

antes dos ciprestes e oliveiras

antes do crescimento vegetal

meu pai... da família do arado

e não dos senhores do Nujub¹

e meu avô era camponês

sem árvore genealógica

minha casa

uma cabana de guarda

de canas e ramagens

satisfeito com minha condição

meu nome é muito comum

Registra-me

sou árabe

sou árabe

cabelos... negros

olhos... castanhos

sinais particulares

um kuffiah² e uma faixa na cabeça

as palmas ásperas como rochas

arranharam as mãos que estreitam

e amo acima de tudo

o azeite de oliva e o tomilho

meu endereço

sou de um povoado perdido... esquecido

de ruas sem nome

e todos os seus homens... no campo e na pedreira

amam o comunismo

vais te irritar por acaso?

Registra-me

sou árabe

tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados

e da terra que cultivava

com meus filhos

e não os deixastes

nem a nossos descendentes

mais que estes seixos

que nosso governo tomará também

como se diz

vamos!

escreve

bem no alto da primeira página

que não odeio os homens

que eu não agrido ninguém

mas... se me esfomeiam

como a carne de quem me despoja

e cuidado... cuida-te

de minha fome

e minha cólera.

1 Célebre tribo da Arábia

2 Lenço com desenhos quadriculados, usado para cobrir a cabeça e

que tornou-se símbolo nacional palestino pela liberdade e independência.

Originariamente, esse lenço é usado pelos camponeses para

protegerem a cabeça durante o trabalho no campo.


Árvore dos salmos

Mahmoud Darwich

No dia em que minhas palavras forem terra…

Serei um amigo para o perfilhamento do trigo

No dia em que minhas palavras forem ira

Serei amigo das correntes

No dia em que minhas palavras forem pedras

Serei um amigo para represar

No dia em que minhas palavras forem uma rebelião

Serei um amigo para terremotos

No dia em que minhas palavras forem maçãs de sabor amargo

Serei um amigo para o otimismo

Mas quando minhas palavras se transformarem em mel…

Moscas cobrirão

Meus lábios!…


EU SOU DE LÁ

Mahmoud Darwich

Eu venho de lá e recordo

que nasci como todo mundo nasce, tenho uma mãe

e uma casa com muitas janelas,

tenho irmãos, amigos e uma prisão.

Tenho uma onda marinha que a gaivota arrebatou

tenho uma visão de mim mesmo e uma folha de capim

tenho uma lua passada no auge das palavras

tenho uma comida divina de pássaros e uma oliveira

além da quilha do tempo

atravessei a terra antes que espadas tornassem

os corpos banquetes.

Eu venho dali.

Eu faço o céu retornar à sua mãe

quando por sua mãe o céu chorar,

e eu choro querendo o retorno de uma nuvem

para me conhecer.

Eu aprendi as palavras de tribunais manchados de sangue

de forma a quebrar as regras.

Eu aprendi e desmantelei todas as palavras

para construir uma única: Lar.


A oliveira foi uma vez.

Mahmoud Darwich

A oliveira foi uma vez um bosque verde.

Foi, amado, e o ceio

um bosque azul.

Que os fizera mudar esta tarde?

Detiveram a camioneta dos obreiros no meio do caminho.

(Tranquilamente)

Em algum tempo, o meu coração fora um passarinho azul.

Ó ninho do meu amado!

Comigo, brancos de todo os teus panos

foram, meu queridinho...

Que pude lavá-los esta tarde?

Porque eu nada entendo.

Retiveram o caminhão dos operários no meio do caminho.

(Tranquilamente)

E puseram-nos mirando para o Oriente.

(Tranquilamente)

Todas as minhas coisas tens:

a claridade, a sombra,

o anel de casamento, o que desejar,

o vale de oliveiras e figueiras.

Pula janela, penetrando no teu sonho,

achegar-me-ei junto a ti como todas as noites

e arremessar-te-ei um cravo.

Mas, não me repreendas se demoro um bocado,

pois me detiveram...

O olival estava sempre verde

(Estava, meu amado)

Mas, cinquenta vítimas

tornaram-no uma poça vermelha à tardinha.

Cinquenta, meu amado...

Mas, não me repreendas:

Assassinara-me...

Assassinaram-me...

Assassinaram-me...


Canto Livre em Louvor da Palestina

(Luis José Bassoli é Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB de Taquaritinga/SP)

I

A cada criança

Soterrada

A cada casa em ruína

Ouço teu clamor

Teu torpor

Palestina

II

A cada família

Dilacerada

A cada explosão de mina

Sinto teu pavor

Tua dor

Palestina

III

A cada mãe

Desesperada

A cada morte como sina

Vejo teu horror

Teu rancor

Palestina

IV

A cada início de

Intifada

A cada mártir suicida

Entendo teu amor

Teu fervor

Palestina!


Mahmoud Darwish: a ira, a saudade, a esperança

Uri Avnery, 85 anos, ex-deputado do Knesset (parlamento israelense), soldado que ajudou a fundar Israel em 1948 e que há décadas milita pela paz.

Uma das frases mais sábias que jamais ouvi em minha vida ouvi-a de um general egípcio, poucos dias depois da visita histórica de Anuar Sadat – a visita da vitória –, a Jerusalém.

Fomos os primeiros israelenses a chegar ao Cairo, e, dentre outras curiosidades, queríamos muito saber: como os egípcios haviam conseguido nos surpreender, no início da guerra de outubro de 1973?

O general respondeu: “Em vez de ler relatórios dos serviços de inteligência, vocês deveriam ler nossos poetas.”

Pensei nestas palavras na quarta-feira passada, no funeral de Máhmoud Darwísh.

Durante a cerimônia em Ramállah, vários se referiram a ele como “o Poeta Nacional da Palestina”.

Aquele morto foi muito mais do que isto. Foi a encarnação do destino dos palestinos. Seu destino pessoal coincidiu com o destino de seu povo da Palestina.

Darwísh nasceu em al-Birwa, vila na estrada Acra-Safad. Há 900 anos, um viajante persa contou que visitou esta vila e ajoelhou-se nos túmulos de “Esaú e Simeão, que descansem em paz.” Em 1931, dez anos antes de Mahmoud nascer, viviam na mesma vila 996 habitantes, dos quais 92 cristãos; os demais, muçulmanos sunitas.

Dia 11 de junho de 1948, a cidade foi ocupada pelo exército de Israel. Suas 224 casas foram derrubadas logo depois da guerra, exatamente como em outras 650 vilas da Palestina. Só alguns cactos e poucas ruínas ainda testemunham que aquelas vilas um dia existiram. A família Darwísh fugira pouco antes da chegada das tropas; e o pequeno Mahmoud, de sete anos, partiu com os parentes.

Não se sabe como, a família conseguiu voltar – para onde então já era território israelense. Receberam documentos de "ausentados presentes [1]" – espantosíssima invenção israelense. Significava que eles seriam residentes legais em Israel, mas que suas terras lhes haviam sido roubadas, nos termos de uma lei que dizia que qualquer árabe perderia a propriedade de suas terras se não estivesse fisicamente presente na vila quando fosse ocupada. Nas terras da família Darwísh foi construído o kibbutz Yasur (do movimento de esquerda israelense) e implantou-se a vila-cooperativa Ahihud.

O pai de Mahmoud instalou-se na vila árabe mais próxima, Jadeidi, de onde podia ver de longe as suas terras. Aí Mahmoud cresceu e sua família ainda vive, até hoje.

Durante os 15 primeiros anos do Estado de Israel, os cidadãos árabes viveram sob um “regime militar” – sistema de repressão severa que controlava todos os aspectos da vida, inclusive todos os movimentos. Nenhum árabe podia viajar para fora de sua vila sem permissão especial. O jovem Mahmoud várias vezes violou esta proibição; e sempre que foi apanhado foi encarcerado. Quando começou a escrever poesia, foi acusado de incitar a sublevação e posto sob “detenção administrativa”, sem julgamento.

Na prisão, então, escreveu um de seus poemas mais conhecidos, “Carteira de Identidade”, poema em que se manifesta a ira de um jovem que cresceu em condições de humilhação. O primeiro verso troveja para o mundo: “Lembrem: sou árabe!”

Neste período encontrei Darwísh pela primeira vez. Procurou-me e trouxe outro jovem árabe, nascido em outra vila árabe, e com forte compromisso político nacional, o poeta Rachid Hussein. Lembro do que Hussein disse-me, naquele dia: “Os alemães mataram seis milhões de judeus, e apenas seis anos depois os judeus fizeram a paz com a Alemanha. Conosco, os judeus não querem a paz.”

Darwísh alistou-se no Partido Comunista, o único partido, político, então, em que um nacionalista árabe poderia atuar politicamente. Editou jornais. O partido mandou-o estudar em Moscou, mas o expulsou quando ele decidiu não voltar a Israel. Em vez de voltar, alistou-se na OLP e foi para os quartéis de Yásser Arafat em Beirute.

Lá o reencontrei outra vez, num dos eventos mais emocionantes de minha vida, quando cruzei a fronteira em julho de 1982, no auge do sítio de Beirute, e tive uma reunião com Árafat. O líder palestino insistiu em que Máhmud Darwísh assistisse àquele encontro simbólico: era a primeira vez que Árafat encontrava-se com um israelense. Mandou chamar Darwish.

A descrição do sítio de Beirute é um dos trabalhos mais impressionantes de Darwísh. Naqueles dias, converteu-se em poeta nacional da Palestina. Acompanhou a luta dos palestinos; nas sessões do Conselho Nacional Palestino – instituição que uniu todo o povo da Palestina, eletrizava multidões com seus versos, que ele mesmo declamava.

Naqueles anos, Darwísh viveu muito próximo de Arafat. Arafat foi o líder político do movimento nacional na Palestina; Darwích foi seu líder espiritual. Darwísh escreveu a Declaração de Independência da Palestina, adotada na sessão de 1988 do Conselho Nacional por iniciativa de Arafat. É muito semelhante à Declaração de Independência de Israel, que Darwísh aprendera na escola primária.

Ele claramente entendeu a significação de seu discurso: ao adotar este documento, o parlamento palestino no exílio aceitava, na prática, a idéia de estabelecer-se um Estado palestino lado a lado com o Estado israelense, apenas numa parte da Palestina, como Arafat propusera.

A aliança entre os dois rompeu-se quando foram assinados os acordos de Oslo. Para Árafat, tratava-se de “o melhor acordo possível, na pior situação possível”. Darwísh entendeu que Arafat concedera demais. O coração nacional impôs-se à mentalidade nacional. (Este debate histórico ainda não está concluído hoje, embora os dois já estejam mortos.)

Desde aquela época, Daruích viveu em Paris, Aman e Ramállah – o palestino errante, que substituiu o judeu errante.

Nunca quis ser o poeta nacional. Não queria fazer poesia política; queria ser lírico, poeta do amor. Mas para qualquer lado para o qual se virasse, o longo braço do destino dos palestinos o alcançava e o arrastava de volta.

Não tenho capacidade para avaliar seus poemas ou a grandeza artística de Deruíche. Reconhecidos especialistas em língua árabe ainda discutem furiosamente entre eles o significado de seus versos, nuances, camadas, imagens e metáforas. Foi mestre em árabe clássico, e também vivia à vontade entre poetas ocidentais e israelenses. Para muitos, Deruíche foi o maior poeta da língua árabe e dos maiores de nosso tempo.

Pela poesia, conseguiu o que não conseguira fazer por outros meios: unificar todas as fraturas e fragmentos que dividem ainda o povo palestino – na Cisjordânia, na Faixa de Gaza, em Israel, nos campos de refugiados e em toda a Diáspora. Pertenceu a todos os palestinos. Os refugiados identificavam-se com Daruích porque era um deles; os cidadãos palestinos-israelenses também, porque também era um deles; e os que vivem nos territórios palestinos ocupados, porque foi um guerreiro incansável contra a ocupação.

Esta semana, alguns cabeças da Autoridade Palestina tentaram explorá-lo, na luta contra o Hamas. Duvido muito que Daruích concordasse com isto. Embora fosse palestino absolutamente secular e muito distante do mundo religioso do Hamás, ele manifestava os sentimentos de todos os palestinos. Também falava à alma dos membros do Hamás em Gaza.

DARWISH foi o poeta da ira, da saudade, da esperança e da paz. Estas foram as cordas de seu violino.

Ira, pela injustiça cometida contra o povo palestino e contra cada filho da Palestina, individualmente. Saudade, do “café de minha mãe”, das oliveiras de sua aldeia, da terra dos antepassados. Esperança de que a guerra chegue ao fim. Apoio à paz entre israelenses e palestinos, baseada em justiça e respeito mútuo. No documentário da francesa-israelense Simone Bitton, Darwísh apontou o burrico como símbolo do povo palestino; o burrico é inteligente, paciente e sempre encontra meios para sobreviver.

Entendia a natureza do conflito mais claramente que a maioria dos israelenses e dos palestinos. Dizia que aquele conflito era “uma luta entre duas memórias”. A memória histórica da Palestina colide contra a memória histórica dos judeus. Só haverá paz quando um lado entender a memória do outro lado – seus mitos, suas saudades secretas, as esperanças, os medos.

Este o significado do que disse o general egípcios: a poesia manifesta os sentimentos mais profundos dos povos. E só onde se compreendam estes sentimentos pode haver verdadeira paz. A paz costurada pelos políticos não vale grande coisa, se não houver alguma paz entre os poetas e a emoção dos muitos que a poesia manifesta. Por isto Oslo foi um fracasso. Por isto também o “acordo de prateleira” que está sendo negociado será também completamente inútil: nada tem a ver com as emoções e os sentimentos de palestinos e israelenses, os povos.

Há oito anos, o então ministro da Educação de Israel, Yossi Sarid tentou incluir dois poemas de Deruíche no currículo das escolas em Israel. Houve escândalo, e o primeiro-ministro, Ehud Barak, decidiu que “o público israelense não está preparado para isto”. É o mesmo que Barak ter decidido que o público israelense não está preparado para a paz.

Talvez ainda seja verdade. A verdadeira paz entre dois povos, paz entre as crianças que nasceram na semana corrente, no dia do funeral de Deruíche, em Telaviv e em Ramállah, só será viável quando os alunos árabes puderem ler os versos imortais de Chaim Nachman Bialik “O vale da morte”, sobre o pogrom de Kishinev, e quando os alunos israelenses puderem ler os versos de Daruích sobre a Naqba [a Catástrofe]. E, sim, também os poemas da ira, inclusive o verso “Vão! E levem daqui a morte de vocês!"

Sem entender e encarar com coragem a ira flamejante contra a Catástrofe e suas conseqüências, jamais entenderemos as raízes da guerra e não saberemos construir a paz. Como escreveu outro grande intelectual da Palestina, Edward Said: sem entender o impacto do Holocausto na alma dos judeus, os palestinos nunca entenderão os israelenses.

Poetas são os generais na luta entre duas memórias, entre os mitos, entre os traumas. Precisamos muito de poetas na estrada que levará à paz entre israelenses e palestinos, entre dois Estados, para construirmos um futuro comum.

Não estive presente às cerimônias funerais organizadas pela Autoridade Palestina na Mukata, tão organizadas, tão encenadas. Cheguei duas horas depois, quando o corpo de Daruích foi enterrado numa bela colina, pairando sobre o cenário.

Impressionou-me o povo, reunido sob sol escaldante à volta do túmulo, ouvindo uma gravação da voz de Deruíche declamando seus versos. Gente simples, gente menos simples, unidos com o homem morto, numa comunhão privada. Apesar de serem milhares, abriram alas para nos deixar passar; nós, israelenses, que ali estávamos para reverenciar Máhmoud Daruísh.

Nos despedimos silenciosamente de um grande filho da Palestina, um grande poeta, um grande ser humano.


Mahmoud: imortal!

Por Elaine Tavares – jornalista.

“Venham companheiros de correntes e tristezas

Caminhemos para a mais bela margem

Nós não nos submeteremos

Só podemos perder

O ataúde”.

Ele era assim. Essa voz poderosa chamando para a revolução. Queria ver seu povo livre, soberano, feliz. Queria de volta a sua Palestina, não como concessão de algum político bonzinho, mas porque esse é o direito do povo, usurpado em 1948 pela criação do Estado de Israel. Mahmoud Darwish, poeta, guerreiro, anjo, criança, renitente, insistente. Encantou no último sábado (dia 9) quando seu coração, pesado de tanta dor, deixou de bater. Mas, enganam-se aqueles que pensam que Mahmoud vivia por conta de seu coração. Não. Ele vivia pelas palavras que criava, pelas construções poéticas que erguia e, estas, nunca haverão de morrer.

Ninguém disse nada, mas quando os olhos de Mahmoud apagaram para este mundo, abriram-se para a velha aldeia onde nasceu, Al Barwua, de onde sua família foi expulsa pelas armas de Israel. Um lugar que não existe mais, a não ser nos sonhos do menino que nunca a esqueceu. Encravado no coração da Galiléia, o povoado é hoje um acampamento judeu. Mas, para Mahmoud sempre foi seu torrão natal, seu ninho. E é possivelmente lá que agora ele passeia, entre as oliveiras.

“Registra-me

Sou árabe

O número de minha identidade é cinqüenta mil

Tenho oito filhos

E o nono... virá logo depois do verão

Vais te irritar por acaso?”

Mahmoud foi o poeta palestino que de forma mais radical imortalizou a dor e a luta de seu povo. Até porque nunca se limitou a ser apenas um escrevinhador. Era um animal político, absolutamente conectado com as ações e com a vida real. Seu canto poético brotava das vísceras à mostra, do homem pé-no-chão, do palestino encarcerado, do humano grávido de esperanças. Suas palavras nunca foram criações estéticas. Eram o gume cortante de uma vida real, expressa em sangue e lágrimas. Seu poema nos arranca da apatia e nos convida a lutar, concretamente.

“Ainda verte a fonte do crime.

Obstruam-na!

E permaneçam vigilantes

Prontos para o combate”

Pois agora a mão que rasgava em fogo o papel com o grito da Palestina ocupada já não escreverá mais. Mas precisa? Seu canto de liberdade está cravado na terra fértil dos corações que sonham com o ainda-não, e dali nunca fugirão. Mahmoud passeia em Al Barwa. Mahmoud passeia nas terras antigas, onde vivia uma gente livre. Mahmoud passeia nas cabeças das gentes e grita, com elas. Mahmoud imortal, imenso, menino, homem, pura vontade de ser aquilo que sempre foi: palestino, livre, soberano. Porque a liberdade, afinal, vive lá dentro, no profundo do humano. Mahmoud! Presente! Sua alma imortal dançará no dia da vitória!

“selvagens... árabes”

sim! Árabes

e estamos orgulhosos

e sabemos como empunhar a foice

como resistir

inclusive sem armas

e sabemos como construir a fábrica moderna

a casa

o hospital

a escola

a bomba”

Por fim, brindamos nossos leitores com a, talvez, mais bela de todas as poesias da resistência palestina, desse magnífico e grande poeta Mahmoud Darwish, que honra todos os povos, patriotas e comunistas de todo o mundo, onde ele fala com orgulho de sua identidade árabe e palestina.

Quem quer fazer alguma coisa arranja um jeito, quem não quer arranja uma desculpa - Aforismo Árabe
"Meu interesse está no futuro porque é lá que vou passar o resto da minha vida."
"Se você está compromissado com o seu objetivo, é possível!"

Nenhum comentário: