JB de 18/01/09 Mauro Santayana
Sentem-se ofendidos os italianos com a decisão brasileira de conceder asilo político a Cesare Battisti. As razões do governo brasileiro foram expostas pelo ministro Tarso Genro: de acordo com a tradição brasileira, não se negam os pedidos de asilo político. Em um continente como o nosso, castigado por rebeliões sucessivas, golpes de Estado e governos tirânicos, o direito de asilo é necessário.
O asilo não deve submeter-se a escolhas ideológicas. Os crimes cometidos no Paraguai por Stroessner e seus cúmplices são bem conhecidos. Não titubeou o Brasil democrático, sem embargo disso, em conceder-lhe a proteção pedida, quando foi deposto em 1989. O ditador, responsável pela morte de centenas de pessoas, muitas delas sob tortura, viveu a fase final da vida em Brasília, sob a proteção de nosso Estado. Não agiu o governo do presidente Sarney conduzido pela simpatia para com o general, mas no cumprimento de uma tradição que se tornou, na peculiar situação da América Latina, direito inviolável. Recorde-se que, embora homem de direita, vassalo confesso dos Estados Unidos, Stroessner oferecera ao presidente Goulart asilo em seu país, quando houve o golpe militar de 1964. Diante das informações desencontradas daquela hora e da eventualidade de que o nosso presidente rumasse para Assunção, Stroessner deslocou-se para o aeroporto e só desarmou o dispositivo diplomático da acolhida a Jango depois da notícia de sua chegada a Montevidéu. As razões de Estado prevaleceram sobre as ideológicas, em 1964, na atitude de Stroessner, da mesma forma que prevaleceram, em 1989, nas de Sarney, em concordar com sua vinda para o Brasil. Já em 1948, o Brasil concedera asilo a outro paraguaio, o tiranete Higino Morínigo, que sucedera ao marechal Estigarríbia, em 1940, e fora derrubado naquele ano. Nosso governo impôs restrições às atividades de Stroessner e vigiou estritamente a conduta do ex-ditador que, reconheça-se, só saía de casa para visitar o médico e fazer curtas caminhadas em torno de sua residência no Lago Sul. O governo de Sarney e de seus sucessores não hostilizou o ex-ditador, mas tampouco o festejou. Ele viveu seus últimos anos sob a indiferença oficial dos meios políticos brasileiros e de seus vizinhos.
Essas são as razões particularmente brasileiras para justificar a decisão de aceitar o pedido de asilo feito por Cesare Battisti. Por mais pressões políticas que tenham sido feitas em favor do italiano, o Brasil atuou no exercício de sua soberania e dentro de uma exigida tradição histórica. Da mesma forma que as autoridades italianas podem negar a entrada em seu país de qualquer cidadão estrangeiro – árabe, negro, mestiço ou branco extracomunitário – as autoridades brasileiras atuam dentro de seu direito em aceitar em seu território estrangeiros que estejam sendo perseguidos no país de nascimento. Trata-se de uma questão de soberania. No século 16, Jean Bodin defendeu a absoluta soberania do Estado na direção de seus negócios internos, embora a limitasse no respeito às leis naturais, nas leis procedentes da fé e da razão, e no fundo comum da idéia de justiça dos diferentes povos, o jus gentium. A boa norma diplomática nos recomenda tomar conhecimento dos protestos da Itália, e só isso. Assim, responderemos à audácia do governo racista da Itália. Da mesma forma que não podemos impedir que Berlusconi persiga ciganos e membros de outras etnias em seu território (embora possamos protestar contra isso) – seu governo e o presidente Cossiga não podem limitar o nosso direito de conceder asilo. De acordo com a doutrina de Bodin, mais tarde ratificada por Locke e outros, estamos atendendo aos princípios que conformam a summa potestas. Recebamos, cortesmente, as queixas do governo de direita da Itália. Podemos, até mesmo, dizer-lhe que receberemos no Brasil qualquer político italiano que se sinta perseguido em seu país. A Itália não considerou uma ofensa da Tunísia conceder asilo a Benito Craxi – acusado de peculato e corrupção como primeiro-ministro – em 1993. Berlusconi devia pensar nisso.
O caso de Battisti tem aspectos laterais que devem ser examinados. A França lhe concedeu asilo durante 14 anos, e não consta que a Itália tenha dirigido ao Quai d"Orsay os protestos que endereça ao governo brasileiro. | ||
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"Meu interesse está no futuro porque é lá que vou passar o resto da minha vida."
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