Congresso
A disputa em torno do PL do
Marco Civil vai além das questões de espionagem. O lobby das empresas
de telecomunicações pretende acabar com o modelo de Internet
historicamente constituído e consolidado
O
projeto de lei (PL), que prevê a criação do Marco Civil da Internet
(2.126/2011), foi apresentado pelo governo federal como umas das
principais respostas às denúncias de que o governo dos Estados Unidos
teria montado um esquema de espionagem que incluiria a interceptação de
dados em diversos países, inclusive no Brasil.
No entanto, a
disputa em torno do PL do Marco Civil vai além das questões de
espionagem. O lobby das empresas de telecomunicações – que são,
inclusive, acusadas de participar do esquema de monitoramento do governo
americano – pretende acabar com o modelo de Internet historicamente
constituído e consolidado, sobretudo, nos acessos fixos.
Internet livre,
neste caso, significa que os usuários têm direito a contratar o serviço,
podendo navegar à vontade na velocidade que escolheram, sem nenhum tipo
de interferência ou limitador. Essa garantia ficou conhecida como
“neutralidade de rede”. Ou seja, a rede não deve dar tratamento
diferenciado a ninguém.
Fazendo um
paralelo com uma estrada, a operadora estaria proibida de cobrar pedágio
de uns e não de outros. Pois é exatamente o que propõem as empresas de
telecomunicações. Elas querem ter total controle sobre o tipo de
conteúdo que trafega na Internet. Isso atenta contra uma característica
fundamental da rede, coloca o poder de escolha do acesso nas mãos das
operadoras e traz dois tipos de prejuízos.
O primeiro é mais
direto para o usuário. Seriam criadas “classes” de clientes conforme um
volume de dados, não pela velocidade. Quem usar mais (para baixar
músicas, vídeos) paga mais. Os pacotes mais baratos (e mais acessíveis à
grande maioria dos internautas) teriam poucos aplicativos, e-mails e
acesso a sites, entre outras coisas. Seria como fazer da Internet uma TV
a Cabo, você conseguiria acessar o que o seu poder aquisitivo permitir.
Além disso, a
criação de “franquias de dados” poderia fazer com que as empresas de
infraestrutura segurassem investimentos. Quando a rede estiver saturada,
a velocidade cai. Esse modelo freia o desenvolvimento do país. Em um
cenário no qual a empresa tem que assegurar o tráfego em uma velocidade
contratada, sem limite de dados, ela precisa ampliar a rede para poder
vender mais pacotes. Isso evita o risco de “apagões” e melhora a
qualidade do serviço.
Essa mudança
patrocinada pelas operadoras feriria o princípio de que o direito de
escolha do que acessar é do usuário. Poderia, ainda, trazer aumento do
preço dos pacotes com mais capacidade de uso. O Brasil iria na contramão
do mundo, que caminha para assegurar um acesso na web cada vez maior e
com mais velocidade.
O segundo
prejuízo é para a democracia. As operadoras poderiam discriminar os
sites, facilitando a visualização de uns em detrimento de outros. Com
isso, os grandes conglomerados de mídia, que tivessem dinheiro para
fazer acordos com as empresas de telecomunicação, teriam acesso
“facilitado”. Por exemplo: a pessoa preferiria acessar o portal Terra, e
não um blog, porque o primeiro demoraria menos tempo para baixar. Ou
optaria pelo Gmail, e não por um provedor local, porque o primeiro seria
mais rápido.
As empresas de
telecomunicação pressionam agora o governo e os parlamentares para
incluir a franquia de dados no artigo 9º do substitutivo do deputado
Alessandro Molon (PT-RJ), relator da matéria. Querem colocar uma
garantia de mercado em algo que deveria ser a carta de princípios da
Internet no país. Com o modelo de negócios, ameaçam a Internet em um de
seus pilares mais fundamentais. E avançam sobre o controle da rede, o
que, como as denúncias de Edward Snowden já mostraram, abre espaço para a
invasão da privacidade dos usuários.
Enquanto isso, a
campanha 'Banda Larga é um Direito Seu' cobra do governo, do relator e
de deputados a necessidade de assegurar a neutralidade de rede no texto
que vai à votação. Uma luta difícil e que precisa do apoio de quem quer
continuar a acessar a Rede Mundial de Computadores sem ter que pagar
pedágios (visíveis ou não).
Quer saber como
começar? Divulgue que a nossa Internet está em risco. E cobre do seu
parlamentar o apoio ao Marco Civil com a neutralidade de rede.
Jonas Valente é membro do Conselho Diretor do Intervozes e mestre em Comunicação Social.
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