quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Sem indenização, moradores recusam saída de área em obra do PAC em Belo Horizonte

Rayder Bragon
Especial para o UOL Notícias
Em Belo Horizonte
“Eu só saio daqui quando olhar para a cor do dinheiro”. A declaração é do pedreiro Alcimino Peres da Silva, 74, um dos moradores da Vila São José, região noroeste de Belo Horizonte. O local é palco de intervenções previstas no programa “Vila Viva”, executado pela prefeitura da capital mineira no local desde o final de 2007, e que foi encampado pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal.
Silva se recusa a deixar a casa, avaliada em R$ 42 mil por peritos da prefeitura e onde mora há 33 anos, sob alegação de não ter recebido o dinheiro da desapropriação que, segundo ele, foi prometido há cinco meses. A casa onde vive está cercada por escombros de construções vizinhas que já foram demolidas pelo órgão.
Rayder Bragon/UOL
Alcimino Peres da Silva, 74, nos fundos do imóvel de onde não pretende ‘arredar pé’ enquanto “não olhar a cor do dinheiro”. No entorno, escombros de casas já demolidas na Vila São José
Além de não concordar com o valor da expropriação fixado pela prefeitura (queria ao menos R$ 60 mil,) Silva reclama do atraso no pagamento, da sujeira e do risco de doenças causada pela obra. “A minha mulher está internada por causa de uma pneumonia que pegou depois do poeirão que isso aqui se tornou”, disse.
Ao olhar em volta, ele se depara com um enorme canteiro de obras, mas finca o pé e diz não sair enquanto não for atendido nas suas reivindicações. “Eu quero o dinheiro na minha mão, porque vi muitos vizinhos acreditarem na palavra da prefeitura, deixarem derrubar as casas e depois passarem aperto por não receber o dinheiro e não ter onde ficar com a família”, explicou.
Outra preocupação dele é em relação à correção monetária do valor fixado pela prefeitura. “Eles falaram que iriam me pagar R$ 42 mil, mas isso foi há muito tempo. Será que eles vão corrigir esse dinheiro na hora de me pagar?”, questionou.
Na mesma situação estão cerca de 150 famílias da região e de parte dos bairros Jardim Alvorada, Alípio de Melo e Jardim Montanhês, diz o presidente da associação dos moradores do bairro Jardim Alvorada, Sílvio César Camargo.
“A prefeitura mandou sair das casas para depois pagar. A maioria dos acordos (de desapropriação) foi fechada em janeiro deste ano. A promessa era que o pagamento sairia com 30 e, no máximo, 60 dias. Nós temos pessoas que estão há nove meses esperando. A prefeitura não nos dá satisfação alguma. Eles não dão informação se o pagamento vai sair este ano ainda ou se no ano que vem”, acusou.
No local, prédios estão sendo construídos. Até agora, 496 apartamentos foram entregues a moradores da região que optaram por trocar as moradias pelas unidades.
Nesta sexta-feira (6), a prefeitura anunciou a conclusão de mais 208 apartamentos. Além disso, o projeto ainda prevê a canalização do córrego que passa no local e a ligação entre duas importantes vias de escoamento de trânsito na região.
Um dos impasses, segundo o presidente da associação, é que muitas famílias optaram pela indenização por não concordarem em morar nos apartamentos, que segundo ele, não comportam famílias numerosas. “Aqui tem gente que mora em um mesmo lote com pelo menos mais seis famílias, que são os filhos casados, netos e parentes”, relatou.
Rayder Bragon/UOL
O técnico em refrigeração Ronaldo Correa Miranda, 41, destelhou a casa onde mora e agora convive com goteiras e infiltrações na laje. Na área, a prefeitura promete construir complexo viário que ligará dois importantes corredores de tráfego na capital
Para ilustrar a situação vivida pela comunidade, ele retrata casos de pessoas que tiveram prejuízo ao darem dinheiro como sinal em compra de outro imóvel, mas perderam-no por não conseguirem arcar com o restante do valor.
“As pessoas, de boa-fé, acreditaram na palavra dos agentes da prefeitura e deram continuidade ao processo. Começaram, depois que eles (agentes da prefeitura) autorizaram, a derrubar por conta própria as casas para aproveitar o material (portas, janelas e marcos). Mas elas foram ludibriadas, porque o dinheiro não chegou a tempo, o que gerou a quebra de contrato e elas perderam dinheiro e os negócios foram desfeitos. Outros estão deixando de comer para pagar aluguel”, contou.
De acordo com Camargo, a prefeitura foi procurada para se manifestar sobre os prejuízos, mas não houve resposta.
Um grupo, representando os moradores, foi recebido na última quarta-feira (4) pelo procurador-geral de Justiça do Ministério Público Estadual, Alceu Torres Marques, que prometeu estudar o caso.
O técnico em refrigeração Ronaldo Correa Miranda, 41, destelhou sua casa para aproveitar o material. Ele é morador da rua Flor de Pau, bairro Jardim Montanhês, cuja casa será demolida para implementação de um complexo viário.
“Agora, diante da situação de alguns vizinhos, que não receberam dinheiro, eu não saio daqui”, prometeu Miranda, apesar de a ausência da cobertura ter causado inúmeras goteiras e infiltrações na laje do imóvel durante as últimas chuvas.
Morador do bairro Jardim Montanhês, Vital de Souza, 62, tinha uma mercearia e dois barracões de aluguel. “Eu estou numa situação difícil porque não tenho mais a renda do meu comércio nem dos meus barracões”, lamentou.
Rayder Bragon/UOL
Vital de Souza, 62, em um dos cômodos sem teto da casa que habitava. Afirma que começou a demolir o local por conta própria após consentimento da prefeitura, mas se arrependeu
Ele conta que, ao ser notificado pela prefeitura, assinou termo de desapropriação em 17 de agosto deste ano e fechou a compra de outro imóvel para se transferir com a família. A promessa, conforme seu relato, era o dinheiro na conta em 30 dias.
“Eu fiquei numa situação terrível. Atualmente, eu pago juros de R$ 1.600 à proprietária do imóvel que eu comprei, porque senão perco o negócio e o dinheiro que dei de sinal”, afirmou Souza, que disse sobreviver atualmente apenas com a aposentadoria de R$ 900. Por conta própria, ele começou a derrubar a construção que habitava. Disse ter se arrependido.
Contratos “leoninos”
Para Marcelo Ribeiro Nicoliello, defensor público de Minas Gerais e que acompanha casos de desapropriações em vilas e favelas de Belo Horizonte, os contratos firmados entre a prefeitura e os moradores dessas áreas expropriadas são “leoninos” (dolosos).
“Os termos de acordo são leoninos. Em relação àqueles feitos com moradores de áreas de favelas, há uma violação ao artigo 5º da Constituição, que determina a indenização prévia. Ou seja, o município tem de efetuar o pagamento antes da desocupação para permitir ao cidadão a escolha de um outro imóvel e tratar da negociação com tempo para que não haja o risco de um péssimo negócio”, alertou.
Em áreas fora das favelas, o defensor também disse enxergar problemas. “Apesar de o contrato, nesses casos, prever a demolição apenas após o pagamento, há a ausência de previsão de correção monetária em caso de atraso do pagamento. Nós estamos constatando atualmente um atraso superior a 90 dias nos pagamentos das indenizações, porém, sem nenhum reajuste”, salientou.
Nicoliello ressalta que a falta de pagamento implica uma situação de “vulnerabilidade” aos afetados. “O vendedor de um imóvel não vai ficar esperando indefinidamente para receber o dinheiro. Assim, o comprador, que não tem recurso para quitar a compra, fica numa situação vulnerável e passível de prejuízos significativos”, argumentou.
Uma situação de risco apontada pelo defensor público é a demolição parcial de casas, o que ensejaria acúmulo de destroços, além de os escombros servirem para abrigo de usuários de drogas.
“Nós constatamos que existem vários imóveis demolidos apenas parcialmente. O que permite o abrigo de vetores de doenças, além de abrigar a prática de atos ilícitos, como consumo de drogas. Eu recebo relatos de pessoas que viram esqueletos de casas vizinhas se transformarem em motéis”, frisou.
Rayder Bragon/UOL
Imóvel semidemolido na Vila São José, em Belo Horizonte. Segundo o defensor público de Minas Gerais Marcelo Ribeiro Nicoliello, o local pode ser vetor de doenças por causa do lixo e entulho, além de servir para consumo de drogas e até virar “motel”
Ele aconselha as pessoas que ainda não assinaram termos de desapropriação, e que se sintam inseguras em fazê-lo, a procurar um advogado especialista no assunto ou a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais. “Eu ainda não recebi da prefeitura nenhuma justificativa em relação a essas violações dos direitos humanos”, finaliza o defensor.
Prefeitura admite atraso nos pagamentos, mas garante cumprimento do cronograma
Apesar de afirmar que os recursos oriundos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) estão sendo repassados em dia, a Prefeitura de Belo Horizonte, por meio de nota, admitiu que entre os pagamentos das desapropriações e remoções “existem algumas pendências que estão sendo regularizadas gradativamente”.
Ainda de acordo com a nota, o órgão nega que tenha pressionado os moradores a saírem antes de receber as indenizações. E que as demolições ocorrem somente após o pagamento da desapropriação, cujos valores são de inteira responsabilidade da prefeitura em efetuá-los. Conforme o documento, houve queda na arrecadação em 2009, o que gerou os atrasos. No entanto, o órgão afirma que as intervenções “transcorrem dentro do cronograma”.
A obra está orçada em R$ 115 milhões e foi a primeira gerida com recursos do PAC em Belo Horizonte. A prefeitura comprometeu-se com a contrapartida de R$ 11,5 milhões. Ao término dela, serão 88 prédios perfazendo 1.408 apartamentos para abrigar parte de 2.400 famílias que moram na área. O restante das famílias será reassentado por meio de outros programas, prometeu a prefeitura.
Além da construção das unidades habitacionais, o projeto contempla implantação de áreas de lazer, abertura e urbanização de vias, canalização de um trecho do córrego São José e implantação de redes de água e esgoto. Com a finalização das obras, há a promessa da ligação viária das avenidas Pedro 2º, Tancredo Neves e João 23. O término das intervenções está previsto para o final de 2010.
Segundo o site “Contas Abertas”, especializado em fiscalizar a aplicação orçamentária do PAC, Minas Gerais tem os maiores números absolutos de empreendimentos listados no programa do governo federal voltado ao saneamento básico. São 717 no total, além de 256 obras de habitação, o que totaliza 976 empreendimentos englobando as duas modalidades.
Apenas na área de saneamento, foram concluídas 87 obras até abril deste ano (um gasto de R$ 12,2 milhões), e outros 139 projetos estavam em execução. 68% das obras ainda não tinham começado. Em habitação, são 259 obras no Estado. Até abril nenhuma havia sido concluída. O governo informou, entretanto, que aproximadamente R$ 6 bilhões haviam sido tomados como empréstimo por pessoas físicas para financiamento de imóveis.
Um novo relatório deverá ser divulgado, pelo governo federal, nessa primeira quinzena de novembro contendo dados atualizados sobre obras do programa nos Estados.

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Uol Notícias. 25/11/2009 – 15h02. Especial PAC.

http://noticias.uol.com.br/especiais/pac/ultnot/2009/11/25/ult6028u185.jhtm

Defensoria acusa Prefeitura de BH de discriminar favelas alvo de obras do PAC

Rayder Bragon
Especial para o UOL Notícias
Em Belo Horizonte
A Defensoria Pública de Minas Gerais entrou com ação judicial contra a Prefeitura de Belo Horizonte na tarde desta terça-feira (24) acusando o órgão de discriminação contra moradores de favelas da capital onde há obras de urbanização de programa intitulado “Vila Viva”, que tem recursos federais do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Rayder Bragon/Especial para o UOL
Crianças brincam na beira de barranco sem proteção em obra com recursos do PAC
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Moradores convivem com entulho e pichações (atrás, em vermelho). Defensoria acusa prefeitura de BH de discriminação
Rayder Bragon/Especial para o UOL
Pessoas transitam em local sem proteção na Vila Antena, região oeste de Belo Horizonte
A Defensoria alega que o órgão municipal só aceita fazer o pagamento das expropriações depois que os moradores deixam os imóveis, fato que não ocorre em outras áreas fora das favelas que são alvo de intervenções do programa.
“Esses moradores de favelas não têm a garantia constitucional de indenização prévia. Só recebem o valor da indenização depois que desocupam o imóvel. Isso não ocorre em outras áreas fora de favelas”, disse o defensor público Marcelo Nicoliello, um dos signatários da ação contra a prefeitura.
Para Nicoliello, o termo de desapropriação apresentado ao morador de favelas é dúbio e enseja condição favorável apenas para o poder público. Além disso, revela que agentes do governo municipal marcaram com tinta spray as fachadas de casas que serão demolidas.
“As obras da Prefeitura de Belo Horizonte têm violado sistematicamente os direitos humanos. Nós constatamos que as pichações só ocorrem em casas e muros de imóveis localizados nas favelas”, revelou.
O defensor pede na ação que a prefeitura seja condenada por danos materiais e morais praticados contra os moradores desses locais.
Para Valéria Borges Ferreira, 45 anos, moradora da Pedreira Prado Lopes (região noroeste da capital), a situação no local é precária. “A gente está sofrendo vários abusos. Eu me sinto como gado marcado ao ver minha casa pichada pela prefeitura. A gente sempre ensinou aos nossos filhos que o bem do outro é sagrado. Além disso, a prefeitura promete dar o dinheiro só depois que a gente sair do local”, contou.
Insegurança nas obras
A ação, segundo o defensor público, também descreve infrações cometidas pela prefeitura contra o código de posturas do município, que determina condições para que obras sejam realizadas na cidade.
De acordo com Nicoliello, o órgão desrespeita o código ao deixar entulho em vias públicas e não providenciar a separação, com barreiras físicas, do local das obras e das áreas de trânsito das pessoas que convivem com as intervenções.
Mônica Francisca Guimarães, que reside na Vila Antena – localizada na região oeste de BH e que faz parte do aglomerado Morro das Pedras –, classifica-se como “moradora de terra devastada” após início de obras da prefeitura no local para fazer ligação entre duas avenidas da cidade.
“É degradante a nossa situação. Antes, quando eu abria o portão da minha casa, eu via casas e famílias. Agora parece que caiu uma bomba nesse local. A gente só vê um grande buraco e muita sujeira e perigo. Isso causa uma depressão profunda na gente”, disse.
Prefeitura se resguarda, afirma procurador-geral do município
Apesar de negar tratamento diferenciado, o procurador-geral de Belo Horizonte, Marco Antônio Rezende, admite que a prefeitura se resguarda na hora de negociar com moradores de vilas e favelas.
“A família só sai na hora do recebimento. Porque não há garantias, é um programa social. Não é questão de confiar ou não na pessoa, mas é uma situação de certa informalidade [diante] da hipótese de a pessoa permanecer no local. No caso da desapropriação, se há o pagamento e a pessoa não sai, entramos com imissão de posse e imediatamente o juiz me autoriza a despejar o ocupante. Não há distinção, as hipóteses [é que são] diferentes”, explica.
Segundo Rezende, a prefeitura não teria obrigação de indenizar pessoas que ocupam áreas públicas. “Por definição do Código Civil Brasileiro, o possuidor de áreas públicas é um possuidor de má-fé, ou seja, ele não tem direito a indenização. Mas como isso envolve uma questão social, não podemos colocar a pessoa na rua. Nós temos um programa da prefeitura que trata do desapossamento de áreas públicas”, afirmou.
Para ele, há duas situações distintas que são levadas em conta pela prefeitura. “A lei determina que o órgão público, em caso de utilidade pública, desaproprie quem tem a propriedade do imóvel. [Na outra hipótese,] o poder público faz o desapossamento de quem tem a posse de um imóvel ou terreno”, explicou.
Por sua vez, a Urbel (Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte), órgão da prefeitura, informou por meio de nota que “foram retiradas todas as inscrições em tinta spray nas fachadas das moradias a serem demolidas”.
Em relação à segurança nas obras, a nota declara que “a Urbel desenvolve campanhas sistemáticas de segurança para evitar acidentes nos canteiros de obras, principalmente para as crianças”. O órgão ainda aponta o vandalismo como responsável pela retirada de material de proteção do local, o que, às vezes, não é reposto imediatamente. A nota ainda afirma que 3.000 cartilhas educativas foram distribuídas a pessoas no aglomerado Morro das Pedras.
[A partir da tela]
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