terça-feira, 17 de março de 2009

Mineração na região do Serro

Mineração & Sustentabilidade


José de Castro, de Belo Horizonte

15 de Dezembro de 2008

Minas Gerais ostentou por três décadas a duvidosa honra de hospedar o maior mineroduto do mundo, com 398km, entre as minas de Mariana (MG) ao porto de Anchieta (ES). Talvez por isso, os mineiros não se surpreenderam com o projeto do mineroduto de 530 km, ligando Conceição do Mato Dentro (MG) e o porto de São João da Barra (RJ). A obra integra o Projeto Minas-Rio, que começou a ser tocado em 2007, para levar ao exterior 26,5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.

foto: Cristina Castro

As ameaças do Projeto MMX Minas Gerais-Rio de Janeiro

Conceição do Mato Dentro fica a 168 quilômetros de Belo Horizonte e perto do Parque Nacional da Serra do Cipó. Na cidade, um notável patri­mônio histórico datado do século 18.
No município, a segunda mais alta queda d'água do Brasil, a Cachoeira do Tabuleiro, e outras fascinantes paisa­gens culturais. Próximas das futuras minas, contam-se cerca de 50 grutas. Na região, uma biodiversidade muito rica, com espécies endêmicas, como a barata orelhuda. Contrapondo-se a isso, um projeto de 7 bilhões de dólares, que ameaça parte dessa riqueza natural e que afeta, também, a histórica cidade do Serro, uma das atrações turísticas do estado, na Estrada Real, e mais 24 municípios mineiros e 7 fluminenses.
O projeto foi apresentado, em setembro de 2007, ao governo de Minas, pela mineradora MMX, do empresário Eike Batista. No primeiro trimestre deste ano, depois de garantir a boa vontade do governo, Eike vendeu seu projeto para a Anglo Ameri­can e embolsou R$ 5,5 bilhões, sem precisar sujar os sapatos com pó de minério.

Novae e Observatório da Imprensa
Esse projeto mereceu até agora pouca atenção da imprensa, como relato no artigo intitulado "Crise mundial tem seu lado bom...", publicado pela revista eletrônica Novae (http://www. novae.inf.br) e pelo Observatório da Imprensa. Pela Internet, têm surgido algumas críticas. Pessoas não entendem, por exemplo, que por mais de 30 anos uma das maiores mineradoras do mundo, a ex-estatal Vale do Rio Doce, soubesse dessa grande riqueza mineral e, mesmo assim, deixou que a concessão cadu­casse. Em seguida, o filho de um notório ex-presidente da Vale, Eliezer Baptista, adquiriu a concessão para a MMX e tratou de viabilizar o projeto de exploração.

Desapropriação
Logo que Eike apresentou o projeto ao governador de Minas, Aécio Neves, foi criada uma comissão mista para analisá-lo. Em março de 2008, não havia sido ainda concedida a Licença de Instalação das minas e do mineroduto, quando o governador assinou um decreto, declarando de utilidade pública, para desapropria­ção, mediante indenização, a faixa de 30 metros de largura, ao longo do trajeto mineiro do mineroduto.

Sobre a mmx mineração e metálicos

A MMX Mineração e Metálicos S.A. foi criada para atuar nos setores de minera­ção, metálicos e logística. A MMX é uma empresa do grupo EBX, fundado em 1893 e presidido pelo empresário Eike Batista. Segundo o empresário, a empresa está implementando três sistemas integrados - MMX Amapá, MMX Corumbá e MMX Minas-Rio - com produtos de minério de ferro de alto teor que serão exportados através de seus sistemas independentes de logística. Para Eike Batista, a MMX assume o compromisso de multiplicar desenvolvimento humano com práticas ambientais e sociais sustentáveis em todas as suas áreas de atuação. Segundo ele, o exemplo mais concreto deste compromisso é a criação da Reserva Particular de Patrimônio Natural Eliezer Batista - uma área totalmente protegida de aproximadamente 20 mil hectares, no Mato Grosso do Sul.

Poucas informações
A imprensa divulgou até agora poucas informações sobre o projeto. Em geral, números animadores, como um aumento previsto de 13,5% na produção mineral do estado. Informou-se que a tubulação ficará enterrada 75cm abaixo do solo; que o transporte do minério exigirá a retirada de 2.500 metros cúbicos de água por hora, equiva­lentes a 3,15% do volume total da vazão do Rio do Peixe; que serão criados 1.574 empregos diretos na fase de instalação e, depois, apenas 104.
A promessa de empregos e de aumento da arre­ca­dação de impostos facilitou a rápida tramitação do projeto, sem qualquer discussão na imprensa.
Mas, em vez de mineroduto, por que não construir uma ferrovia, se o que se pretende é o desenvolvimento econômico do estado? Quando Getúlio Vargas criou a Vale do Rio Doce, em 1942, para explorar o minério de Itabira, o governo acenou com muitas vantagens para os mineiros, como a construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas, que levou o progresso aos vales do Aço e Rio Doce, dando impulso ao crescimento de Governador Valadares e possibilitando a instalação, em Ipatinga, da Usiminas.
Por outro lado, o mineroduto da Samarco, empresa hoje pertencente à Vale, pouco contribuiu para o desenvolvimento mineiro, embora tenha transportado em 30 anos cerca de 300 milhões de toneladas de concentrado de minério de ferro. Segundo a Samarco, "trata-se de uma alternativa de transporte que tem custo significativamente menor que o ferroviário".
Apesar, disso, na década de 1970, quando a Vale foi explorar a mina de Carajás, no Pará, optou por uma estrada de ferro de mais de 600 km, ligando a mina ao porto em São Luiz, no Mara­nhão. Essa ferrovia não transporta ape­nas minério, mas também grãos e pessoas, a exemplo da Vitória-Minas, levando progresso por onde passa.
Surge então uma pergunta: nas conversas de gabinete, tentou o go­ver­nador Aécio Neves convencer Eike Batista a cons­truir ferrovia, em vez de mineroduto, para beneficiar efetivamente diversos municípios mineiros? Não seria tão difícil, pois o empresário já havia mostrado interes­se em ferrovia. Em 2006, a MMX venceu a licitação da Estrada de Ferro do Amapá, objeto até de uma inves­tigação da Polícia Federal, a Ope­ração Toque de Midas, desencadeada em meados de 2008.

Belezas da região - Para o ambientalista e biólogo Miguel Ângelo, depois de anos de levantamentos e estudos, chegou-se à visão clara da necessidade de se criar a reserva da biosfera, no coração do Brasil, por onde passa a espinha dorsal da América. “É uma reserva de vida para o planeta. Preservar, conservar é muito caro e por isso não basta cercar áreas. É preciso saber fazer gestão, com participação coletiva e comunitária, promoção de informação e geração de conhecimento”.

No primeiro trimestre deste ano, depois de garantir a boa vontade do governo mineiro, Eike vendeu seu projeto para a Anglo American e embolsou R$ 5,5 bilhões, sem precisar sujar os sapatos com pó de minério

Fotos: Cristina Castro


Em 2004, num movimento encabeçado pelo então prefeito de Conceição do Mato Dentro - hoje o deputado José Fernando Aparecido de Oliveira (PV-MG) - foi criada a Reserva da Biosfera da Cordilheira do Espinhaço. “Os recursos hídricos da região estão reunidos em dois grandes biomas, o Cerrado e a Mata Atlântica”.Na foto, a exuberência da Cachoeira do Tabuleiro.

Perguntas sem respostas

Ainda há perguntas sem respostas. Por exemplo:

Que condutas serão adotadas para que o projeto não destrua uma biodiversidade muito rica e das mais ameaçadas de extinção?

Como evitar que interferências políticas e econômicas preponderem nas decisões da Fundação Estadual do Meio Ambiente?

Qual o risco de a captação de água no Rio do Peixe, já degradado, prejudicar os moradores de Alvorada, Serro e Conceição do Mato Dentro?

Quanto o mineroduto consumirá de energia elétrica?

Qual o prejuízo para cerca de 50 cavernas existentes nas áreas das minas? E para a atividade turística da região?

Como ficam os moradores de comunidades indígenas e quilombolas?

Conforme a Associação Mineira de Defesa do Ambiente, o Projeto Minas-Rio apresenta "65 impactos possíveis de toda ordem. Entre eles, o desencadeamento de processos erosivos, alteração da qualidade da água e das propriedades do solo, perda do habitat da fauna por redução de ambientes, mortandade e extinção local de peixes, redução da diversidade por fuga de espécies e alteração da paisagem da Estrada Real".

Para terminar, uma última pergunta: não seria o caso de se analisar melhor esse projeto?

SUMMARY

Mining and Sustainability

Mining in the Serro region

Threats to the MMX Minas-Rio Project

Minas Gerais has been able to boast, for three decades, the dubious honor of hosting the largest mining pipeline in the world, 398 kilometers, running between the Mariana (Minas Gerais) mines and the Anchieta (Espírito Santo) port. Perhaps for this reason the miners were not surprised by the 530 kilometer mining pipeline project connecting Conceição do Mato Dentro (Minas Gerais) and the port of São João da Barra (Rio de Janeiro). The project integrates the Minas-Rio Project which got underway in 2007, to carry out 26.5 million tons of iron ore per year.

Conceição do Mato Dentro is located 168 kilometers from Belo Horizonte and is near the Serra do Cipó National Park. There is a well known historical site there dating from the 18th century. The city also is home to the second highest waterfalls in Brazil, Cachoeira do Tabuleiro, as well as other fascinating cultural landscapes. There are nearly 50 grottos near the future mines. The biodiversity in the region is very rich and there are many endemic species, such as the "big-eared cockroach". In juxtaposition, the US$ 7 billion project threatens this part of the natural wealth and impacts the history of the city of Serro, one of the leading tourist attractions in the state, on the Estrada Real trail, and over 23 Minas Gerais State municipalities and seven in the state of Rio de Janeiro.
The project was introduced in September 2007, to the Minas Gerais government by the mining company, MMX, owned by the entrepreneur, Eike Batista. In the first quarter of this year, after receiving an assurance of good will from the state government, Batista, sold his project to the company Anglo American and pocketed R$ 5.5 billion, without dirtying his shoes with the mining dust.
This project has garnered little attention from the press, only that reported in the article entitled "World crisis has a good side...," published by the electronic journal Novae (http://www.novae.inf.br) and information in the Observatório da Imprensa. Some criticisms have appeared on the Internet. People do not understand, for example, that for over 30 years one of the largest mining companies in the world, the former state-owned company, Vale do Rio Doce, knew about this enormous mineral wealth and even so, let the concession lapse. Thereafter, the son of the well known former president of Vale, Eliezer Baptista, acquired the concession for MMX and worked toward enabling the exploration project. (José de Castro)




Folha do Meio Ambiente


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