segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Relator tenta legalizar tomada da Net pela Telmex e da TVA pela Telefónica


PL 29 inventa canais para múltis exibirem seus “filmes nacionais”

Substitutivo prevê o extraordinário tempo de meia hora por dia para a programação nacional

Na quarta-feira, o deputado Paulo Henrique Lustosa apresentou seu relatório sobre o Projeto de Lei 29 (PL 29), referente à TV por assinatura, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara. A versão de Lustosa do PL 29 tem a vantagem de ser clara, sem precisar disfarçar a entrega da TV paga a monopólios estrangeiros com terminologias exóticas e fraseados rococós. Está logo na segunda frase do seu voto:
Dentre as causas para a baixa penetração do serviço que podem ser creditadas ao Poder Público estão a elevada carga tributária, a legislação defasada e a restrição ao capital estrangeiro na prestação de TV a cabo”.

A “penetração” da TV por assinatura atinge apenas 8% dos domicílios brasileiros porque o preço é extorsivo. O próprio deputado refere que na Argentina a TV por assinatura chega a 54% dos domicílios – mas seu preço é sete vezes menor do que no Brasil (pág. 34 do relatório).
O que tem isso a ver com as restrições ao capital estrangeiro (que pela lei brasileira atual pode controlar no máximo 49% do capital votante das empresas de TV a cabo)?
Nada. Até porque, ao contrário da Argentina, a TV por assinatura no Brasil, ainda que ilegalmente, já é controlada pelo capital estrangeiro - e nem por isso os preços baixaram.

CONTROLE

Não é segredo que a Net, desde 2004, pertence à Telmex/AT&T. Que a TVA, desde 2007, é controlada pela Telefónica. Que a Sky/DirecTV é do australiano-anglo-americano Rupert Murdoch. No Brasil, o que não falta na TV por assinatura é controle estrangeiro. A trampa acionária pela qual a Globo passou a Net para a Telmex e aquela com que a Abril passou a TVA para a Telefónica são tão públicas que a mídia, e até relatórios de desavisadas conselheiras da Anatel, repetem rotineiramente que a Net é da Telmex e a TVA é da Telefónica, sem que haja um protesto nem da Globo, nem da Abril, muito menos da Telmex ou da Telefónica – apesar de que, pela lei, alguém deveria estar na cadeia.
Evidentemente, o deputado não está supondo que sejam os argentinos que virão baratear a TV paga no Brasil. Porém, pelo menos lá a TV por assinatura é mais em conta. Os monopólios dos EUA (país onde a TV a cabo existe desde 1949), por exemplo, não baixaram o preço da TV por assinatura nem para os americanos. Em 60 anos, a TV paga atingiu 58,4% dos domicílios dos EUA, o que é sofrível para seis décadas, e 62% dos usuários declararam, no último levantamento, que os preços são extorsivos e a programação é indigente. A participação estrangeira nas empresas de TV por assinatura nos EUA é limitada a 49% - e, mesmo assim, com uma série de outras restrições (cf. FCC, Adoption of an Declaratory Ruling on Section 310(b)(4) Waivers, December 10, 2004). Esperamos que o deputado não venha argumentar que, para baixar os preços, os EUA deveriam entregar a TV por assinatura aos japoneses.
Em suma, a questão é: por que os monopólios externos de comunicação iriam providenciar preços mais baratos num país que não é o seu? Por que a TV paga em mãos estrangeiras, ávidas de remeter lucros para fora, seria mais barata do que em mãos nacionais?
Naturalmente, toda a digressão do deputado sobre preços e “penetração” não é séria. O substitutivo ao PL 29, assim como os anteriores, não tem por objetivo baixar preço algum – apenas, quer legalizar um delito, aliás, dois: o controle da Telmex sobre a Net e da Telefónica sobre a TVA. Para proceder a isso, recorre a uma manipulação já conhecida desde o substitutivo do deputado Bittar.
É mais do que justo que o conteúdo nacional, a programação nacional, o filme nacional, tenha cotas na televisão. Caso contrário, os monopólios de televisão, inclusive os internos, continuarão despejando um medíocre enlatado americano atrás do outro na casa dos telespectadores. O relatório do deputado, aliás, tem o mérito de mostrar sucintamente a situação “... [no] primeiro semestre de 2007 (….), enquanto as operadoras nacionais registraram 29 filmes de longa metragem, as estrangeiras consignaram 3.474 produções (….). Na televisão aberta, longas nacionais representaram 5% do total de filmes exibidos em 2006, e as séries, pouco mais de 25%. (….) no primeiro semestre de 2007, na televisão paga, de 10 canais de filmes, em 3 não houve veiculação de obras nacionais e nos outros 7 o conteúdo nacional foi inferior a 2% do total de filmes exibidos” (pág. 38).
Portanto, as cotas são mais do que necessárias, ou a televisão brasileira – aberta e paga – continuará sendo um privilégio de estrangeiros e uma cidade proibida para os brasileiros, exceto para entupirem seus cérebros com o que há de pior na produção norte-americana.
Mas não há nada de justo em manipular essas cotas para engrupir os incautos, colocando-as como uma cenoura na frente dos olhos de outrem, enquanto se está legalizando um crime.
Não é outra coisa a “cota de canal” que pretende obrigar os canais “dirigidos a brasileiros” a ocupar com programação nacional o impressionante, o fantástico, o extraordinário tempo de três horas e meia por semana – isto é, meia hora por dia - no seu “espaço qualificado” (aquele que exclui “conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos eletrônicos, conteúdos jornalísticos, programas de variedades e de auditório”).
Por que a cota para a produção do país teria que ser de meia hora por dia na televisão do próprio país? O leitor convirá que não exageramos: isso não é uma cota, mas uma cenoura.

A outra cota do substitutivo, a “cota de pacote”, parece mais interessante. Ela estabelece que “pelo menos um terço dos canais de espaço qualificado que compõem o pacote [de canais oferecidos ao assinante] deverão ser brasileiros. (….) um terço deverá ser programado por programadora independente”. Essa cota vai até o “máximo de 12 canais brasileiros, independentemente do tamanho do pacote”.
Parece até muito bom. No entanto, por que as empresas estrangeiras não estão protestando, em nome, claro, da liberdade de saturarem o cidadão com seus enlatados, como sempre fizeram?
Acontece que o artigo 3º da Lei do Audiovisual concedeu isenção fiscal “às distribuidoras estrangeiras para entrarem na produção de filmes nacionais”. A Warner, Disney, NBC Universal, Viacom (Paramount, Dreamworks), Sony (Columbia Tri-Star, Metro-Goldwyn-Mayer e United Artists) e Fox “graças ao Minc e à Ancine estão podendo, desde 2005, produzir filmes brasileiros a custo zero para ocupar o espaço que a lei reserva à exibição obrigatória de filmes nacionais”. Trata-se de uma nova modalidade de produção “nacional”, em que filmes “nacionais” são produzidos “por estrangeiros, com o nosso dinheiro” (HP, 23/10/2009, Observações do presidente Lula sobre o “tchó cultural”, página 8).
Portanto – e o PL 29 estabelece que, se for aprovado, as cotas só serão estabelecidas plenamente dois anos depois – as multinacionais poderão abrir canais para passar os “filmes nacionais” que elas mesmos estão produzindo sem gastar centavo, usando o nosso dinheiro. Significativamente, o substitutivo também estabelece que “4 anos após a promulgação, pelo menos a metade dos conteúdos veiculados deverá ter sido produzida há menos de 7 (sete) anos”.
CARLOS LOPES

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