PL 29 inventa canais para múltis exibirem seus “filmes nacionais”
Substitutivo prevê o extraordinário tempo de meia hora por dia para a programação nacional
Na
quarta-feira, o deputado Paulo Henrique Lustosa apresentou seu
relatório sobre o Projeto de Lei 29 (PL 29), referente à TV por
assinatura, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara. A versão de
Lustosa do PL 29 tem a vantagem de ser clara, sem precisar disfarçar a
entrega da TV paga a monopólios estrangeiros com terminologias exóticas
e fraseados rococós. Está logo na segunda frase do seu voto:
“Dentre as causas para a baixa penetração do serviço que podem ser creditadas ao Poder Público estão a elevada carga tributária, a legislação defasada e a restrição ao capital estrangeiro na prestação de TV a cabo”.
“Dentre as causas para a baixa penetração do serviço que podem ser creditadas ao Poder Público estão a elevada carga tributária, a legislação defasada e a restrição ao capital estrangeiro na prestação de TV a cabo”.
A
“penetração” da TV por assinatura atinge apenas 8% dos domicílios
brasileiros porque o preço é extorsivo. O próprio deputado refere que
na Argentina a TV por assinatura chega a 54% dos domicílios – mas seu
preço é sete vezes menor do que no Brasil (pág. 34 do relatório).
O
que tem isso a ver com as restrições ao capital estrangeiro (que pela
lei brasileira atual pode controlar no máximo 49% do capital votante
das empresas de TV a cabo)?
Nada.
Até porque, ao contrário da Argentina, a TV por assinatura no Brasil,
ainda que ilegalmente, já é controlada pelo capital estrangeiro - e nem
por isso os preços baixaram.
CONTROLE
Não
é segredo que a Net, desde 2004, pertence à Telmex/AT&T. Que a TVA,
desde 2007, é controlada pela Telefónica. Que a Sky/DirecTV é do
australiano-anglo-americano Rupert Murdoch. No Brasil, o que não falta
na TV por assinatura é controle estrangeiro. A trampa acionária pela
qual a Globo passou a Net para a Telmex e aquela com que a Abril passou
a TVA para a Telefónica são tão públicas que a mídia, e até relatórios
de desavisadas conselheiras da Anatel, repetem rotineiramente que a Net
é da Telmex e a TVA é da Telefónica, sem que haja um protesto nem da
Globo, nem da Abril, muito menos da Telmex ou da Telefónica – apesar de
que, pela lei, alguém deveria estar na cadeia.
Evidentemente,
o deputado não está supondo que sejam os argentinos que virão baratear
a TV paga no Brasil. Porém, pelo menos lá a TV por assinatura é mais em
conta. Os monopólios dos EUA (país onde a TV a cabo existe desde 1949),
por exemplo, não baixaram o preço da TV por assinatura nem para os
americanos. Em 60 anos, a TV paga atingiu 58,4% dos domicílios dos EUA,
o que é sofrível para seis décadas, e 62% dos usuários declararam, no
último levantamento, que os preços são extorsivos e a programação é
indigente. A participação estrangeira nas empresas de TV por assinatura
nos EUA é limitada a 49% - e, mesmo assim, com uma série de outras
restrições (cf. FCC, Adoption of an Declaratory Ruling on Section 310(b)(4) Waivers,
December 10, 2004). Esperamos que o deputado não venha argumentar que,
para baixar os preços, os EUA deveriam entregar a TV por assinatura aos
japoneses.
Em
suma, a questão é: por que os monopólios externos de comunicação iriam
providenciar preços mais baratos num país que não é o seu? Por que a TV
paga em mãos estrangeiras, ávidas de remeter lucros para fora, seria
mais barata do que em mãos nacionais?
Naturalmente,
toda a digressão do deputado sobre preços e “penetração” não é séria. O
substitutivo ao PL 29, assim como os anteriores, não tem por objetivo
baixar preço algum – apenas, quer legalizar um delito, aliás, dois: o
controle da Telmex sobre a Net e da Telefónica sobre a TVA. Para
proceder a isso, recorre a uma manipulação já conhecida desde o
substitutivo do deputado Bittar.
É
mais do que justo que o conteúdo nacional, a programação nacional, o
filme nacional, tenha cotas na televisão. Caso contrário, os monopólios
de televisão, inclusive os internos, continuarão despejando um medíocre
enlatado americano atrás do outro na casa dos telespectadores. O
relatório do deputado, aliás, tem o mérito de mostrar sucintamente a
situação “... [no] primeiro semestre de 2007 (….), enquanto
as operadoras nacionais registraram 29 filmes de longa metragem, as
estrangeiras consignaram 3.474 produções (….). Na televisão aberta,
longas nacionais representaram 5% do total de filmes exibidos em 2006,
e as séries, pouco mais de 25%. (….) no primeiro semestre de 2007, na
televisão paga, de 10 canais de filmes, em 3 não houve veiculação de
obras nacionais e nos outros 7 o conteúdo nacional foi inferior a 2% do
total de filmes exibidos” (pág. 38).
Portanto,
as cotas são mais do que necessárias, ou a televisão brasileira –
aberta e paga – continuará sendo um privilégio de estrangeiros e uma
cidade proibida para os brasileiros, exceto para entupirem seus
cérebros com o que há de pior na produção norte-americana.
Mas
não há nada de justo em manipular essas cotas para engrupir os
incautos, colocando-as como uma cenoura na frente dos olhos de outrem,
enquanto se está legalizando um crime.
Não
é outra coisa a “cota de canal” que pretende obrigar os canais
“dirigidos a brasileiros” a ocupar com programação nacional o
impressionante, o fantástico, o extraordinário tempo de três horas e meia por semana – isto é, meia hora por dia - no seu “espaço qualificado” (aquele que exclui “conteúdos
religiosos ou políticos, manifestações e eventos esportivos, concursos,
publicidade, televendas, infomerciais, jogos eletrônicos, conteúdos
jornalísticos, programas de variedades e de auditório”).
Por que a cota para a produção do país teria que ser de meia hora por dia na televisão do próprio país? O leitor convirá que não exageramos: isso não é uma cota, mas uma cenoura.
Por que a cota para a produção do país teria que ser de meia hora por dia na televisão do próprio país? O leitor convirá que não exageramos: isso não é uma cota, mas uma cenoura.
A outra cota do substitutivo, a “cota de pacote”, parece mais interessante. Ela estabelece que “pelo menos um terço dos canais de espaço qualificado que compõem o pacote [de canais oferecidos ao assinante] deverão
ser brasileiros. (….) um terço deverá ser programado por programadora
independente”. Essa cota vai até o “máximo de 12 canais brasileiros,
independentemente do tamanho do pacote”.
Parece
até muito bom. No entanto, por que as empresas estrangeiras não estão
protestando, em nome, claro, da liberdade de saturarem o cidadão com
seus enlatados, como sempre fizeram?
Acontece que o artigo 3º da Lei do Audiovisual concedeu isenção fiscal “às distribuidoras estrangeiras para entrarem na produção de filmes nacionais”.
A Warner, Disney, NBC Universal, Viacom (Paramount, Dreamworks), Sony
(Columbia Tri-Star, Metro-Goldwyn-Mayer e United Artists) e Fox “graças
ao Minc e à Ancine estão podendo, desde 2005, produzir filmes
brasileiros a custo zero para ocupar o espaço que a lei reserva à
exibição obrigatória de filmes nacionais”. Trata-se de uma nova modalidade de produção “nacional”, em que filmes “nacionais” são produzidos “por estrangeiros, com o nosso dinheiro” (HP, 23/10/2009, Observações do presidente Lula sobre o “tchó cultural”, página 8).
Portanto
– e o PL 29 estabelece que, se for aprovado, as cotas só serão
estabelecidas plenamente dois anos depois – as multinacionais poderão
abrir canais para passar os “filmes nacionais” que elas mesmos estão
produzindo sem gastar centavo, usando o nosso dinheiro.
Significativamente, o substitutivo também estabelece que “4 anos após a promulgação, pelo menos a metade dos conteúdos veiculados deverá ter sido produzida há menos de 7 (sete) anos”.
CARLOS LOPES
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