quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

MASSACRE EM GAZA

Operação Chumbo Impune

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções
das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais
internacionais, que burla as leis internacionais. Quem lhe deu o
direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que
Israel executa a matança de Gaza? Por acaso a tragédia do Holocausto
implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da
potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus
vassalos? O artigo é de Eduardo Galeano.

Eduardo Galeano

Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas
ditaduras latinoamericanas que Israel assessorou.

Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia
ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que
segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por
multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não
podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras,
sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger
seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados.
Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída,
desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido
havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas
eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram
sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras
militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do
Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre
as terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E
o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que
negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia,
enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos
anos, o direito à existência da Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do
mapa.

Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a
fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler
invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush
invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada
uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da
Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos
títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de
perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os
palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções
das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais
internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único
país que legalizou a tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a
impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo
espanhol não conseguiu bombardear impunemente o País Basco para acabar
com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para
liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice
de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva
que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem
mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são
chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras
imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças.
E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do
esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com
êxito nesta operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem
palestinos mortos, um israelense.

Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos
de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale
tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a
acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel,
e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e
Nagasaki.

A chamada “comunidade internacional”, existe?

É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É
algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos adotam quando
fazem teatro?

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez
mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações
ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem
tributo à sagrada impunidade.

Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como
sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma
que outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de
mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas
há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos
palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são,
antisemitas. Eles estão pagando, com sangue constante e sonoro, uma
conta alheia.

(*) Texto publicado originalmente no jornal Brecha.

Tradução: Katarina Peixoto

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