Rádio Muda: arbítrio, censura e autoritarismo no fechamento de um ícone da
cultura independente do Brasil.
Não é necessário dizer que, nos termos do Pacto de San Jose, norma
introjetada no direito brasileiro com o estatuto hierárquico de ditame
constitucional (cf, art. 5, parag. 3o da Constituição), o fechamento de
uma rádio universitária de baixíssima potência, conhecida por seu caráter
inclusivo, socialmente relevante, plural, regional e educativo, implica
abuso de controle oficial sobre a liberdade de expressão. É o que se
depreende de uma simples leitura do texto da norma em questão:
"3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios
indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de
papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e
aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios
destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões."
É, igualmente, despiciendo lembrar que, no direito brasileiro, a lei
ordinária deve ser interpretada a partir da constituição, de modo que a
juridicidade de uma operação de radiodifusão deve atender, antes de tudo,
à Carta de 1988. A pergunta que daí se desdobra é se a rádio Muda, uma
referência cultural para Campinas e o Brasil, não estaria em maior grau de
atendimento aos limites constitucionais objetivos da radiodifusão, em
detrimento de toda a baixaria e todo o proselitismo religioso ou
empresarial que se ouve nas rádios comerciais. Confira-se o dispositivo
constitucional em questão:
“A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão
aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção
independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística,
conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”
Também não é preciso lembrar que, na mesma cidade de Campinas onde se
fechou a Rádio Muda -que é um raríssimo e nobre exemplo de cumprimento da
norma supracitada -o Poder Público nada fez quando uma rádio do Grupo
Globo - a CBN - operava de modo irregular, ou seja, sem contar com uma
concessão válida. Ressalta-se que esta última, em detrimento da rádio
Muda, presta-se apenas a lobbies empresariais, de modo que não obedece,
sequer longinquamente, ao preceito constitucional acima transcrito.
O que se denuncia aqui é a novidade deste anti-jurídico cumprimento de um
mandado de busca e apreensão contra a respeitada e histórica Rádio Muda:
aparelhos quebrados, impedimento de acesso aos autos do inquérito policial
e a jutificativa tecnicamente mirabolante, divulgada pela grande mídia, de
que uma estação universitária de potência mínima poderia interferir na
segurança da aviação civil. Ora, respeitem ao menos a inteligência da
população!
Como se vê, o fechamento da rádio não foi um ato condizente com o direito
vigente em nosso ordenamento. Tratou-se, ao invés, de uma anti-jurídica
violação do direito fundamental à liberdade de expressão, perpetrada em
favor dos grandes radiodifusores e de seu poder político. Os ativistas da
Muda e todos aqueles que lhes são solidários devem, portanto, resistir
jurídica mas, sobretudo, politicamente, de maneira a demonstrar a força, a
legitimidade social e a importância cultural da Rádio que, diretamente do
Campus da UNICAMP, ensina ao mundo uma cultura de liberdade e autonomia.
Grandes radiodifusores e órgão reguladores que lhes são servis: vocês
cometeram um grave erro com esse ataque ilícito e covarde à livre
manifestação do pensamento. Doravante, arrependam-se diante da torrente de
solidariedade, protesto, denúncia e mobilização que esse ato há de
desencadear!
Todos para a rua, em defesa da Muda! A cada rádio fechada pelo governo
autoritário, abriremos uma dezena. Vamos fazer reforma agrária no espectro
de radiofreqüência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário