sábado, 7 de dezembro de 2013

CARTA ABERTA À FRENTECOM E AO CONSELHO CONSULTIVO DE RÁDIO DIGITAL


Redigida a partir da Conferência “Espectro, Sociedade e Comunicação 2”, realizada na PUC-Rio entre os dias 26 e 28 de novembro de 2013:
No mundo todo, vários países vêm desenvolvendo pesquisa sobre rádio digital, buscando tanto a melhoria na qualidade da transmissão e recepção de áudio, quanto novos benefícios para a comunicação de seus cidadãos. No Brasil, a exemplo da migração para a televisão digital, uma Portaria do Ministério das Comunicações (290/2010) orienta há mais de dois anos a tomada de decisão sobre a implementação do rádio digital no país, nomeado Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD). Em 2012, com o intuito de assessorar o Governo Federal, foi instaurado por meio da Portaria nº 365 do Ministério das Comunicações o Conselho Consultivo do Rádio Digital, que possui entre suas atribuições a análise dos testes feitos com os diferentes padrões de rádio digital, a análise das inovações tecnológicas e a formulação de políticas industriais para a implantação do rádio digital. Dois padrões tecnológicos se apresentaram ao governo para participar dos testes, e desde então são candidatos para servir como base para a criação do SBRD: o HD Radio, propriedade privada da empresa norte-americana Ibiquity, cujo licenciamento no Brasil é feito pela empresa TellHD, e o Digital Radio Mondiale, padrão aberto mantido por um consórcio internacional de mais de 100 organizações. No entanto, segundo os critérios definidos por aquela Portaria, o HD Radio sequer deveria ser considerado, visto que contradiz em muitos aspectos as diretrizes definidas pelo Ministério, conforme demonstraremos a seguir.
De forma primordial, a Portaria 290 define critérios sociais para o SBRD que, até o momento, estão ausentes no debate iniciado no Conselho do Rádio Digital. Acreditamos ser problemático que a discussão a respeito da escolha do padrão de rádio digital esteja reduzida a um discurso técnico, sendo importante que o CCRD considere em seu trabalho as demandas e necessidades comunicacionais da sociedade brasileira. A legitimidade do SBRD não pode advir somente da mediação dos sinais de rádio, mas deve levar em conta uma reflexão e justificativas mais amplas. Nesse contexto, é essencial que a FRENTECOM se manifeste e tome uma posição clara sobre o assunto, que é de grande relevância para garantir a futura liberdade de expressão pelo espectro eletromagnético. Também faz-se necessário revisitar, no âmbito do CCRD, alguns pontos da portaria que merecem destaque e deveriam estar contemplados no momento da comparação dos critérios técnicos, a saber:
  • promover a inclusão social, a diversidade cultural do País (Art. 3o I)
  • acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação (Art. 3o I)
  • possibilitar a participação de instituições brasileiras de ensino e pesquisa (Art. 3o V)
  • propiciar a criação de rede de educação à distância (Art. 3o VII)
Após três dias de intensos debates entre representantes da academia brasileira, pesquisadores internacionais, integrantes de rádios públicas, comunitárias e livres gostaríamos de compartilhar com vocês algumas recomendações que abrangem tanto a dimensão técnica como social do rádio.
Em relação a escolha entre os dois padrões HD Radio e DRM, defendemos a adoção do padrão DRM como base para o desenvolvimento do SBRD, incluindo o Middleware GINGA como padrão de interatividade, para assim criarmos o primeiro sistema de rádio digital interoperável com a tv digital do hemisfério sul. Para o pleno sucesso do sistema, recomenda-se que os receptores compatíveis com o SBRD estejam aptos a receber todas as faixas de frequência. Segundo nossa reflexão, somente o sistema DRM respeita e leva em consideração, em sua totalidade, a Portaria 290/2010 (em anexo). Apesar de não se mencionar a interatividade no rádio na Portaria 290, propomos a utilização do Ginga como o sistema de interatividade do rádio digital, que será interoperável com a tv digital, pois a possível combinação com o DRM cumprirá com o critério de “estimular a evolução das atuais exploradoras do serviço (Art. 3o II). Durante a Conferência ESC2 foi feita a primeira demonstração pública de um aplicativo interativo Ginga transmitido, recebido e executado utilizando-se o padrão DRM, experimento realizado pelo Lab. Telemídia da PUC-Rio.
Ao mesmo tempo, recomendamos desconsiderar o HD Radio como um possível padrão de rádio a ser adotado no Brasil porque o mesmo não atende à Portaria 290/2010 em vários pontos. Destacamos aqui cinco características deste modelo que estão em desacordo com as exigências definidas naquela Portaria:
  • O codec de áudio é segredo industrial e não cumpre com a exigida transferência de tecnologia prevista na Portaria 290 (Art. 3o IV)
  • Não otimiza o uso do espectro pela sua arquitetura técnica que exige maior largura de banda (Art. 3o VII)
  • Não funciona em todas as faixas de frequência, operando somente em VHF Banda II (FM) e OM (Art. 3o X)
  • Não democratiza a informação e o acesso aos meios de comunicação, visto que não permite a existência de um maior número de emissoras dentro da banda FM ou em outras faixas (Art. 3o I)
  • Exige uma licença para o seu uso, e para sua fabricação, expedido somente por uma empresa norte-americana, o que conduziria a um novo monopólio empresarial (Art. 3o III)
Deste modo, diante da evidente incompatibilidade do HD Radio com a Portaria 290, a plenária da Conferência ESC2 vem a público questionar a realização de testes com um padrão que não atende à Portaria 290/2010. Trata-se de gasto de recursos públicos não justificado, e em contradição com os critérios definidos anteriormente. A opção de se criar um novo padrão de rádio digital também é ineficaz, pois apresenta problemas de escala e sustentabilidade econômica. Do mesmo modo, a adoção de dois sistemas incompatíveis (HD Radio e DRM) também não é uma proposta razoável, visto que o HD Radio não cumpre as exigências da Portaria do Ministério e sua adoção junto com o DRM representaria um notável aumento de royalties nos equipamentos e da complexidadade de fabricação de receptores, encarecendo estes produtos.
Além da escolha de um padrao técnico, gostaríamos de mencionar outros importantes critérios políticos, sociais, econômicos e ecológicos, que deveriam ser levados em conta para o desenvolvimento do SBRD:
  • Que a decisão pelo sistema leve em consideração políticas de desenvolvimento e integração com outros países. Neste sentido, vale mencionar que o padrão DRM já foi adotado pela Rússia, India e África do Sul, que junto com o Brasil e China compõem os BRICS. A adoção de um padrão aberto de rádio digital também abriria a possiblidade de cooperação Sul-Sul ou entre os países-membros do Mercosul.
  • Permitir a multiprogramação e a criação de mais emissoras radiofônicas (possível no caso de um uso mais eficiente do espectro) para contribuir com a pluralidade e diversidade da mídia;
  • Adoção de tecnologias abertas (como o DRM para a base do SBRD) que garantam a incorporação de melhorias desenvolvidas no Brasil, permitindo o desenvolvimento local e estimulando a colaboração com outros países;
  • Que os receptores suportem as tecnologias definidas pela norma do SBRD.
  • Que os receptores funcionem em todas as bandas de radio (OM, OT, OC e VHF), sempre que possível.
  • Que a digitalização permita o pleno cumprimento dos fins sociais de todos os serviços radiofônicos previstos na Constituição e leis específicas brasileiras.
  • Não discriminação de rádios comunitárias e públicas no processo de digitalização do espectro;
  • O DRM exige menor consumo de energia, tornando-o um padrão mais ecológico e econômico que o HD Radio;
  • Exclusão de tecnologias que necessitem de licenças e certificações que saiam da esfera pública;
  • O rádio digital deve reforçar a redução da desigualdade social do país como um dos processos norteadores da decisão do padrão;
  • Que a digitalização do rádio se conceba com a perspectiva de uma nova lei de meios;
  • O SBRD deve permitir novas formas de transmissão de informação, permitindo a interatividade e novos serviços;
  • Sugerir a criação de linhas de financiamento para apoiar a pesquisa, desenvolvimento e implementação do SBRD (assim como existe o Programa BNDES de Apoio à Implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital - BNDES PROTVD) com ênfase especial para o acesso das rádios comunitárias aos equipamentos digitais e dos cidadãos a receptores de rádio digitais a preços razoáveis;
Em face do foco estritamente técnico que as discussões do CCRD tomaram, recomendamos que no momento do anúncio do padrão do SBRD, seja criado o Fórum do SBRD com filiação aberta, gestão democrática e participação da academia (de forma multidisciplinar) e da sociedade civil, dialogando com o Fórum do SBTVD de forma a reposicionar o debate da digitalização da radiodifusão como uma verdadeira contribuição à democratização da mídia brasileira e a plena garantia do direito à comunicação.




Sobre o ESC: Espectro, Sociedade e Comunicação

Em 2011 aconteceu a primeira edição do ESC, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Em 2013, realizaremos a segunda edição na PUC-Rio (Rio de Janeiro, RJ) sob coordenação do Laboratório Telemídia do Departamento de Informática da PUC-Rio em parceria com o Grupo de Pesquisa CTeMe do IFCH-UNICAMP, com a Associação Mundial das Rádios Comunitárias (AMARC-Brasil) e com o Grupo Saravá.org, contando com financiamento da CAPES, através do programa PAEP, e da Open Society Foundations.
Lista da Comissão Organizadora e Comitê Científico.

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