terça-feira, 31 de março de 2009

Cem anos de Patativa

O primo Francisco Gonçalves, conhecido por Chagas, diz que uma vez o flagrou gesticulando e falando sozinho no canto de uma cerca. Ele não respondeu meus cumprimentos, lembra Chagas, acrescentando que, no encontro seguinte, cobrou uma explicação. Patativa justificou que estava preparando um poema que seria recitado num Festival de Violeiros em Petrolina, Pernambuco. Raimundo Gonçalves, o Mundinho, o genro, pega o “fio da meada” e complementa: “De tanto falar sozinho, a gente pensava que ele estava ficando doido”.


Cada um tem uma história curiosa para contar sobre o poeta. A neta Toinha lembra que, todas às noites, ele reunia a família para rezar o terço. Toinha acrescenta que, quando chegou televisão na Serra de Santana, a maioria da família trocou a reza pelos programas de TV. Patativa os repreendeu com esta quadra: “Já que todos me despreza/ eu vou mesmo rezar só/ uns pedacinhos de reza/ que aprendi com vovó’’.


Era devoto de Nossa Senhora Aparecida, de quem se valia nos momentos de aflição. Quando se mudou para a cidade de Assaré, comprou uma casa ao lado da Igreja para ele e Belinha. Entre risos e lágrimas, a conversa prossegue descontraída. Geraldo, o filho mais velho, conta que, depois de uma apresentação no Recife, um grupo de intelectuais perguntou se ele, Geraldo, não tinha aprendido a fazer poesia. A resposta veio em cima da bucha: “Se isso fosse coisa que a gente aprendesse, vocês já tinham tomado dele.”.

De Assaré para o mundo

Antônio Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré, nasceu a 5 de março de 1909 na Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará. É o segundo filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Foi casado com D. Belinha, de cujo consórcio nasceram nove filhos.

Publicou Inspiração Nordestina, em 1956, Cantos de Patativa, em 1966. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Começou a ser estudado na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, durante a regência do professor Raymond Cantel, hoje falecido. Patativa do Assaré era unanimidade no papel de poeta mais popular do Brasil. Para chegar onde chegou, tinha uma receita prosaica: dizia que para ser poeta não era preciso ser professor. ´Basta, no mês de maio, recolher um poema em cada flor brotada nas árvores do seu sertão´, declamava.

Cresceu ouvindo histórias, os ponteiros da viola e folhetos de cordel. Em pouco tempo, a fama de menino violeiro se espalhou. Com oito anos trocou uma ovelha do pai por uma viola. Dez anos depois, viajou para o Pará e enfrentou muita peleja com cantadores. Quando voltou, estava consagrado: era o Patativa do Assaré. Nessa época os poetas populares vicejavam e muitos eram chamados de ´patativas´ porque viviam cantando versos. Ele era apenas um deles.


Filho de pequenos proprietários rurais, Patativa, nascido Antônio Gonçalves da Silva, em Assaré, a 490 quilômetros de Fortaleza, inspirou músicos da velha e da nova geração e rendeu livros, biografias, estudos em universidades estrangeiras e peças de teatro. Também pudera. Ninguém soube tão bem cantar em verso e prosa os contrastes do sertão nordestino e a beleza da natureza. Talvez por isso, Patativa ainda influencie a arte hoje.


Como todo sertanejo, Patativa começou a trabalhar duro na enxada ainda menino, mesmo tendo perdido um olho aos 4 anos. No livro ´Cante lá que eu canto cá´, o poeta dizia que no sertão enfrentava a fome, a dor e a miséria, e que para ´ser poeta de vera é preciso ter sofrimento´.


Patativa só passou seis meses na escola. Isso não o impediu de ser Doutor Honoris Causa de pelo menos três universidades. Não teve estudo, mas discutia com maestria a arte de versejar. Desde os 91 anos de idade com a saúde abalada por uma queda e a memória começando a faltar, Patativa dizia que não escrevia mais porque, ao longo de sua vida, ´já disse tudo que tinha de dizer´. Patativa morreu em 8 de julho de 2002 em Assaré.

Amiga de um menino traquino


Com 101 anos de idade, mas ainda lúcida, Antonia Gonçalves Alencar, conhecida por “Solidade”, foi amiga de infância de Patativa. Com ele, dividiu as alegrias e tristezas vividas na Serra de Santana, onde ambos nasceram e se criaram, comendo feijão com pão e mungunzá. Apesar da vida “aperreada”, viviam felizes. As famílias eram unidas, recorda Solidade, acrescentando que todos eram parentes. Lembra que Patativa era um menino normal, um pouco traquino, mas não merecia ter apanhado tanto dos pais. Logo cedo, começou a trabalhar. Com a morte do pai, assumiu o comando da casa.


Passou a ser chamado de “Senhorzinho”, diminutivo de Senhor, tratamento cerimonioso dispensado aos homens que têm domínio ou autoridade. Da sua varanda, localizada a 500 metros da casa de Patativa, Solidade ouvia a voz do primo, ao som da viola, varando madrugadas do sertão.


Lembra que, quando novo, a voz de Patativa era forte e firme.´Parecia um sabiá, cantando na copa de um cajueiro´ .A recordação enche seus olhos de lágrimas. “Eu sou um ano mais velha do que ele, que podia estar vivo no meio da gente”. O que mais chama a atenção dos moradores da Serra de Santana é o exemplo de simplicidade do poeta. “A fama nunca lhe subiu à cabeça. Ele continuou o mesmo matuto roceiro, dedicado à família, um homem honrado, querido e respeitado por todos nós”.

Foto: A. Capibaribe Neto

O poeta Patativa do Assaré

Antônio Vicelmo
*Fonte: www.diariodonordeste.globo.com

*Conheça poemas de Patativa do Assaré em www.jornaldepoesia.jor.br/anton.html


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