quinta-feira, 2 de julho de 2009

Fundação Ford pensa que engana

Pregando a "livre circulação de informação" para os monopólios de mídia,
a Fundação Ford tenta se imiscuir na Conferência Nacional de
Comunicação, que acontecerá nos dias 1, 2 e 3 de dezembro em Brasília,
inclusive ofertando recursos para a Comissão Pró-Conferência. O que a
Fundação Ford pretende, mostra o jornalista Mário Jakobskind no artigo
abaixo, é um novo `marco regulatório´ para a área midiática, sem as
restrições, constantes da lei atual, à entrada dos mastodontes externos
do setor

MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND*

A Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), marcada para os dias
1, 2 e 3 de dezembro, em Brasília, está sob ameaça. Em vez de se tornar
um marco histórico na Í rea midiática, como ainda esperam os movimentos
sociais, poderá se transformar numa arena dominada por forças que
defendem interesses econômicos poderosos. De um lado os grandes
proprietários de veículos de comunicação agrupados na Associação
Nacional de Jornais (ANJ) e na Associação Brasileira de Empresas de
Rádio e TV, do outro a Fundação Ford (FF), que dissimulada procura de
todas as formas estar presente inclusive ofertando verba para a Comissão
Pro-Conferência, integrada por diversas entidades que vinham já há
tempos conclamando pela realização do evento. Pior, dinheiro aceito de
bom grado, mas não por unanimidade como em outras questões, por
entidades representativas dos movimentos sociais.
E como se deu o avanço da FF na Confecom? Quando o governo federal
decidiu reduzir em sete milhões o orçamento da Conferencia, a FF não
perdeu tempo e ofereceu "generosamente‍ , por enquanto, 68 mil reais para
a comissão organizadora.
Nos bastidores, grupos e representantes de ONGs vinham defendendo e
justificando a "generosidade" da FF em financiamentos de entidades. Até
mesmo alguns veteranos destacados militantes na área de comunicação
vinham considerando a FF como uma espécie de "nova entidade", ou seja,
diferente da que atuava no período da Guerra Fria. Como num passe de
mágica, representantes de entidades financiadas pela Fundação a
apresentavam como se ela nada tivesse a ver com o passado recente em que
atuava em conjunto com a CIA, conforme comprova investigação do
Congresso estadunidense.
Os mais radicais ingênuos defensores da FF chegaram a afirmar que ela só
manteve o nome antigo porque a mudança seria problemática e poderia até
obrigá-la a sair do zero, o que acarretaria um atraso em suas atividades.
Como se isso não bastasse, e ntusiastas da "generosidade da nova Ford"
garantem que ao financiar algumas entidades, a FF não exige nenhuma
contrapartida, a não ser a prestação de contas dos gastos para os quais
o dinheiro foi liberado. Tal afirmação não resiste a uma leitura mais
apurada.
Neste momento, o interesse da FF na Confecom, ao contrário do que dizem
os defensores da Fundação, tem um objetivo institucional
pré-determinado, qual seja o de promover os valores dos Estados Unidos
através da "livre circulação da informação". A FF se coloca como
defensora incondicional dos "valores democráticos" e, como afirma em sua
página na Internet, tem por objetivo "levar a democracia ao mundo", algo
muito parecido com a filosofia colonialista do Ocidente no século XIX
que dizia que tinha como missão "levar a civilização aos povos tribais
africanos".
E com essa filosofia, no caso específic o da Confecom, a FF pretende que
em um novo marco regulatório da área midiática seja permitida a entrada
sem restrições dos gigantes internacionais do setor. Democracia para a
FF é isso. A FF, que nunca em sua história deixou de pregar prego sem
estopa, tenta assim possibilitar liberdade total para que empresários
como Rupert Murdoch com a sua Fox News e outros barões internacionais da
mídia, como Rupert Murdoch, tenham garantida por lei a atuação sem
limites no Brasil. Mas essa filosofia precisar ficar dissimulada, pois
se mostrasse o verdadeiro objetivo a Fundação não conseguiria
arregimentar defensores. Como em outros tempos a FF estava com a imagem
queimada, para se tornar mais palatável decidiu adotar outro tipo de
estratégia, aproximando-se inclusive de entidades e ONGs com discursos
progressistas. Nesse sentido, ela encontrou um caldo de cultura bastante
fértil numa certa e squerda fascinada pelo neoliberalismo.
No caso da Conferência Nacional de Comunicação, embora possa não ser
percebido por muitos militantes bem intencionados, o pano de fundo da FF
é mesmo a redução do Estado e facilidades para a "livre concorrência"
dos gigantes oligopólios internacionais. Se conseguirem, no panorama
midiático do Brasil ficará ainda mais forte o esquema do pensamento
único. E o País remará contra a corrente na América Latina, onde em
outros países o Estado tem sido o principal propulsor do fortalecimento
da mídia pública.
Por estas e muitas outras, é preciso que por aqui os movimentos sociais
rediscutam a questão e se mobilizem intensamente no sentido de evitar
que os barões midiáticos nacionais e internacionais se tornem os
proprietários eternos dos espaços midiáticos. E afastar os tentáculos da
Fundação Ford, até porque não tem sentido uma conferÍ ncia que discutirá
e deliberará sobre a mídia no Brasil tenha verbas de entidades
estrangeiras. O Poder Público não pode se ausentar e diminuir o
orçamento destinado à Confecom.
Mário Augusto Jakobskind é jornalista e escritor. Foi colaborador dos
jornais alternativos Pasquim e Versus, repórter da Folha de S. Paulo
(1975 a 1981) e correspondente da Rádio Centenária de Montevideo, além
de editor de Internacional da Tribuna da Imprensa (1989 a 2004) e editor
em português da revista cubana Prisma (1988 a 1989). Atualmente é
correspondente do semanário uruguaio Brecha e membro do conselho
editorial do Brasil de Fato. É autor, entre outros, dos livros América
Que Não Está na Mídia (Adia, 2006), Dossiê Tim Lopes - Fantástico/Ibope
(Europa, 2004), A Hora do Terceiro Mundo (Achiamê, 1982), América Latina
- Histórias de Dominação e Libertação (Papirus, 1985) e Cuba - apesar do
bloqueio, um repórter carioca em Cuba (Ato Editorial, 1986).

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