quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Os navios jogam lixo no mar?

Sim, em especial aqueles que singram os mares internacionais de um continente a outro. A viagem do Brasil ao extremo oriente (Japão e Coréia) leva aproximadamente 42 dias do último porto brasileiro ao primeiro de destino. Isto requer que, inevitavelmente, o lixo produzido a bordo durante a viagem seja jogado ao mar antes dos navios entrarem em águas territoriais dos países de destino.


 

Os navios jogam lixo no mar?

Klaus Ihssen é “supercargo” (superintendente de cargas) de uma armadora norueguesa, com bandeira de conveniência (Hong Kong). Ele atende os navios deste armador na costa brasileira. Os navios carregam todo tipo de produto dentre os chamados forest products, como celulose, madeira, caulim. Via de regra, também transportam alumínio em lingotes produzidos no Pará para a China e Japão. Por isso, Klaus convive por muito tempo com a tripulação (geralmente indiana ou filipina) e com senior officers europeus, desde Rio Grande até Munguba (Rio Jarí, afluente do Amazonas). Os navios que Klaus acompanha são sempre  embarcações especializadas, com pontes rolantes de última geração.

Klaus Ihssen

Os navios jogam lixo no mar?
Sim, em especial aqueles que singram os mares internacionais de um continente a outro. A viagem do Brasil ao extremo oriente (Japão e Coréia) leva aproximadamente 42 dias do último porto brasileiro ao primeiro de destino. Isto requer que,  inevitavelmente, o lixo produzido a bordo durante a viagem seja jogado ao mar antes dos navios entrarem em águas territoriais dos países de destino.

O lixo é queimado?
Não totalmente e isso também depende da existência do incinerador. O incinerador de bordo não consegue queimar todo o lixo. Há, portanto, materiais que não conseguem ser destruídos pela queima.

Quais materiais não conseguem ser queimados?
Latas, vidros e todos os sólidos imagináveis a bordo.

Podemos fazer uma estimativa do percentual de navios que joga lixo no mar? É a maioria?
Muito difícil estimar o percentual, mas podemos afirmar que é a maioria.

O descarte do lixo no mar é feito normalmente em que situação? Durante a noite, no mar territorial? Na Zona Econômica Exclusiva (ZEE) ou em águas internacionais?
De dia, durante a jornada de trabalho do encarregado de cozinha.

Como é guardado o lixo no navio?
Existem latões de 200 litros – tambores de óleo lubrificante, adaptados com uma tampa para que o lixo possa ser armazenado na popa do navio.

Por que o Anexo V da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL) não é cumprido?
Por conveniência, negligência e economia de gastos.

Como é o serviço de recolhimento de lixo nos portos brasileiros?
Os principais portos brasileiros oferecem o serviço de coleta seletiva de lixo por meio de empresas privadas registradas nas capitanias, na saúde dos portos e demais instituições afins. Apesar disso, é um serviço caro, como podemos observar:
Porto de Santos: R$ 2,60 por kg
Porto do Rio de Janeiro: R$ 240,00 por m³
Porto de Belém/Vila do Conde: US$ 400,00 por 20m³ (quantidade mínima) visto que o lixo é levado de Vila do Conde (150 km de Belém) com destino à Belém, onde é depositado em lixões. Não há vazadouro de lixo em Vila do Conde.
E, como podemos imaginar, 20 homens produzem uma boa quantidade de lixo por dia.

O que é “vazadouro de lixo”?
É o lugar para depósito de lixo. Também conhecido como “lixão” aqui no Brasil, utilizado como aterro.

Existe corrupção nos portos brasileiros com relação à retirada do lixo dos navios?
A corrupção é difícil de ser comprovada.

Por que o serviço de retirada do lixo nos portos brasileiros não funciona?
Em primeiro lugar por ser um serviço ocasional. Segundo agentes de navegação de três navios, em média apenas um solicita o recolhimento de lixo. E muitas vezes essa solicitação vem em função de exigência documental, ou se o navio destina-se a portos de “primeiro mundo”. Nesses locais os navios devem apresentar um certificado de retirada de lixo do último porto de escala.

Lixo de navio no litoral baiano. © Fabiano Prado Barretto/Global Garbage

O que você quer dizer com “ocasional”?
Como não é utilizada com regularidade, a atividade de recolhimento passa a ser ocasional, sempre que for “ocasionalmente” solicitado por algum comandante. De três navios, em média apenas um solicita o serviço, mas isso é uma média aritmética. Sendo compulsória, o serviço passa a ser regular.

Por que os portos brasileiros não exigem o certificado de retirada de lixo do último porto de escala?
Não sei explicar porque o Brasil não exige esse certificado dos navios que aportam aqui. E, uma vez que não exigem o recolhimento de lixo, não tem consciência ecológica. Basta ver o que acontece aqui na nossa “terrinha” com a poluição ambiental todos os dias. É mesmo uma vergonha.

Você poderia citar alguns exemplos em que o porto não recebeu o lixo? Qual porto e por qual motivo?
Além do lixo orgânico de cozinha, existe o lixo de materiais utilizados na estivagem das cargas, como madeira (dunnage), papel (air bags), plástico, entre outros, que são de difícil recolhimento. Isso porque há a interferência da Receita Federal que não aceita o seu despejo para a terra, por considerar que o material possa ser contrabando. Os portos do Rio de Janeiro, Santos e Vila do Conde, em Belém, não permitem, salvo que se faça um requerimento (uma burocracia exagerada) com custo elevado de acompanhamento.

Os navios brasileiros também jogam lixo no mar?
Sem dúvida, o ato de jogar lixo no mar não tem nacionalidade.

Você acha que as tripulações dos navios são conscientes das consequências do lixo marinho para a vida marinha e para a vida humana?
Creio que não.

Eles são conscientes que o lixo pode navegar, em algumas situações, alguns milhares de quilômetros?
Creio que não.

Qual seria a solução para este problema?
A cobrança compulsória de uma taxa de lixo incorporada à taxa de utilização do porto e a coleta diária do lixo oferecida pelo porto (via serviço próprio ou terceirizado) nos moldes oferecidos por uma prefeitura de uma cidade como o Rio de Janeiro, São Paulo ou Amsterdam.

O que é feito com os efluentes líquidos do navio?
O óleo, quando solicitado, é recebido por firmas que se especializaram em recuperar o esse material contaminado. Demais efluentes orgânicos são acondicionados em tanques sépticos. Estes últimos estão sujeitos à inspeção periódica pelas classificadoras de navio.

O que são as “classificadoras de navio”?
São entidades multinacionais que acompanham o navio desde a sua construção no estaleiro, a operação deste ao longo dos anos em que se mantém em atividade, com vistorias periódicas de todos os equipamentos que o navio possui, emitindo certificados que são exigidos pelos port control  nas escalas. Exemplos: Germanischer Lloyd, Det Norske Veritas, Lloyds Register, Buro Veritas e o brasileiro Buro Colombo.

Por que os navios usam bandeiras de conveniência e quais as bandeiras mais utilizadas?
Bandeiras de conveniência são utilizadas para fugir de legislação proibitiva em vários campos, como o de leis sociais trabalhistas impostas por países que possuem altíssimos custos operacionais (legislação social, previdenciária), caso dos Estados Unidos, Alemanha, Noruega e outros. Os países de registro que oferecem condições bem mais amenas no campo trabalhista também isentam de imposto de renda os armadores ou reduzem a tal ponto as exigências que os custos operacionais ficam bem abaixo daqueles de registro oficial. A Noruega e a Alemanha criaram registros de suas bandeiras, mas com condições internacionais, não sendo obrigados a seguirem as normas do país – esses são os international registry. As tradicionais bandeiras de conveniência são Panamá, Libéria, Hong-Kong, Bermudas, Chipre e outras.

As armadoras brasileiras também usam bandeiras de conveniência? Quais principalmente?
Sim, embora existisse no passado uma proibição para a tal prática. Por exemplo, a Docenave (que já não existe mais), registrava os seus navios na Libéria não como Docenave, mas dando um outro nome como armadora.

Existe alguma oposição do governo brasileiro e da Marinha do Brasil com relação ao uso das bandeiras de conveniência? E da Organização Marítima Internacional (IMO)?
Não se pode opor ao uso destas bandeiras de conveniência. A IMO impõe condições técnicas destes navios e com o tempo vem aperfeiçoando e restringindo determinados tipos de navios na operação, como no caso de petroleiros de casco singelo. O assunto é muito complexo, especialmente com relação ao uso de tripulação de países que não têm uma escola de marinha mercante para o treino do seu pessoal em níveis internacionais mínimos exigidos.

Entrevista concedida por e-mail em junho de 2004.

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