Pela primeira vez foi realizada uma audiência pública para tratar da autorização de novas outorgas de televisão aberta. Depois de 50 anos com os mesmos operadores, a digitalização proporcionará maior diversidade na TV uruguaia
por Intervozes
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publicado
05/08/2013 16:03,
última modificação
06/08/2013 08:39
Por Bruno Marinoni*
O dia 31 de julho foi marcado no Uruguai pelo que,
para alguns, já pode ser considerado um feito histórico. O leitor deve
estar pensado que nos referimos à legalização da produção e do consumo
de maconha, inegavelmente um marco na luta antiproibicionista no mundo.
Trata-se, porém, de outro fato, praticamente ignorado pela mídia
brasileira, por motivos óbvios.
Pela primeira vez naquele país foi realizada uma audiência pública
para tratar da autorização de novas outorgas de televisão aberta. Seis
propostas para explorar a chamada “TV digital terrestre”
(diferenciando-se da TV por assinatura por satélite e por cabo) no
Uruguai foram analisadas e discutidas de forma transparente pela
sociedade. Todo e qualquer cidadão e cidadã pôde dirigir suas questões e
tirar suas dúvidas junto às candidatas, num evento que foi transmitido
ao vivo pela internet.
As três outorgas solicitadas pelos grupos das
empresas Monte Carlo TV, Saeta TV e La Tele (Teledoce), que possuem as
principais emissoras de televisão analógica e se encontram nas mãos da
família Salvo, do grupo Fontaina-De Feo e da família Scheck há mais de
50 anos, foram dispensados por decreto de serem submetidos ao debate
público. Embora isto demonstre a persistência da força da burguesia
radiodifusora tradicional, a abertura de seis novos canais, por meio de
um processo transparente e participativo pode ser uma aposta na
possibilidade de diluir a força do oligopólio em benefício da
diversidade necessária ao exercício democrático.
Afinal, depois de mais de meio século com os mesmos
operadores de TV, a digitalização proporcionará a abertura de
concorrência e maior diversidade na televisão uruguaia. Ao contrário do
modelo brasileiro, que favoreceu a transmissão digital em alta
definição, sem a possibilidade de abertura no espectro para novos
canais, a digitalização no país vizinho será feita a partir da divisão
equitativa das frequências, incluindo a reserva de um terço do espectro
para o setor comunitário. Assim, de 20 canais disponíveis para a TV
digital em Montevidéu, 7 serão reservados aos meios comunitários, 7 para
os comerciais e 6 para a TV pública, desconcentrando a difusão de
conteúdo, hoje efetuada em 75% por canais comerciais.
Entre os critérios de avaliação e escolha dos
candidatos, prioridade será dada ao impacto da nova outorga para a
diversidade e o pluralismo de meios. Serão considerados, por exemplo, os
compromissos apresentados com a difusão da produção nacional e
independente, a criação de empregos diretos e o cumprimento dos direitos
trabalhistas e a acessibilidade ofertada às pessoas com deficiência.
Pela primeira vez, as emissoras também deverão dar contrapartidas à
exploração lucrativa de um bem público: terão que pagar pelo uso das
frequências, assim como veicular campanhas educativas e de interesse
público em sua programação. As propostas apresentadas também estão
disponíveis para download na página da Presidência da República na internet.
O Uruguai demonstra, assim, mais uma vez, aquilo que já concluímos em artigo anterior:
a América Latina dá passos em direção à democratização da comunicação,
apesar da resistência das burguesias radiodifusoras nacionais e das
ofensivas do capital monopolista internacional no setor.
Enquanto isso, o governo federal brasileiro segue
fazendo ouvido (por que não dizer papel?) de mercador diante da
reivindicação da sociedade civil por diversificação do nosso sistema de
comunicação, que ao longo da sua história serviu para encher os bolsos
de umas poucas dúzias de senhores que tratam das concessões, que são
bens públicos, como se fossem seus feudos.
*Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação e doutor em sociologia pela UFPE.
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