segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Projeto de líder do governo é redigido por lobby

Projeto de líder do governo é redigido por lobby
PL de Cândido Vaccarezza (PT-SP) é de coautoria de advogada conselheira da Monsanto e outras multinacionais*. Proposta libera uso das sementes “terminator”, proibidas em todo o mundo e condenadas pela ONU e pelo Conselho de Segurança Alimentar

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Documento em PDF mostra quem redigiu projeto de deputado (clique na imagem para ampliar)
 Renata Camargo

Um projeto do líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), sobre sementes transgênicas foi redigido com auxílio de uma advogada de nome associado à empresa Monsanto. A proposta libera o uso da polêmica tecnologia “terminator” no Brasil e tem como coautora a advogada Patrícia Fukuma, conhecida por aconselhar empresas com patentes de organismos geneticamente modificados (OGMs) e assessorar juridicamente a indústria de alimentos. Entidades ambientais e da agricultura familiar ouvidas pelo Congresso em Foco entendem que Vaccarezza fez lobby para a indústria de alimentos e multinacionais de transgênicos. O petista nega a acusação.
A proposta revoga, da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), o artigo que proíbe a utilização, comercialização e outros usos das tecnologias genéticas de restrição do uso (Gurts, na sigla em inglês) no Brasil. Essa tecnologia é responsável por produzir plantas geneticamente modificadas com estruturas reprodutivas estéreis. A partir dessa tecnologia, são criadas sementes que só podem ser germinadas uma vez, pois as sementes originadas dessas plantas não têm capacidade de se reproduzir. Leia a íntegra da proposta
Uma das Gurts é conhecida como terminator. Por ser considerada uma ameaça à diversidade de cultivos e à soberania alimentar, desde 1998, a ONU, pela Convenção da Biodiversidade, recomenda aos países que não façam testes nem comercializem sementes com tecnologias genéticas de esterilização. Na convenção de 2006, o governo brasileiro decidiu manter moratória a essa tecnologia, compromisso que permanece atualmente.
“Pelo risco que representa, no âmbito da Conversão sobre Biodiversidade Biológica, existe uma moratória internacional para que nenhum país plante essas sementes nem faça estufa em plantio experimental, muito menos, em plantio comercial. Esse projeto de lei pega o artigo da Lei de Biossegurança, que reforça a moratória na legislação nacional, e altera a redação justamente para permitir essa tecnologia”, explica o engenheiro agrônomo Gabriel Fernandes, da ONG Agricultura familiar e agroecologia (Aspta).

Liberação de sementes estéreis divide opiniões

Interesses
Na avaliação das entidades, a coautoria da advogada conselheira das multinacionais comprova os interesses da indústria de alimentos e de multinacional que detém patentes de transgenias na aprovação do projeto de Vaccarezza.  A advogada é conselheira do Conselho de Informação sobre Biotecnologia (CIB), que além da Monsanto, tem como associados multinacionais como a Basf, Bayer, Cargill, Dupont e Arborgen.

Os indícios da participação da advogada na elaboração do projeto do líder do governo aparecem no arquivo da proposta que consta no site da Câmara. Na página do projeto, o arquivo em PDF do PL 5575/2009 tem como autora Patrícia Fukuma. O nome da advogada aparece nas propriedades do documento. Em arquivos de matérias legislativas, a Câmara não costuma identificar o autor do documento.

Vaccarezza: “Eu não defendo interesses de grandes empresas. Isso não merece crédito.” (José Cruz/ABr)
Vaccarezza nega lobby: “Eu não defendo interesses de grandes empresas. Isso não merece crédito.” (José Cruz/ABr)
O líder do governo na Câmara nega que o projeto tenha sido elaborado com a participação da advogada conselheira das multinacionais. Questionado pelo site sobre a coautoria de Patrícia Fukuma, Vaccarezza afirmou inicialmente não saber quem é Patrícia e depois disse que não se recorda de ter tido nenhum contato com ela, mas que “pode até ser que a conheça”. “É possível que ela tenha tido conversa comigo. Mas não tem nenhuma relação”, afirmou o líder do governo. Vaccarezza nega ter atendido lobby. “Essa acusação é uma acusação irresponsável. Primeiro, eles nem me conhecem. Segundo, porque eu não defendo interesses de grandes empresas”, afirmou. “Isso não merece crédito.”
A assessoria jurídica de Vaccarezza afirmou que o nome que aparece nas propriedades do documento do projeto pode ser de um técnico da Casa, responsável por inserir arquivos no sistema. Segundo a assessoria, eventualmente, o nome de técnicos pode constar para o público. No caso, a advogada Patrícia Fukuma não é funcionária da Câmara.
Contradições
A advogada Patrícia Fukuma confirma a participação na elaboração do projeto do líder do governo. Ao Congresso em Foco, a assessora jurídica da Monsanto afirmou que fez “uma revisão do projeto”. Patrícia conta que, na época, foi procurada pela assessora Maria Thereza Pedroso, assessora técnica da Liderança do PT na Câmara, que lhe pediu para “dar uma olhada no projeto”. “Na verdade, eu não sou autora do projeto. Eu, na verdade, dei alguns pitacos”, disse.
Atualmente pesquisadora da Embrapa, a ex-assessora Maria Tereza nega ter procurado a advogada para apresentar o projeto. Ao site, a pesquisadora afirmou desconhecer quem é Patrícia Fukuma. “Eu nem sei quem é Patrícia... O deputado Paulo Piau propôs um substitutivo ao projeto do Vaccarezza. Só se ela que escreveu o substitutivo. Eu não sei quem é ela”, afirmou.
Especialista em Relações de Consumo pela Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Patrícia Fukuma é uma das referências no Brasil na área da biotecnologia. A advogada tem em seu currículo os dez anos de experiência como gerente do departamento jurídico da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA).
Preocupação
A aprovação do projeto é vista com grande preocupação por parte do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Em março deste ano, o conselho encaminhou à Presidência da República um pedido de intervenção para que o projeto fosse arquivado. No documento, o presidente do Consea, Renato Maluf, afirma que a tecnologia terminator representa “graves ameaças” para a agricultura familiar e populações tradicionais, sendo ameaça também à “soberania e segurança alimentar e nutricional”.
“Considerando que a liberação da tecnologia genética de restrição de uso (Gurts), conhecida como terminator, e considerando que o governo brasileiro posicionou-se favoravelmente pela manutenção da moratória internacional à tecnologia terminator, em 2006, o Consea recomenda ao Presidente da República que interceda pelo arquivamento do projeto de lei”, diz Maluf. Veja a íntegra do documento
Em resposta ao Consea, segundo a assessoria do conselho, a Presidência da República afirmou que o governo brasileiro reafirma sua posição como signatário da moratória àquelas sementes transgênicas. Em relação ao arquivamento do projeto, no entanto, não houve manifestação do Palácio do Planalto e a proposta segue tramitando no Congresso.
O projeto está na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, pronto para ser votado. Neste ano, a proposta entrou na pauta de votações por três vezes, mas não chegou a ser apreciada. De acordo com o trâmite legislativo, o projeto de Vaccarezza precisa passar ainda pela Comissão de Ciência e Tecnologia e pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Leia também:O 'Satã da agricultura' no pódio da Forbes
Continuação desta reportagem:
Liberação de sementes divide opiniões   

Vaccarezza reafirma negativa de projeto sob influência de lobby
Advogada muda versão e nega ser coautora de projeto
*Nota de esclarecimento ao leitor
Esta matéria foi atualizada na sexta-feira, 24 de dezembro de 2010, às 18h19. A atualização foi feita na referência sobre a atuação da advogada Patrícia Fukuma. Na reportagem, publicada no dia 22 de dezembro de 2010, Patrícia Fukuma aparece como “advogada da multinacional Monsanto”.Em nota ao site, após a publicação da matéria, a advogada afirmou que não é “nem nunca fui advogada da Monsanto”.A nota da advogada, no entanto, contradiz a informação passada à reportagem no último dia 21 de dezembro, por meio da assessoria da Monsanto Brasil, e confirmada pelo escritório da própria advogada no mesmo dia.Em ligação gravada, a assessoria da multinacional informou que Patrícia seria uma das “pessoas que atende a Monsanto” em relação ao tema tratado pela reportagem.No dia 22, após a publicação da matéria, a assessoria voltou atrás e disse que a informação de que Patrícia Fukuma é advogada da Monsanto “não procede”. A assessoria atribuiu o erro a um “ruído de comunicação”.Esta nota de esclarecimento ao leitor, portanto, é somente para informar que, até que os fatos sejam elucidados, a advogada será citada nesta reportagem como conselheira do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB).
Esse conselho tem como associadas as multinacionais Monsanto Brasil, BASF, Bayer Cropscience, DuPont do Brasil, Arborgen Ltda e outras. (
Veja a lista dos associados do CIB).
O site Congresso em Foco informa também que novas apurações sobre o caso reportado na matéria estão sendo feitas.

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