quinta-feira, 30 de abril de 2009

Diretor da TV Brasil teme pelo projeto e diz que Cruvinel é má gestora



Revista Forum 24-04-2009
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Diretor da TV Brasil teme pelo projeto e diz que Cruvinel é má gestora

Por Renato Rovai [Sexta-Feira, 24 de Abril de 2009 às 15:36hs]

Fórum - O senhor avalia que a TV Brasil tem desempenhado o papel para
a qual ela foi criada?

Leopoldo Nunes - Acho que de alguma forma sim. O mais positivo de
tudo é em relação à produção nacional de audiovisual. Porque a mídia
comercial e a televisão aberta sempre estiveram alijadas de todo o
processo de produção audiovisual brasileira. A TV aberta no Brasil se
constitui como uma TV de qualidade basicamente nos anos 1960 com a TV
Globo, que numa aliança com a ditadura militar e num acordo com o
grupo Time Life cria uma grande empresa de comunicação. Foi ali que
se criou uma referência, um padrão de televisão brasileira. Tudo o
que se faz em televisão brasileira hoje é derivado ou imitação
daquilo que foi a Rede Globo, principalmente no modelo de negócio.
Por exemplo, o cinema brasileiro foi substituído pela
teledramaturgia. A teledramaturgia é uma produção de baixíssima
qualidade, mas de grande interesse popular. Vende xampu, exporta seus
produtos para o mundo. As pessoas ouvem como se fosse rádio, ela vem
da matriz cubana da radio novela. Mas mesmo assim é uma coi!
sa de qualidade.
No jornalismo é a mesma coisa. Tivemos experiências como o Última
Hora, mas de qualquer forma a matriz é a mesma. É o padrão Rede
Globo. Então, quando se cria a TV Brasil, vê-se a aspiração da
criação de um modelo de negócio e de um modelo de produção de
conteúdo para compor essa televisão. Por exemplo, em relação à
programação infantil. Nós temos uma animação no Brasil de altíssima
qualidade. Por exemplo, 20% do (filme) "Asterix" foi feito em Águas
de Lindóia, o diretor de "A Era do Gelo" é brasileiro, exportamos mão-
de-obra da mais alta qualidade para fazer isso. No entanto, a
televisão brasileira nunca absorveu a animação brasileira.
Quer outro exemplo? O Maurício de Souza tem uma das maiores
famílias de personagens de animação do mundo. E comparado com a Walt
Disney seus personagens são mais politicamente corretos. Os árabes
usam, os chineses usam, enquanto não usam [os desenhos da] Disney. E
aqui no Brasil ele é pouco usado. A verdade é que a TV brasileira
está de costas para o Brasil. Bem, acontece que a Constituição
brasileira prevê nos seus artigos 221, 222 e 223, o princípio da
complementaridade entre o público, o privado e o estatal.
O privado, quer nós gostemos ou não, é o modelo que deu certo; o
estatal passou a existir com a Lei do Cabo em 1995, com as TVs
Assembléias, das Câmaras Federal e Municipal e do Senado. Já o
(modelo) público surge com a criação da EBC. A lei que cria a EBC
cria o termo público, porque até então era educativo. Todas as TVs
eram educativas. Dentre as educativas, nós temos 26 emissoras e 19
modelos jurídicos diferentes. Desses 19 modelos, temos um que é
exemplar, que é o da Fundação Padre Anchieta de São Paulo. Sai
governo, entra governo, a TV Cultura de São Paulo está aí. Ela tem um
conceito forte, uma diretoria executiva, é ligada ao governo do
Estado, tem uma produção de qualidade e exerce bem sua função. É a
mais sólida de todas as emissoras que a gente e que inclusive ajudou
e muito a criar a TV Brasil. Foi um dos berços que clamava por uma TV
pública.
Por isso, quando nasce a TV Brasil, ela vem com toda uma esperança
de se colocar no ar uma nova programação. Por exemplo, as pessoas não
conhecem a África? Então eu abri uma janela de produção africana
chamada "DOC África", que agora vai passar a se chamar "Mama África".
Toda semana passa um documentário africano. Na semana retrasada, por
acaso, entre os 10 programas de maior audiência da casa havia um
filme africano. O mesmo que acontece em relação à África, também se
dá com a América Latina, ninguém conhece. Por exemplo, você sabia que
existe uma cidade andina na Colômbia que respeita as leis incas e tem
curso de Direito, uma universidade de 600 anos e que responde a leis
incas? Pois então, criamos o Tal Como Somos que apresenta
documentários latino-americanos. Além disso, temos uma série de
programas com o Ministério da Cultura.
É este o modelo sistêmico que nós criamos na Secretaria do
Audiovisual voltado para a TV pública. Além disso, temos uma série de
programas voltados para a cidadania, desde questões de idade, de
gênero, de trânsito, de educação básica... Mas há outras coisas. Por
exemplo, nós temos 180 línguas indígenas no Brasil. Nós temos uma
diversidade lingüística maior do que a China, maior do que a Índia, e
não reconhecemos. Nós somos brancos ocidentais. Índio, para a gente,
é motivo para abate, porque ocupa uma área muito grande onde é
possível produzir "x" sacas de arroz, como no caso da Raposa Serra do
Sol. Hoje, a TV Brasil apresenta curtas-metragens indígenas. Por fim,
sempre entendemos que o público brasileiro gostava de cinema
brasileiro. E a TV Brasil está provando que gosta. Das 10 maiores
audiências da TV, semanalmente medida, quatro são de cinema
brasileiro. O povo ama cinema brasileiro.

Fórum - Você considera que a TV Brasil está fazendo um caminho de
construir esse padrão público a partir dessas iniciativas? Ou eles
ainda são incipientes e demandariam um investimento maior?

Nunes - Certamente já são caminhos irreversíveis. Nas audiências da
semana retrasada, duas delas são de América Latina, uma de África,
uma de DOC TV, quatro de cinema brasileiro. Isso está sendo medido
através do Ibope e demonstra que estamos no caminho certo. Quero ver
a TV pública brasileira deixar de exibir produção indígena sem
revelar os povos indígenas. Quero ver a TV pública sobreviver sem
exibir um documentário ou um filme de ficção africano por semana.
Isso é irreversível. Outra coisa irreversível é a produção
independente. Ela tem muito mais qualidade técnica, humana e
tecnológica do que se pode vir a ter na estrutura da TV pública ou
mesmo da TV comercial. Porque a TV é um conglomerado de "x" mil
funcionários, equipamentos de 5ª, 6ª geração e tal. Eu contrato uma
boa produção, exerço meu poder de programação e meu poder editorial e
exijo qualidade e preço. No mundo todo é assim. As TVs a cabo no
Brasil trabalham com 26 funcionários, incluindo estagiários.

Fórum - Existe uma disputa dentro da TV que a gente que está de fora
não consegue entender direito? Aliás, isso até foi matéria na
CartaCapital, os cineastas versus os jornalistas. ..

Nunes - Existem disputas e existem falsas disputas. Por exemplo, a
disputa que foi colocada na CartaCapital, jornalistas versus
cineastas, é uma falsa disputa. Agora, uma disputa real, que existe,
é o fato de nós termos um projeto que foi gestado há muitas mãos
durante décadas, que a gente acredita que são valores brasileiros da
diversidade cultural nós assinamos e lideramos a Convenção da
Diversidade Cultural , a riqueza e a qualidade da produção
independente, da informação, isso tudo é o projeto original, porque
esse projeto está escrito nos cadernos do Fórum da TV pública, e na
Carta de Brasília. Esse documento é fundante da esperança, porque nós
conseguimos fazer um pacto. Nós juntamos sindicatos de jornalistas e
outros, o FNDC, as associações de produtores independentes, governo,
órgãos de controle e fizemos um grande pacto. Ele foi traduzido em
alguns documentos, o presidente Lula lançou esse programa. Mas existe
conflito com outro programa que está send!
o desenvolvido pelos remanescentes de outras emissoras de televisão
que não tem qualquer compromisso com esse projeto a não ser dizer "eu
ajudei na Constituição de 1988". Ajudar, pode ter ajudado, mas nós
também, não é verdade?
Então, coisas que nós criamos que estão consagradas hoje como valor
da TV Brasil foram sendo apropriadas e tocadas por pessoas sem o
menor compromisso e sem a menor referência com esse movimento de
criação da TV.

Fórum - Você poderia nomear as pessoas?

Nunes - Não, não dá. Acho que tem coisas como, por exemplo, o
Conselho Curador. Qual é o papel do Conselho Curador?

Fórum - Esse Conselho Curador deveria ter sido eleito, você não acha?

Nunes - Eu acho. Sou um homem de governo e, acima de tudo, alguém que
representa um setor, um campo da cultura. Tenho uma vida muito mais
identificada a minha luta setorial no âmbito da cultura e do
audiovisual do que a um projeto político partidário, apesar das
relações políticas que tenho e que, aliás, tenho orgulho de tê-las.
Mas preciso dizer que não estou na TV Pública para servir apenas um
governo. Estou trabalhando para um projeto duradouro, para um projeto
de Estado. Por isso, não tenho o direito de não ser franco com você a
quem conheço de muito tempo e dessas tantas lutas pela democratização
das comunicações, discordo inteiramente da forma como foi constituído
esse conselho e da forma como ele vem se desmelinguindo. O Conselho
hoje mal se reúne...

Fórum - Como assim?

Nunes - Vários conselheiros pediram demissão, vários são
demissionários, o presidente (Luiz Gonzaga Belluzzo) não vai, até
porque ele hoje é presidente do Palmeiras. Sinceramente esse conselho
deveria convocar uma audiência pública, com as entidades interessadas
e legítimas que compõem todo esse rol entre o conteúdo e a
comunicação, para discutir o seu papel e os próprios rumos da TV.
Hoje uns poucos tem decidido tudo e, infelizmente, mesmo eu que sou
diretor muitas vezes não sou convidado a participar dessas decisões.

Fórum - Isso que você está dizendo é muito grave. Você está me
falando que há uma relação autoritária na TV até nos espaços de
diretoria?

Nunes - Sim, de certa forma é isso que você entendeu. Não há relação
horizontal na TV. Hoje a relação lá é completamente vertical. Quem
manda na TV é o Conselho de Administração e o ministro Franklin
Martins. Depois que o Orlando Senna, que é uma figura pública
reconhecida, e o Mario Borgneth saíram quem assumiu a diretor-geral é
uma pessoa completamente sem qualificações para o cargo. Renato, não
tenho coragem de dizer outra coisa para você. O Paulo Rufino,
responsável pela diretoria-geral, é alguém cujo trabalho, por
exemplo, absolutamente desconheço. Não posso dizer o mesmo da
diretora de Jornalismo, a Helena Chagas, com quem eu tenho uma
excelente relação.

Fórum - E a presidente, a Tereza Cruvinel?

Nunes - A Tereza Cruvinel não é uma pessoa aética, longe disso, mas
como te disse que seria franco nesta entrevista preciso dizer que
desconheço qualquer experiência dela em gestão pública. E acho que
tem feito uma falta danada a ela. A EBC é uma empresa muito completa
e acho que lhe falta experiência para tocá-la. Eu torço muito para
que tudo dê certo, porque o ano que vem é um ano eleitoral, nós vamos
seguir a partir de 1º de junho uma legislação específica, ou seja,
nós temos três meses para fazer todas as coisas e, dentre as nossas
atribuições, está a constituição de uma rede nacional.

Fórum - A crítica que você faz à Tereza é bastante específica. Você
disse que o problema é que ela não tem experiência de gestão. Esse
poderia ser um dos motivos que está levando ao atraso da constituição
da Rede Pública?

Nunes - Sem dúvida nenhuma. Por exemplo, ela
devolveu R$ 18 mi aos cofres públicos no ano passado.

Fórum - Como assim... isso não foi divulgado?

Nunes - Não. A sua categoria (jornalistas) é muito corporativa. Não
foi divulgado. Mas 18 milhões viraram pó, superávit primário.

Fórum - Qual o orçamento da TV, o que isso representaria?

Nunes - Foi em torno de R$ 300 milhões em 2008.

Fórum - Mas, por exemplo, qual era o custo da produção de rede, no
ano passado?

Nunes - Era de R$ 12 milhões. Com R$ 12 milhões, eu teria produzido
em todas as regiões do Brasil programação infantil, programação
científica, história dos rios brasileiros, estradas brasileiras,
estradas de tropeiro, turismo, tudo. Poderia ter sido feito no ano
passado e estaria estreando agora em março ou abril. Com R$ 6 mi que
sobrariam poderia ter sido feito, por exemplo, reformulação dos
programas da casa que são importantes, reconhecidos, de grande valor
público cultural e informativo. Outra coisa grave, em termos de
gestão: foi aprovado em agosto de 2007 o Plano de Cargos e Carreiras,
porque nos temos três anos para promover concursos internos, aprovado
pelo DEST, que é o departamento de estatais. Aí a presidente resolveu
interferir na negociação, e para o azar dela e nosso, veio a crise
internacional. A não ser que seja uma benevolência muito grande do
presidente Lula, tudo indica que não teremos o concurso neste ano. Ou
seja, perdemos outra oportunidade.

Fórum - Pelo tom da sua entrevista, você parece estar muito
decepcionado, você pretende ficar na TV Brasil ou está de saída?

Nunes - Eu não só pretendo ficar, como sou uma referência no setor
audiovisual, dos longas-metragistas, dos curtas-metragistas, dos
animadores, dos documentaristas. É uma responsabilidade minha ficar e
fazer o debate. E ajudar a construir a TV Pública que nós sonhamos,
que nos lutamos para criar. O que acontece é que a gente vê o tempo
passando e algumas pessoas se aproximando da TV sempre como
salvadores da pátria, mas são pessoas que nunca participaram desse
tipo de discussão. O trabalho que nós fizemos está todo aí feito,
colocado, reconhecido. Agora, tem gente que porque trabalhou na
televisão comercial fazendo programas como "Sex Shop" em Shoptime se
acha no direito de dizer que sabe mais.

Fórum - Isso é uma metáfora ou você está dizendo algo que de fato
existe?

Nunes - Não é metáfora não. Tem gente lá assim. Claro que não é uma
pessoa que participou do debate da TV pública como você participou.
Não é uma pessoa que tem alguma história pela democratização dos
meios de comunicação como eu e você temos. E tampouco quer dizer que
você seja o máximo ou que eu seja o máximo. Mas há pessoas que não
têm a menor referência, aí eu vejo um risco enorme de a TV se perder.

Fórum - O que estou entendendo é que há um grupo que não tem
compromisso público e que está se tornando majoritário na TV Brasil,
é isso?

Nunes - Talvez fosse melhor dizer que quando você entra em uma época
de crise, aparecem dois tipos de pessoas: os oportunistas e os puxa-
sacos. Isso é muito comum e está acontecendo agora na TV Brasil. E me
preocupa muito, porque este movimento é histórico da sociedade
brasileira, e eu não o vejo sendo conduzido com a responsabilidade
que ele merece. E mais: vejo a preocupação de muita gente na
Esplanada, nas bancadas parlamentares do setor progressista, nos
movimentos sociais, nas áreas setoriais e organizadas em relação a
isso. E por isso decidi que é hora de tornar esse debate público. E
escolhi fazer isso para você porque sei dos seus compromissos. E sei
que você não vai transformar isso num ataque ao projeto, mas num
debate sobre ele. Tenho um nome, uma história e por isso me cabe
colocar esse debate de forma legítima. E coloquei isso internamente
antes de ter ligar dizendo que aceitaria te dar essa entrevista que
na verdade você já havia me solicitado no final do ano p!
assado.

Fórum - E como está sendo realizado esse debate internamente?

Nunes - A presidente não gostou. Ela sugeriu que eu peça uma licença,
que eu me afaste um tempo. Ela me chamou e disse isso, o que te
parece? A coisa está ficando grave. O projeto democrático de
comunicação e de conteúdo está perdendo a luta interna. Uma luta,
aliás, que não deveria existir. Por exemplo, no ano passado por
decisões equivocadas da presidência rasgamos R$ 100 milhões em
editais. Havia a possibilidade de se conseguir para a produção
independente R$ 60 milhões de um programa chamado PEF (Programa
Especial de Fomento) em parceira coma a Ancine (Agência Nacional de
Cinema) e R$ 40 milhões que o Ministério da Cultura preparou para a
TV pública, chamado "Mais Cultura", que era destinado ao Audiovisual.
Criaram tantas dificuldades que esse dinheiro não veio. Ou seja,
rasgamos R$100 milhões. Isso poderia ter significado uma revolução na
produção audiovisual brasileira. Literalmente uma revolução. Mas ao
contrário, travou-se uma disputa de poder interno, on!
de rolou a cabeça do Orlando Senna e do Mário Borgneth.

Fórum - O Orlando saiu por causa dessa disputa?

Nunes - Sim.

Fórum - E na época você decidiu ficar...

Nunes - Para conduzir o projeto até o outro lado da margem.

Fórum - Pelo que estou entendendo a Tereza Cruvinel está pedindo que
você saia...

Nunes - Ela quer hegemonia. Ela quer fazer a TV dela, não a pública.
Infelizmente do jeito que está o projeto da TV pública não sai. O que
vai ficar aí vai ser um pastiche. Agora, é preciso dizer também que
hoje a TV pública tem uma equipe fabulosa. Eu, aliás, trabalhei como
um louco para construir essa equipe. E tirando o jornalismo, tudo que
está na TV foi essa equipe que fez. Agora, o presidente Lula não sabe
disso. Na verdade, quem entendia e defendia no governo uma TV
realmente pública era o Gilberto Gil. Porque quem fez o Fórum de TVs
Públicas foi ele. Quem quis peitar a Ancinave (Agência Nacional do
Cinema e do Audiovisual) foi o Gil. Quem quis peitar a Lei Geral de
Comunicação de Massa foi Gil. Quem deveria tocar a TV Brasil era o
Gil. Eu acho que se isso tivesse ocorrido ele teria ficado no
governo. E hoje teríamos caminhado muito mais, teríamos um projeto a
essa altura muito melhor, de altíssima qualidade.

Fórum - Você saiu da Ancine com mandato para ir pra TV pública, hoje
você considera que errou?

Nunes - Abri mão de um mandato eleito pelo Senado em comissão e em
plenário. Meu mandato iria até dezembro de 2010. Mas de forma nenhuma
me arrependo de ter tomado essa decisão. Eu contribuí demais com a TV
Pública e quero continuar contribuindo.
Não vou tirar a licença sugerida, minha intenção é continuar na TV
e com esse debate público redirecionar seus rumos. Agora, se a
presidente quiser me demitir ela pode fazê-lo. Mas não deixarei de
fazer o debate por conta disso. Já disseram antes, né? Mas não custa
repetir. Sou o mesmo no planalto e na planície. Eu precisava tornar
público esse debate. E espero que a presidente da TV tenha
tranqüilidade para realizá-lo. Não podemos nos amesquinhar, o que
estamos construindo é muito maior. É algo que não pode ficar restrito
a fulanizações, a disputas de poder.

Fórum - Mas pelo jeito há uma grande diferença de projetos, é
possível trabalhar juntos?

Nunes - Sim, com republicanismo e legalidade. Em lei, há marco legal,
que define competências. República é um pacto.

Fórum - Sinceramente, Leopoldo, qual o seu objetivo ao trazer esse
debate a público neste momento?

Nunes - Nós estamos no mês quatro de 2009 e pela lei só temos até
junho de 2010 para tocar as coisas. Depois termina o mandato do
presidente Lula. E em TV é tudo demorado, não dá pra decidir hoje e
fazer amanhã. O que eu quero com essa entrevista é chamar a atenção
das pessoas que são co-responsáveis pela criação desse projeto, um
projeto que não tem dono, um projeto público, para os riscos que ele
está correndo. Nós temos algumas agendas importantes nesse ano, vai
ter uma Conferência Nacional de Comunicação, nós temos conferência da
CUT, uma série de preparatórias e acho que a TV pública deve ser o
centro de tudo. Eu quero chamar a atenção do movimento social para
lutar pela TV Pública, pelo projeto original dela.

Fórum - Ou seja, na tua opinião esse projeto de TV pública está sob
alto risco?

Nunes - Acho que sim. Se um outro setor político vier a ganhar a
próxima eleição ele fecha a TV pública com certa tranqüilidade. A
atual direção não está conseguindo consolidá-la por uma certa
incompetência na gestão. E não estou dizendo que é fácil. Não é. Mas
poderíamos estar num outro patamar.

Fórum - Mas sinceramente, não me parece que basta apenas trocar a
condução.

Nunes - Não, você tem razão. É preciso discutir e gerar um novo
modelo de negócio. Esse modelo tem que distribuir recursos para a
sociedade. E a sociedade precisa em contrapartida produzir com
qualidade. Sem demanda interna, você não faz economia. E para que
isso se implemente o Conselho é fundamental. Esse Conselho foi feita
de uma forma muito esquisita. Por isso, está esvaziado e não tem
poder. Por isso, acho que entidades como o Sindicato dos Jornalistas
e o FNDC deveriam ir pra cima, exigindo uma audiência pública para
que se institua o controle social devido na TV Pública. Esse projeto
não é de um governo, não é de um grupo, esse projeto é da sociedade.
Então ele tem que ser para todos.

Fórum - Vou insistir, esse não é uma entrevista de quem está se
despedindo do projeto. Você não sai da TV pública?

Nunes - Não saio. Só se me saírem (risos). Sou legítimo, sou
orgânico, sou de governo, sou da base que deu origem a criação dessa
TV. Não quero dizer com isso que quem vem de uma empresa "x" ou "y"
também não mereça respeito. Claro que merece. Mas precisa respeitar
os outros também. A respeitar as outras experiências e histórias.

Fórum - O conflito é entre os oriundos da TV comercial e dos que
tinham relação com o Ministério da Cultura?

Nunes - Não necessariamente. Eu e a Helena Chagas temos uma
excelente relação. Ela foi gestora, ela tem experiência de gestão. E
nós temos uma relação extremamente respeitosa.

Fórum - E essa relação não existe com a Cruvinel?

Nunes - Sinceramente, de certa forma não. A Tereza vem trazendo, por
exemplo, consultores e colocando-os acima dos diretores. Está dando a
esses consultores poderes maiores do que aos diretores da EBC. Isso
se deve a um erro de origem na constituição da empresa. O Brasil tem
117 empresas na União e a TV Brasil é a única onde um presidente da
empresa pode nomear diretor, ou seja, onde isso não é atribuição do
presidente da República. Tenho receio de que depois do presidente
Lula ter tomado a iniciativa de bancar a criação dessa televisão e
passar a sua constituição por medida provisória por diferença de
apenas três votos no Senado ela venha a se tornar um mico. Porque ela
já poderia estar numa velocidade muito maior. Nós poderíamos hoje
estar assistindo uma TV pública de alta qualidade. E ainda não estamos.

Fórum - Por quê?

Nunes - Ineficiência de gestão.

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