Introdução de Luiz Marcos Gomes
O maior plano econômico estatal aplicado nos Estados Unidos desde os anos 30- assim o jornal The New York Times qualificou o recente pacote de medidas, ao custo inicial de 2,5trilhões de dólares, anunciado pelo presidente Barak Obama. Tal plano, concebido por seus principais assessores da área, entre os quais o Secretário do Tesouro, Timothy Geithner; o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, e seu principal conselheiro econômico, Lawrence Summers (ex-reitor de Harvard), significa uma completa reviravolta em tudo que os EUA -e, por conseqüência, o resto do mundo, inclusive o Brasil- vinham pregando, aplicando e impondo, sobretudo desde os tempos de Ronald Reagan. Mas, de repente, a “mão invisível do mercado”está sendo substituída pela mão muito visível do Estado que, com seus trilhões, pretende salvar o próprio mercado, livrando-o dos denominados “ativos tóxicos”. Os assessores e conselheiros de Obama são os mesmos que seguiam a antiga doutrina e agora se apresentam “convertidos” a uma outra teoria econômica, pelo tipo de receita que propõem. Neste artigo, Rick Wolff, professor emérito da Universidade de Massachussetts (Amherst), demonstra como as crises capitalistas provocam verdadeiras e súbitas reviravoltas na teoria econômica dominante ensinada nas universidades mais proeminentes, numa demonstração de completa subserviência da chamada academia aos interesses da alta finança e das grandes corporações.
A maior parte dos economistas dos EUA são professores em faculdades e universidades. As suas posições acadêmicas permitem-lhes investigar e ensinar, supostamente, de modo independente dos interesses corporativos. Eles podiam, pelo menos hipoteticamente, proporcionar as visões críticas dos problemas econômicos que são necessárias para a sua solução. Os economistas podem ajudar a propor, avaliar e debater o vasto leque de soluções possíveis – desde aquelas que mudam minimamente o status quo até as que implicam mudança social fundamental. Contudo, a história mostra que a maior parte dos economistas profissionais tem sido subserviente aos interesses corporativos ao invés de críticos construtivos. Eles celebraram o capitalismo, ignoraram ou puseram de lado sistemas econômicos alternativos e só argumentam sobre como melhor administrar os enormes custos sociais da recorrente instabilidade do capitalismo. A vergonhosa subserviência corporativa dos economistas tem sido a ruína do país.
O establishment profissional das Ciências Econômicas nos EUA – seus membros auto-intitulam-se “corrente principal” (”mainstream”) – nunca conduz. Ele sempre segue. Antes da Grande Depressão, os economistas da corrente principal abraçavam respeitosamente o que denominavam “teoria econômica neoclássica”. Esta “ciência” econômica mostrava, diziam eles, que o que dava lucros para os negócios beneficiava toda a sociedade. Nesta perspectiva da corrente principal, a empresa privada e os mercados funcionavam melhor para toda a gente quando deixados livres da regulamentação ou interferência governamental. Os grandes negócios dirigiam e promoviam publicamente esta celebração do capitalismo. Faculdades e universidades procuravam contribuições financeiras dos negócios, dos seus proprietários e dos seus líderes. Eles precisavam inscrever os filhos destas pessoas (poucas outras podiam permitir-se arcar com os custos da educação superior). As administrações acadêmicas nem queriam nem apoiavam professores que criticassem os interesses dos negócios privados ou de alguma forma os desagradassem (através, por exemplo, do desafio à corrente principal da ciência econômica).
Após 1929, quando as empresas privadas e os mercados livres capitularam diante da Grande Depressão, os negócios em grande medida passaram a advogar intervenções maciças do governo para “consertar” a economia rompida (tal como faz hoje, outra vez). Exceto por uns poucos teimosos, os economistas profissionais rapidamente seguiram-nos e reverteram a sua “ciência”. Eles descobriram um novo guru em John Maynard Keynes que exaltou as virtudes e clarificou os mecanismos das intervenções econômicas governamentais. A corrente principal da ciência econômica tornou-se keynesiana desde o fim da década de 1930 até a década de 1970. Por toda a parte os cursos de economia nas faculdades ensinavam acerca de ciclos de negócios (a expressão polida para designar a instabilidade crônica do capitalismo). Os manuais instruíram uma geração de que políticas monetárias e fiscais do governo eram necessárias e meios eficazes de limitar, compensar e finalmente eliminar os ciclos de negócios.
Na década de 1970, a corrente principal reverteu o seu curso mais uma vez. A teoria econômica keynesiana havia falhado para a ultrapassagem ou mesmo a prevenção dos ciclos de negócios capitalistas nos EUA. As políticas monetárias e fiscais não haviam proporcionado a prosperidade, crescimento e estabilidade prometidos pelos keynesianos. Enquanto isso, as corporações estado-unidenses haviam-se tornado bastante ricas e poderosas – ao passo que as memórias da Grande Depressão haviam-se desvanecido bastante – para minar as regulamentações e controles do governo provocados pela Grande Depressão. Porque os negócios ressentiam-se com as intervenções governamentais que limitavam lucros, os interesses corporativos promoveram a candidatura Reagan à presidência. A sua carreira a serviço dos interesses corporativos qualificava-o para reverter o New Deal. Cortes de impostos, especialmente para os negócios e os ricos, e desregulamentação tornaram-se fórmulas encantatórias para os líderes políticos de ambos os partidos. A América corporativa retomou a celebração anterior a 1929 da empresa privada e dos mercados livres.
Os economistas acadêmicos também seguiram. Todos os curricula, manuais e conferências foram mudados. A teoria econômica keynesiana foi afastada, a teoria econômica neoclássica estava de volta e Milton Friedman era o novo guru. Ele fora um teimoso que se mantivera a celebrar a empresa privada e os mercados livres ao longo do período em que a corrente principal era keynesiana. Então, quando os negócios progressivamente decidiram que “a nossa economia não precisa mais da intervenção do governo” que constrangia os lucros, Friedman obteve o seu apoio para o departamento de ciências econômicas da Universidade de Chicago. Assim, na nova América de Reagan, o economista respeitosamente considerou que a teoria econômica de Friedman era agora “correta” e “científica”. Ele e os seus apoiantes assumiram o comando da corrente principal. Eles marginalizaram os keynesianos e ardorosamente re-endossaram a velha teoria econômica “neoclássica” anterior a 1929 que exaltava a empresa privada e os livres mercados como garantidores da prosperidade.
Foi tão completa a adoção da teoria econômica neoclássica pela corrente principal acadêmica que muito poucos estudantes aprenderam acerca da instabilidade do capitalismo. Os cursos sobre ciclos de negócios, outrora obrigatórios no currículo de ciências econômicas, em grande medida desapareceram. Os economistas do governo Bush eram produtos de educações econômicas que os incapacitavam para lidar com o maciço crash capitalista de hoje. Portanto, eles (1) deixaram de ver, muito menos impedir, o crash; (2) esperaram demasiado para atuar quando o crash se desenrolava no fim de 2007 e durante 2008, e (3) propuseram políticas governamentais mal planejadas e pouco eficazes, uma após outra, desde meados de 2008. Os economistas reunidos por Obama são exemplos da mesma geração incapacitada.
A vergonhosa história de oportunismo desta profissão pode ser melhor ilustrada pela reunião anual de Janeiro de 2009 da suprema American Economics Association (AEA). O fim de 2008 assistiu os grandes negócios obterem bilhões em salvamentos do governo. Destacados economistas da corrente principal na reunião da AEA covardemente anunciaram os erros dos seus antigos caminhos e advogaram o retorno à teoria econômica keynesiana. Os economistas neoclássicos viam as suas carreiras em perigo e atuaram rapidamente. O repórter Louis Uchitelle, do New York Times, utilizou mesmo a expressão religiosa “conversão” para a comunicação apresentada por Martin Feldstein, de Harvard. Contudo, como muitos cristãos renascidos, os keynesianos renascidos não terão dúvidas em retroceder ao primeiro sinal de estabilização do sector financeiro.
Para resumir, as repetidas oscilações entre a teoria econômica neoclássica e a keynesiana na definição da corrente principal revela a subserviência oportunista da profissão às necessidades dos negócios. A mesma subserviência explica porque ela se recusa firmemente a contratar os economistas que respondem à instabilidade do capitalismo advogando a mudança social para sistemas econômicos alternativos. Na esteira de mais outro maciço colapso capitalista, entretanto, as nossas escolhas reais não precisam e não deveriam ser limitadas à teoria econômica neoclássica ou keynesiana, para uma mera comutação entre formas de capitalismo privado e administrado pelo Estado. As razões para argumentar a favor de movimentos para além do capitalismo nunca foram tão fortes. A agora considerável literatura teórica sobre economias pós-capitalistas (por exemplo, S. Resnick e R. Wolff, Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR ) e a acumulação de experiências locais e nacional com as mesmas proporciona amplos recursos e lições a fim de efetuar tais movimentos.
O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/wolff180109.html
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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