quinta-feira, 19 de março de 2009

A Conferência Nacional de Comunicação será democrática?



A Conferência Nacional de Comunicação será democrática?

Heitor Reis (*)
"Quanto às características e propósitos da CoNaCom
1) Que a Conferência terá caráter amplo e democrático, abrangendo representações do Poder Executivo, do Poder Legislativo, da sociedade civil e dos empresários;"
[
http://www.proconferencia.com.br/documentos.cfm?categoria=2&conteudo=143 ]
Considerando o texto acima, divulgado pela Comissão Nacional Pró-Conferência, formada com intensa participação da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal e e de uma parte dos movimentos sociais, ela deveria ser democrática.
"Seguindo as resoluções da reunião do dia 06/02, no documento que apresentamos ao Executivo Federal como proposta da CPC Nacional, para um universo de 30 pessoas compondo a Comissão Organizadora:" (Comissão Nacional)

SETOR

PERC.

QUANT.

Poder público

(Executivo, Legislativo e Judiciário)

30,00 %

9

Ministério Público

03,33 %

1

Empresários

16,67 %

5

Mídia Pública-Estatal (*)

06,67 %

2

Sociedade

(movimentos sociais, entidades da área, academia)

43, 33 %

13

TOTAL

100,00 %

30

(*) Nesta tabela, acrescentei ao original, no termo Mídia Pública, o estatal, considerando que a verba é pública, mas a gestão é estatal, ao contrário da Mídia Pública não Estatal, onde, teoricamente, pelo menos, predominaria a gestão por parte da comunidade, ou seja, verba pública e gestão também pública. Isto porque o estado brasileiro não é publico, nem República, mas privatizado pelos mais abastados, tornando uma Reparticular. Mais detalhes em A coisa pública e a coisa estatal. [ http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=455IPB003 ]
Será que os empresários da comunicação representam 16,67 % da população? Ou este dado se refere aos empresários de uma forma geral, os quais anunciam nos meios de comunicação? Ou incluiria também micro-empresários como os que tem um buteco copo sujo na favela?
Numa estimativa simples, se umas 10 famílias dominam praticamente todo o setor comercial da mídia e consideramos que cada uma delas tivesse 20 membros, teríamos 200 pessoas, representando 0,000 001 % da população. Mas há um bom número de pequenos jornais e emissoras de rádios sob gestão privada espalhados pelo país que poderia engrossar este número. Segundo o sítio Os Donos da Mídia, somam apenas 19.466. [ www.donosdamidia.com.br ]
Mas este valor é apenas 0,0001 % da população, ainda muito distante dos benevolentes 16,67 % propostos acima.
Conforme dados enviados por Ricardo Bergamini, em 2006, o total de empresas formais ativas no país era de 5.140.951. [ http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1273 ]
Não disponho do número de sócios para saber quantos seriam seus proprietários. Para que sejam 16,67 % da população o número dos empresários em geral teria de ser 33.340.000, dando uma média de 6 sócios por empresa. Se me lembro bem dos tempos de Sebrae, 90 % delas são compostos por micro-empresas e geralmente só tem um dono, sugerindo que este dado carece de melhor análise. Qual teria sido o critério para cálculo deste percentual?
Talvez tenha havido intenção dos membros da Comissão Nacional em fazer uma média com a ditadura do poder econômico (plutocracia, cleptocracia e corporocracia) à qual estamos submetidos, desta feita, em sua versão civil, mas sempre em prejuizo de uma democracia de verdade.
Por outro lado, cabe ao leitor considerar até ponto nossos governantes, eleitos através de financiamento de sua campanha pelos ricos, os representantes do Executivo e Legislativo, podem ser computados como legítimos representantes dos empresários. Por outro lado, com um judiciário conservador, cujo presidente do Supremo Tribunal Federal é aliado e defensor de criminosos como Daniel Dantas, convém atribuir boa parte deste poder também como cooptado pelos privilegiados economicamente. Uma caixa-preta, como defende Lula. Um balcão de negócios, onde o pobre não tem como comprar sentença, adiamento e outros expedientes que privilegiam geralmente os mais aquinhoados. Assim, os 16,67 % dos empresários pode pular até para um percentual bem mais elevado dos membros da Comissão Organizadora.
Mas talvez este raciocínio seja uma mera firula! Porque, se esta conferência não tiver caráter deliberativo, a classe trabalhadora pode até ter 100 % de seus membros e sugerir mundos e fundos, sem que nada seja realizado de fato, por falta de poder sustentado pela pressão popular capaz de obrigar o governo e seus patrões a cederem. Este é o tal do caráter consultivo. Apenas um teatro para realizar a catarse emocional dos oprimidos e acalmá-los momentaneamente. Mas já seria um avanço, considerando que pode fazer alguma pressão sobre os governantes, ainda que extremamente fraca, como ocorreu nas demais conferências.
Certamente levaram em consideração a atual correlação de forças, onde a classe operária permanece, em sua grande maioria, alienada, desorganizada e derrotada, em função de uma série de fatores históricos e culturais, como o dogmatismo econômico, político e religioso de uma minoria que sempre dominou o país. A competência e seriedade dos empresários em defender os interesses de sua classe somente pode ser condenada para encobrir a fraqueza dos movimentos sociais e seu débil interesse por este assunto.
Diante disto, seria até natural que os membros da Comissão Nacional cedessem, dando maior representação aos empresários e aos governantes, cujas campanhas eleitorais foram financiadas por aqueles. Isto não é uma crítica, mas uma tentativa de interpretação neutra da realidade pura e simples, de constatação.
Portanto, caso esta condescendente proposta não seja aceita por Lula, seus financiadores de campanha e aliados políticos, e imposta uma ainda pior, registre-se publicamente que a representatividade não é democrática e sim fruto de um "estado completamente oligárquico e autoritário", conforme o definiu Marilena Chauí, insistindo em que "é preciso democratizar o estado brasileiro". [ http://www.revistaforum.com.br/vs3/artigo_ler.aspx?artigo=d543c1f1-2689-46c3-b0a2-63887b17bc09 ]
O choro é livre, num País de Todos apenas no discurso. A única coisa que faria com que esta, qualquer outra conferência ou Estado sejam democráticos, é a pressão popular, exigindo tal condição, o suficiente para obrigar os ricos e seus legítimos representantes no governo a cederem em seu despotismo. Coisa ainda muito além do horizonte de nossa geração, inlelizmente. Espero que nossos movimentos sociais provem, na prática, que eu estou errado!
Se por um lado, cada povo tem a Conferência de Comunicação que merece, por outro, se Lula fosse fazer a democratização da comunicação que os militantes do setor querem, teria o mesmo destino de Jango, Juscelino, Zuzu Angel, Vladimir Herzog, Getúlio Vargas, Tancredo Neves e outros.


(*) Heitor Reis é um adolescente mesocentenário ou um centenário meso-adolescente. Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da CMQV - Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (www.cmqv.org) e articulista. Nenhum direito autoral reservado: Esquerdos autorais ("Copyleft"). Contatos: (31) 9208 2261- heitorreis@gmail.com - 17/03/2009

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