segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

CORONELISMO ELETRÔNICO, Ministro admite derrota antes do jogo

CORONELISMO ELETRÔNICO
Ministro admite derrota antes do jogo
Por Mauro Malin em 8/1/2011
A discussão sobre concessões de rádio e televisão pertencentes a parlamentares, antiga neste Observatório (ver "Ministério Público propõe anulação de concessões"), voltou à tona com a entrevista do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que foi manchete na Folha de S.Paulo de sexta-feira (7/1). Ele disse à repórter Elvira Lobato que "político não deve ganhar TV e rádio", mas opinou também que essa proibição ‒ fixada no texto da Constituição de 1988 e reiterada na legislação deixada pelo governo Lula para o atual governo levar ao Congresso ‒ tem poucas possibilidades de aprovação devido ao elevado número de políticos eleitos em 2010 para o parlamento federal que declararam ter concessões (ver aqui e aqui, entrevistas do ministro àFolha e ao Estado de S.Paulo).
Para que se entenda por que conceder emissoras de rádio e televisão a parlamentares contraria a Carta desde sua promulgação, há quase 22 anos, vale citar o que escreveu neste OI Venício A. de Lima, em agosto de 2005, no artigo "As bases do novo coronelismo eletrônico":
"A Constituição de 1988 [....] proibiu que deputados e senadores mantenham contrato ou exerçam cargos, função ou emprego remunerado em empresas concessionárias de serviço público (letras a. e b. do item I do Artigo 54). Restrição semelhante já existia no Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT, Lei nº 4117/62) desde 1962, determinando que aquele que estiver em gozo de imunidade parlamentar não pode exercer a função de diretor ou gerente de empresa concessionária de rádio ou televisão (Parágrafo único do Artigo 38)."
O próprio Paulo Bernardo foi exato em sua argumentação. À pergunta "Por que político não deve ter concessão?", ele respondeu:
"É o Congresso que autoriza as concessões. Então, me parece claro que o congressista não pode ter concessão, para não legislar em causa própria. Os políticos já têm espaço garantido na televisão, nos programas eleitorais. E há também a vantagem nas disputas eleitorais, e o poder político e econômico."
Quem são os 61 parlamentares?
Paulo Bernardo informou que 61 parlamentares federais declararam ser detentores de concessões. Desde logo, fica aqui a sugestão de que se divulgue imediatamente essa lista, para que os cidadãos possam formar opinião sobre o quadro atual. A esse número deve ser somado o de senadores em meio de mandato concessionários de rádio e/ou televisão, caso notório do presidente da Casa, José Sarney.
Segundo Bernardo, "é mais fácil iniciar um processo de impeachment de um presidente do que rejeitar a renovação de uma concessão de rádio ou de TV". A dificuldade é ainda maior, acrescente-se para argumentar, levando-se em conta que também foram eleitos muitos deputados estaduais donos de emissoras, para não falar de vereadores em meio de mandato. O texto constitucional não menciona esses detentores de mandatos, mas se deduz que eles também seriam atingidos por uma nova regulamentação, para que o jogo não fique desequilibrado exatamente nos locais em que se dão os embates eleitorais.
Em outras palavras, não tem sentido proibir que um deputado federal seja dono de emissora e permitir que, na mesma região em que ele disputa votos, um deputado estadual, eventualmente aliado de um candidato rival, o seja. O mesmo se diga da relação entre deputado estadual e vereador.
Uma maioria sem emissoras
Por outro lado, se 61 parlamentares eleitos agora declaram ser donos de emissoras, há 506 que não o são (foram eleitos 513 deputados federais e 54 senadores). Não seria possível encontrar nessa massa um grupo majoritário a favor da modernização do panorama brasileiro de radiodifusão?
Não há notícia de parlamentares petistas donos de emissoras de rádio e televisão, o que, do ponto de vista da "economia doméstica", facilita a vida do ministro e da presidente Dilma Rousseff. O PT terá a partir de fevereiro a maior bancada na Câmara dos Deputados.
Munição para adversários
Provavelmente o ministro tem razão quanto à dificuldade de revogar concessões, mas o que está no horizonte não é o exame de casos individuais, e sim a consagração de uma regra sintonizada com o texto e o espírito da Constituição. Antes dela, a outorga de canais era feita pelo Executivo. Desde 1988, cabe ao Legislativo aprová-la. Foi um avanço na concepção, sem correspondência na prática, porque muitos dos outorgantes são outorgados. Talvez se possa chegar a uma solução em que a proibição seja estabelecida, mas para vigorar a partir de data futura. Ou seja, dando-se uma moratória aos atuais políticos que têm emissoras.
O reparo que se pode fazer à sincera entrevista de Paulo Bernardo é que ela sinaliza uma acomodação ao statu quo. E, com isso, enfraquece politicamente a ação do governo. Qualquer parlamentar poderá argumentar, coberto de razão, que o próprio ministro das Comunicações reconheceu que o assunto é no mínimo delicado.
As afiliadas, as afiliadas...
Não é só no Congresso Nacional que há dificuldade para combater o coronelismo eletrônico. Na sexta-feira (7/1) em que Paulo Bernardo foi manchete da Folha, oJornal Nacional não tugiu nem mugiu sobre o assunto. Que diferença em relação à véspera, quando, como notou Alberto Dines no tópico "Pauta perversa", o JNrepercutiu "em grande estilo" a manchete jornalisticamente implausível (nos dois sentidos, principalmente o etimológico) da mesma Folha sobre os passaportes dos filhos de Lula, esse tema de grande magnitude política e relevância social.
Dessa vez, a manchete da Folha não mereceu nem a chamada "nota ao vivo", sem imagens. Gosto não se discute, apenas se lamenta? Não é bem assim.
Jornal da Cultura da mesma noite fez uma boa reportagem sobre o assunto. Lembrou que, além do já citado Sarney, o também senador Fernando Collor é sócio de uma rede de comunicação em Alagoas, o deputado ACM Neto é sócio da Rede Bahia, o deputado Jorginho Maluly é dono de uma rede no interior paulista. Entre tantos outros eminentes representantes do povo.
A Globo nunca tocou nesse assunto. E não está sozinha em seu silêncio. Essas emissoras e redes locais são... afiliadas das grandes redes. Trata-se de uma mistura de política com o negócio da comunicação. E vice-versa: o negócio da comunicação vai incomodar políticos que são seus parceiros? Sem chance. Ou seja, se depender da mais poderosa mídia do país, a televisão, o povo, salvo o traço de audiência da TV Cultura, não vai nem saber que o problema existe.


Folha de S. Paulo - 07.01.2011
Ministro defende proibição de que políticos tenham TV 

Veto está previsto na Constituição, afirma Paulo Bernardo (Comunicações)

Para o petista, é mais fácil o Congresso votar o impeachment de um presidente que rejeitar renovação de concessão


Sergio Lima - 3.jan.10/Folhapress

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, durante a transmissão do cargo

ELVIRA LOBATO
DO RIO

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo Silva, defendeu que os políticos sejam proibidos de ter concessão de rádio e TV.
Conforme a Folha revelou em dezembro, a proposta consta do anteprojeto de lei de comunicação eletrônica deixada pelo ex-ministro Franklin Martins, que o governo colocará em discussão.
Ele duvida que o Congresso aprove a medida, em razão do grande número de políticos com concessões -61 eleitos em 2010 informaram possuir rádio ou TV.
Uma semana depois de dizer que era a favor da limitação de 30% para o capital estrangeiro nos portais de conteúdo jornalístico na internet, o ministro recuou e disse não ter posição fechada.

 

Folha - O PT passa a administrar o Ministério das Comunicações. O que muda?
Paulo Bernardo -
 Nas minhas conversas com a presidente Dilma, ela não mencionou nenhuma questão partidária. Ela entende que o Brasil precisa avançar a passos rápidos para promover a disseminação da radiodifusão e das telecomunicações. Não é possível transformar o Brasil em um país de classe média, como quer Dilma, sem massificar o acesso à internet.

Que destino o governo dará ao projeto de regulação da mídia eletrônica do ex-ministro Franklin Martins?
A minha opinião, que não é necessariamente a do governo, é que o projeto deve ser colocado em debate público. O projeto que resultar dessa discussão seguiria para o Congresso Nacional.

A mídia vive um momento de transição tecnológica. Existe também o receio de que o governo tente algum projeto para controlar a imprensa.
Esse cenário reforça minha convicção de que precisamos construir um marco regulatório. Há questões econômicas por definir: se teles vão fazer TV a cabo em larga escala, se a convergência das mídias se dará livremente ou se vai ter regra para o jogo. Acho que tem de haver regra.
O Brasil vive uma democracia política plena, embora careça de mais democracia econômica. A liberdade de expressão é vital na democracia, e ninguém no governo quer mexer nisso.

As empresas de comunicação defendem que o limite de capital estrangeiro de 30% válido para elas seja estendido aos portais de jornalismo na internet. Qual sua opinião?
O que está em discussão é se um portal de conteúdo jornalístico equivale a uma empresa de comunicação.
Há portais ligados a empresas de comunicação produtoras de conteúdo. Mas há outros que só reproduzem conteúdo de terceiros. Acredito que a discussão terá de ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal. Não tenho posição fechada.

Na semana passada, o sr. defendeu que os portais de jornalismo na internet tenham tratamento igual ao das empresas de comunicação, em relação ao capital estrangeiro. Mudou de opinião?
Foi uma declaração rápida sobre o tema. Levei muita paulada no Twitter por isso. Descobri que o Brasil tem tantos especialistas em comunicação quanto técnicos de futebol. Milhões de ministros das Comunicações.

Como o sr. vê a presença de igrejas na radiodifusão, que é uma concessão pública?
A Constituição também menciona que políticos não deveriam ser donos de radiodifusão. Isso mostra que há fragilidade no marco regulatório. As pessoas acham que falar em marco regulatório é uma afronta à liberdade de expressão. As igrejas procuram formas de difundir suas mensagens. Sem regulação, como poderei impor limites?

Pretende abrir uma discussão pública sobre a presença de políticos na radiodifusão?
O projeto deixado por Franklin Martins sugere a proibição. Como depende do Congresso, vai ser difícil aprovar. É mais fácil fazer o impeachment do presidente da República do que impedir a renovação de uma concessão de rádio ou TV.

Por que político não deve ter concessão?
É o Congresso que autoriza as concessões. Então, me parece claro que o congressista não pode ter concessão, para não legislar em causa própria. Os políticos já têm espaço garantido na televisão, nos programas eleitorais. E há também a vantagem nas disputas eleitorais, e o poder político e econômico.

Como o governo vai massificar a oferta de banda larga, ao preço de R$ 30 a R$ 35 mensais, como prometeu?
Vamos fazer um esforço conjunto com Estados para reduzir impostos, costurar acordos com operadoras privadas, e atrair pequenos provedores. Será preciso uma força-tarefa. Os resultados não serão imediatos, mas em quatro anos haverá uma enxurrada de banda larga.

A Anatel e as teles não chegaram a acordo sobre metas de expansão de serviços em áreas remotas e carentes. O sr. já tem uma proposta?
As empresas foram à Justiça contra o plano de metas e contra a Telebrás. O ex-presidente Lula ficou bravo e me pediu para resolver. As operadoras tiraram as ações, e vamos negociar. Ainda não há acordo. A Anatel falou em R$ 1 bilhão; as teles, em R$ 5,7 bilhões. Há muita choradeira das empresas. Vamos negociar com planilhas de custos na mãos. Se o Estado tiver que pagar, vai pagar.

A Telebrás vai oferecer banda larga ao usuário final?
Não achamos que seja função da Telebrás levar banda larga ao usuário final. O papel dela será estimular a concorrência, baixando o preço da transmissão de dados no atacado. Mas, onde não houver grupo privado interessado em oferecer banda larga, ela pode fazê-lo.
 
 

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