Rayder Bragon
Especial para o UOL Notícias
Em Belo
Horizonte
“Eu só saio daqui quando olhar para a cor do
dinheiro”. A declaração é do pedreiro Alcimino Peres da Silva, 74, um dos
moradores da Vila São José, região noroeste de Belo Horizonte. O local é palco
de intervenções previstas no programa “Vila Viva”, executado pela prefeitura da
capital mineira no local desde o final de 2007, e que foi encampado pelo PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento) do governo
federal.
Silva se recusa a deixar a casa, avaliada em
R$ 42 mil por peritos da prefeitura e onde mora há 33 anos, sob alegação de não
ter recebido o dinheiro da desapropriação que, segundo ele, foi prometido há
cinco meses. A casa onde vive está cercada por escombros de construções vizinhas
que já foram demolidas pelo órgão.
Alcimino Peres da Silva, 74,
nos fundos do imóvel de onde não pretende ‘arredar pé’ enquanto “não olhar a cor
do dinheiro”. No entorno, escombros de casas já demolidas na Vila São
José
Além de não concordar com o valor da
expropriação fixado pela prefeitura (queria ao menos R$ 60 mil,) Silva reclama
do atraso no pagamento, da sujeira e do risco de doenças causada pela obra. “A
minha mulher está internada por causa de uma pneumonia que pegou depois do
poeirão que isso aqui se tornou”, disse.
Ao olhar em volta, ele se depara com um enorme
canteiro de obras, mas finca o pé e diz não sair enquanto não for atendido nas
suas reivindicações. “Eu quero o dinheiro na minha mão, porque vi muitos
vizinhos acreditarem na palavra da prefeitura, deixarem derrubar as casas e
depois passarem aperto por não receber o dinheiro e não ter onde ficar com a
família”, explicou.
Outra preocupação dele é em relação à correção
monetária do valor fixado pela prefeitura. “Eles falaram que iriam me pagar R$
42 mil, mas isso foi há muito tempo. Será que eles vão corrigir esse dinheiro na
hora de me pagar?”, questionou.
Na mesma situação estão cerca de 150 famílias
da região e de parte dos bairros Jardim Alvorada, Alípio de Melo e Jardim
Montanhês, diz o presidente da associação dos moradores do bairro Jardim
Alvorada, Sílvio César Camargo.
“A prefeitura mandou sair das casas para
depois pagar. A maioria dos acordos (de desapropriação) foi fechada em janeiro
deste ano. A promessa era que o pagamento sairia com 30 e, no máximo, 60 dias.
Nós temos pessoas que estão há nove meses esperando. A prefeitura não nos dá
satisfação alguma. Eles não dão informação se o pagamento vai sair este ano
ainda ou se no ano que vem”, acusou.
No local, prédios estão sendo construídos. Até
agora, 496 apartamentos foram entregues a moradores da região que optaram por
trocar as moradias pelas unidades.
Nesta sexta-feira (6), a prefeitura anunciou a
conclusão de mais 208 apartamentos. Além disso, o projeto ainda prevê a
canalização do córrego que passa no local e a ligação entre duas importantes
vias de escoamento de trânsito na região.
Um dos impasses, segundo o presidente da
associação, é que muitas famílias optaram pela indenização por não concordarem
em morar nos apartamentos, que segundo ele, não comportam famílias numerosas.
“Aqui tem gente que mora em um mesmo lote com pelo menos mais seis famílias, que
são os filhos casados, netos e parentes”, relatou.
O técnico em refrigeração Ronaldo
Correa Miranda, 41, destelhou a casa onde mora e agora convive
com goteiras e infiltrações na laje. Na área, a prefeitura promete construir
complexo viário que ligará dois importantes corredores de tráfego na
capital
Para ilustrar a situação vivida pela
comunidade, ele retrata casos de pessoas que tiveram prejuízo ao darem dinheiro
como sinal em compra de outro imóvel, mas perderam-no por não conseguirem arcar
com o restante do valor.
“As pessoas, de boa-fé, acreditaram na palavra
dos agentes da prefeitura e deram continuidade ao processo. Começaram, depois
que eles (agentes da prefeitura) autorizaram, a derrubar por conta própria as
casas para aproveitar o material (portas, janelas e marcos). Mas elas foram
ludibriadas, porque o dinheiro não chegou a tempo, o que gerou a quebra de
contrato e elas perderam dinheiro e os negócios foram desfeitos. Outros estão
deixando de comer para pagar aluguel”, contou.
De acordo com Camargo, a prefeitura foi
procurada para se manifestar sobre os prejuízos, mas não houve
resposta.
Um grupo, representando os moradores, foi
recebido na última quarta-feira (4) pelo procurador-geral de Justiça do
Ministério Público Estadual, Alceu Torres Marques, que prometeu estudar o
caso.
O técnico em refrigeração Ronaldo
Correa Miranda, 41, destelhou sua casa para aproveitar o
material. Ele é morador da rua Flor de Pau, bairro Jardim Montanhês, cuja casa
será demolida para implementação de um complexo viário.
“Agora, diante da situação de alguns vizinhos,
que não receberam dinheiro, eu não saio daqui”, prometeu Miranda, apesar de a
ausência da cobertura ter causado inúmeras goteiras e infiltrações na laje do
imóvel durante as últimas chuvas.
Morador do bairro Jardim Montanhês, Vital de
Souza, 62, tinha uma mercearia e dois barracões de aluguel. “Eu estou numa
situação difícil porque não tenho mais a renda do meu comércio nem dos meus
barracões”, lamentou.
Vital de Souza, 62, em um dos
cômodos sem teto da casa que habitava. Afirma que começou a demolir o local por
conta própria após consentimento da prefeitura, mas se
arrependeu
Ele conta que, ao ser notificado pela
prefeitura, assinou termo de desapropriação em 17 de agosto deste ano e fechou a
compra de outro imóvel para se transferir com a família. A promessa, conforme
seu relato, era o dinheiro na conta em 30 dias.
“Eu fiquei numa situação terrível. Atualmente,
eu pago juros de R$ 1.600 à proprietária do imóvel que eu comprei, porque senão
perco o negócio e o dinheiro que dei de sinal”, afirmou Souza, que disse
sobreviver atualmente apenas com a aposentadoria de R$ 900. Por conta própria,
ele começou a derrubar a construção que habitava. Disse ter se
arrependido.
Contratos “leoninos”
Para Marcelo Ribeiro Nicoliello, defensor
público de Minas Gerais e que acompanha casos de desapropriações em vilas e
favelas de Belo Horizonte, os contratos firmados entre a prefeitura e os
moradores dessas áreas expropriadas são “leoninos”
(dolosos).
“Os termos de acordo são leoninos. Em relação
àqueles feitos com moradores de áreas de favelas, há uma violação ao artigo 5º
da Constituição, que determina a indenização prévia. Ou seja, o município tem de
efetuar o pagamento antes da desocupação para permitir ao cidadão a escolha de
um outro imóvel e tratar da negociação com tempo para que não haja o risco de um
péssimo negócio”, alertou.
Em áreas fora das favelas, o defensor também
disse enxergar problemas. “Apesar de o contrato, nesses casos, prever a
demolição apenas após o pagamento, há a ausência de previsão de correção
monetária em caso de atraso do pagamento. Nós estamos constatando atualmente um
atraso superior a 90 dias nos pagamentos das indenizações, porém, sem nenhum
reajuste”, salientou.
Nicoliello ressalta que a falta de pagamento
implica uma situação de “vulnerabilidade” aos afetados. “O vendedor de um imóvel
não vai ficar esperando indefinidamente para receber o dinheiro. Assim, o
comprador, que não tem recurso para quitar a compra, fica numa situação
vulnerável e passível de prejuízos significativos”,
argumentou.
Uma situação de risco apontada pelo defensor
público é a demolição parcial de casas, o que ensejaria acúmulo de destroços,
além de os escombros servirem para abrigo de usuários de
drogas.
“Nós constatamos que existem vários imóveis
demolidos apenas parcialmente. O que permite o abrigo de vetores de doenças,
além de abrigar a prática de atos ilícitos, como consumo de drogas. Eu recebo
relatos de pessoas que viram esqueletos de casas vizinhas se transformarem em
motéis”, frisou.
Imóvel semidemolido na Vila
São José, em
Belo Horizonte. Segundo o defensor público de Minas Gerais
Marcelo Ribeiro Nicoliello, o local pode ser vetor de doenças por causa do lixo
e entulho, além de servir para consumo de drogas e até virar
“motel”
Ele aconselha as pessoas que ainda não
assinaram termos de desapropriação, e que se sintam inseguras em fazê-lo, a
procurar um advogado especialista no assunto ou a Defensoria Pública do Estado
de Minas Gerais. “Eu ainda não recebi da prefeitura nenhuma justificativa em
relação a essas violações dos direitos humanos”, finaliza o
defensor.
Prefeitura admite atraso nos pagamentos, mas
garante cumprimento do cronograma
Apesar de afirmar que os recursos oriundos do
PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) estão sendo repassados em dia, a
Prefeitura de Belo Horizonte, por meio de nota, admitiu que entre os pagamentos
das desapropriações e remoções “existem algumas pendências que estão sendo
regularizadas gradativamente”.
Ainda de acordo com a nota, o órgão nega que
tenha pressionado os moradores a saírem antes de receber as indenizações. E que
as demolições ocorrem somente após o pagamento da desapropriação, cujos valores
são de inteira responsabilidade da prefeitura em efetuá-los. Conforme o
documento, houve queda na arrecadação em 2009, o que gerou os atrasos. No
entanto, o órgão afirma que as intervenções “transcorrem dentro do
cronograma”.
A obra está orçada em R$ 115 milhões e foi a
primeira gerida com recursos do PAC em Belo Horizonte. A
prefeitura comprometeu-se com a contrapartida de R$ 11,5 milhões. Ao término
dela, serão 88 prédios perfazendo 1.408 apartamentos para abrigar parte de 2.400
famílias que moram na área. O restante das famílias será reassentado por meio de
outros programas, prometeu a prefeitura.
Além da construção das unidades habitacionais,
o projeto contempla implantação de áreas de lazer, abertura e urbanização de
vias, canalização de um trecho do córrego São José e implantação de redes de
água e esgoto. Com a finalização das obras, há a promessa da ligação viária das
avenidas Pedro 2º, Tancredo Neves e João 23. O término das intervenções está
previsto para o final de 2010.
Segundo o site “Contas Abertas”, especializado
em fiscalizar a aplicação orçamentária do PAC, Minas Gerais tem os maiores
números absolutos de empreendimentos listados no programa do governo federal
voltado ao saneamento básico. São 717 no total, além de 256 obras de habitação,
o que totaliza 976 empreendimentos englobando as duas
modalidades.
Apenas na área de saneamento, foram concluídas
87 obras até abril deste ano (um gasto de R$ 12,2 milhões), e outros 139
projetos estavam em execução. 68% das obras ainda não tinham começado. Em
habitação, são 259 obras no Estado. Até abril nenhuma havia sido concluída. O
governo informou, entretanto, que aproximadamente R$ 6 bilhões haviam sido
tomados como empréstimo por pessoas físicas para financiamento de
imóveis.
Um novo relatório deverá ser divulgado, pelo
governo federal, nessa primeira quinzena de novembro contendo dados atualizados
sobre obras do programa nos Estados.
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Uol Notícias. 25/11/2009 – 15h02. Especial PAC.
http://noticias.uol.com.br/ especiais/pac/ultnot/2009/11/ 25/ult6028u185.jhtm
Defensoria acusa Prefeitura de BH de discriminar favelas alvo de obras do PAC
Rayder Bragon
Especial para o UOL Notícias
Em Belo
Horizonte
A Defensoria Pública de Minas Gerais entrou
com ação judicial contra a Prefeitura de Belo Horizonte na tarde desta
terça-feira (24) acusando o órgão de discriminação contra moradores de favelas
da capital onde há obras de urbanização de programa intitulado “Vila Viva”, que
tem recursos federais do PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento).
Crianças brincam na beira de
barranco sem proteção em obra com recursos do PAC
Moradores convivem com
entulho e pichações (atrás, em vermelho). Defensoria acusa prefeitura de BH de
discriminação
Pessoas transitam em local
sem proteção na Vila Antena, região oeste de Belo
Horizonte
A Defensoria alega que o órgão municipal só
aceita fazer o pagamento das expropriações depois que os moradores deixam os
imóveis, fato que não ocorre em outras áreas fora das favelas que são alvo de
intervenções do programa.
“Esses moradores de favelas não têm a garantia
constitucional de indenização prévia. Só recebem o valor da indenização depois
que desocupam o imóvel. Isso não ocorre em outras áreas fora de favelas”, disse
o defensor público Marcelo Nicoliello, um dos signatários da ação contra a
prefeitura.
Para Nicoliello, o termo de desapropriação
apresentado ao morador de favelas é dúbio e enseja condição favorável apenas
para o poder público. Além disso, revela que agentes do governo municipal
marcaram com tinta spray as fachadas de casas que serão
demolidas.
“As obras da Prefeitura de Belo Horizonte têm
violado sistematicamente os direitos humanos. Nós constatamos que as pichações
só ocorrem em casas e muros de imóveis localizados nas favelas”,
revelou.
O defensor pede na ação que a prefeitura seja
condenada por danos materiais e morais praticados contra os moradores desses
locais.
Para Valéria Borges Ferreira, 45 anos,
moradora da Pedreira Prado Lopes (região noroeste da capital), a situação no
local é precária. “A gente está sofrendo vários abusos. Eu me sinto como gado
marcado ao ver minha casa pichada pela prefeitura. A gente sempre ensinou aos
nossos filhos que o bem do outro é sagrado. Além disso, a prefeitura promete dar
o dinheiro só depois que a gente sair do local”, contou.
Insegurança nas obras
A ação, segundo o defensor público, também
descreve infrações cometidas pela prefeitura contra o código de posturas do
município, que determina condições para que obras sejam realizadas na
cidade.
De acordo com Nicoliello, o órgão desrespeita
o código ao deixar entulho em vias públicas e não providenciar a separação, com
barreiras físicas, do local das obras e das áreas de trânsito das pessoas que
convivem com as intervenções.
Mônica Francisca Guimarães, que reside na Vila
Antena – localizada na região oeste de BH e que faz parte do aglomerado Morro
das Pedras –, classifica-se como “moradora de terra devastada” após início de
obras da prefeitura no local para fazer ligação entre duas avenidas da
cidade.
“É degradante a nossa situação. Antes, quando
eu abria o portão da minha casa, eu via casas e famílias. Agora parece que caiu
uma bomba nesse local. A gente só vê um grande buraco e muita sujeira e perigo.
Isso causa uma depressão profunda na gente”, disse.
Prefeitura se resguarda, afirma
procurador-geral do município
Apesar de negar tratamento diferenciado, o
procurador-geral de Belo Horizonte, Marco Antônio Rezende, admite que a
prefeitura se resguarda na hora de negociar com moradores de vilas e
favelas.
“A família só sai na hora do recebimento.
Porque não há garantias, é um programa social. Não é questão de confiar ou não
na pessoa, mas é uma situação de certa informalidade [diante] da hipótese de a
pessoa permanecer no local. No caso da desapropriação, se há o pagamento e a
pessoa não sai, entramos com imissão de posse e imediatamente o juiz me autoriza
a despejar o ocupante. Não há distinção, as hipóteses [é que são] diferentes”,
explica.
Segundo Rezende, a prefeitura não teria
obrigação de indenizar pessoas que ocupam áreas públicas. “Por definição do
Código Civil Brasileiro, o possuidor de áreas públicas é um possuidor de má-fé,
ou seja, ele não tem direito a indenização. Mas como isso envolve uma questão
social, não podemos colocar a pessoa na rua. Nós temos um programa da prefeitura
que trata do desapossamento de áreas públicas”, afirmou.
Para ele, há duas situações distintas que são
levadas em conta pela prefeitura. “A lei determina que o órgão público, em caso
de utilidade pública, desaproprie quem tem a propriedade do imóvel. [Na outra
hipótese,] o poder público faz o desapossamento de quem tem a posse de um imóvel
ou terreno”, explicou.
Por sua vez, a Urbel (Companhia Urbanizadora
de Belo Horizonte), órgão da prefeitura, informou por meio de nota que “foram
retiradas todas as inscrições em tinta spray nas fachadas das moradias a serem
demolidas”.
Em relação à segurança nas obras, a nota
declara que “a Urbel desenvolve campanhas sistemáticas de segurança para evitar
acidentes nos canteiros de obras, principalmente para as crianças”. O órgão
ainda aponta o vandalismo como responsável pela retirada de material de proteção
do local, o que, às vezes, não é reposto imediatamente. A nota ainda afirma que
3.000 cartilhas educativas foram distribuídas a pessoas no aglomerado Morro das
Pedras.
[A partir da tela]
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