por CHRISTIANE COSTA* No último dia 3 de fevereiro o Congresso Nacional aprovou a Proposta de Emenda Constitucional 47/2003 tornando a alimentação um direito fundamental. A emenda inclui a alimentação no artigo 6º da Constituição que trata dos direitos sociais. Até então eram considerados direitos sociais a educação, o trabalho, a saúde, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Com isso, passa a ser um dever do Estado assegurar o acesso a uma alimentação adequada e saudável. Impulsionada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), a campanha nacional pela inclusão da alimentação na Constituição contou com a participação de diversos movimentos sociais, organizações não governamentais, artistas, cidadãos e militantes de todo o país. Um vídeo institucional Artistas do Movimento Humanos Direitos fez parte das ações de esclarecimento e divulgação em favor da aprovação da PEC. Foto Paul Munhoven Desde a sua aprovação, o Consea tem recebido inúmeras mensagens de congratulações, dentre elas, a de Ana Maria Castro, filha de Josué de Castro, médico e geógrafo pioneiro na denúncia do flagelo da fome no mundo. Em mensagem enviada ao Presidente do Consea Nacional, Renato Maluf, Ana Maria escreveu: “Os descendentes de Josué de Castro, Patrono do Consea, estamos todos muito orgulhosos do trabalho que vem sendo desempenhado pelo Consea, no sentido de fazer presente o seu pensamento e suas propostas. Parabéns e muito obrigada.” O ator Marcos Winter, ex-conselheiro do Consea também enviou uma mensagem de congratulação: “As nobres e justas causas serão sempre nosso farol, parabéns a todos.” Para Crispim Moreira, Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), com a aprovação da emenda o “Estado brasileiro passa a um patamar superior no conjunto dos direitos sociais. Torna responsabilidade do poder público promover o direito da população à alimentação”. Elaborada pelo senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), a proposta de emenda contou na Câmara com a defesa dos deputados Nazareno Fonteles (PT-PI) e Emília Fernandes (PT-RS), que literalmente “vestiram a camisa”. Segundo Emilia Fernandes “essa é uma vitória do Brasil, de homens e mulheres de norte a sul deste país. A alimentação passa a ser compromisso do Estado brasileiro, acima de partidos, acima de governos, acima de ideologias”. Mesmo com um cenário marcado ainda pela desigualdade e por tantas injustiças, organizações brasileiras como o Instituto Pólis, ao lado de outras, integrantes do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e que participam há tantos anos dessa luta, desde a instalação do primeiro Consea, em 1993 e da I Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, em 1994, essa vitória da PEC da alimentação representa uma grande conquista e um momento de se comemorar. No processo de emergência da temática da segurança alimentar e nutricional nas duas últimas décadas, importa destacar o papel desempenhado pela sociedade civil organizada na construção da agenda brasileira de segurança alimentar e nutricional (SAN), articulando governo e sociedade civil para a elaboração e proposição de diretrizes de ações em áreas relacionadas ao alimento e da alimentação. Outro aspecto relevante e que contou com a efetiva participação da sociedade civil, diz respeito à ampliação da noção de segurança alimentar e nutricional. Nos anos 1990, ela foi ampliada para envolver questões relativas à qualidade sanitária, biológica, nutricional e cultural dos alimentos e das dietas. Equidade, justiça, ética, modos de vida sustentáveis, garantia de acesso aos recursos naturais para as gerações futuras e o modelo de desenvolvimento passaram a ser temas tratados no âmbito da SAN, subordinada ao princípio da soberania alimentar e do direito humano à alimentação adequada, significando o direito à própria vida, à dignidade e à autodeterminação. Ainda que se tenha registro de eventos significativos na luta contra a fome em décadas anteriores, os anos 1990 concentraram a maior mobilização da sociedade em torno do tema. Levantando a bandeira de que “a fome não pode esperar”, o sociólogo Herbert se Souza, oriundo do Movimento pela Ética na Política liderou, a partir de 1992, a Campanha da Ação da Cidadania contra a Miséria, a Fome e pela Vida, dando visibilidade à existência de 32 milhões de miseráveis no campo e nas cidades. Como resposta à forte mobilização da sociedade civil, o governo federal elaborou, em 1993, o Plano de Combate à Fome e à Miséria e instalou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) que, no ano seguinte, realizou a I Conferência Nacional de SAN, com ampla participação de todos os Estados, em Brasília. Paradoxalmente, neste mesmo ano, o Consea foi extinto e retirado o destaque do tema, inaugurando-se um processo de desmonte dos programas relacionados à segurança alimentar, concretizado nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No entanto, o tema manteve-se vivo a partir de iniciativas principalmente das organizações alinhadas ao Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), criado em 1998 e que envolve, atualmente, cerca de 200 organizações. Seus principais objetivos são a mobilização da sociedade em torno do tema da SAN, a elaboração de propostas de políticas públicas, a inserção da temática na agenda nacional, estadual e municipal. Logo da campanha em favor da aprovação da PEC 47/2003 Um novo impulso foi dado à construção da agenda pública de SAN, quando, em 2003, o Programa Fome Zero foi lançado pelo presidente Lula, idealizado como uma estratégia para assegurar o direito humano à alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. O programa não só recolocou o tema da fome na pauta governamental, como se constituiu em uma das principais vias de promoção da SAN. Outro marco nesse período foi a reativação do Consea nacional que nesse período realizou duas conferências nacionais, em março de 2004, em Olinda e, em junho de 2007, em Fortaleza, reunindo delegados eleitos nas conferências municipais e estaduais. A partir daí, multiplicaram-se os Conseas Estaduais e Municipais, bem como os Fóruns de SAN, que congregam organizações da sociedade civil atuantes nesse campo. Na sequência, em 2006, o presidente Lula sancionou a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) aprovada no Senado. A Losan instituiu o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional, cuja missão é formular e implementar políticas e planos de SAN, estimular a integração dos esforços entre governo e sociedade civil, bem como promover o acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da SAN no país. Por meio da LOSAN foi concebida a Câmara Interministerial (CAISAN), que deverá reunir os ministérios e secretarias especiais que têm relação com o tema, e o Consea passou a ter caráter permanente. Segundo o Estudo de Caso Brasil, realizado pela ONU (MS/SCN, 2005), a experiência de mobilização social já tem mais de duas décadas envolvendo ONG´s, movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores rurais, igrejas, associações rurais e urbanas, tanto em âmbito nacional como estadual e municipal. As experiências decorrentes deste processo de mobilização social são múltiplas e compreendem as questões de alimentação e nutrição, desenvolvimento sustentável, acesso à água potável, à terra, entre outros. Mais recentemente, as questões do direito humano a uma alimentação adequada, como direito humano fundamental, foram incorporadas na pauta das discussões e atividades de governo e da sociedade civil. Para além da implantação de inúmeras experiências significativas que têm servido como base para a formulação de programas e ações governamentais, a principal via de construção de uma agenda pública de SAN para a sociedade civil, nos últimos anos, tem sido a sua experiência de participação no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Por último, ainda que os resultados da mobilização das duas últimas décadas sejam concretos, o caminho é ainda longo. Passado esse momento de comemoração e entusiasmo, será necessário refletir no sentido de não só extrair as consequências dessa conquista, como também buscar formas de disseminar, tanto no campo do governo como no da sociedade civil, a cultura desse direito, para que ele se torne realmente efetivo e não mais uma lei, aceita no papel, mas que não se materializa em ações concretas na vida de milhões de brasileiros e brasileiras. Fontes: Consea e Instituto Pólis * Christiane Costa é socióloga e coordenadora da equipe de Segurança Alimentar do Instituto Pólis |
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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Agora comer é um direito!
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