sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O plano de guerra dos EUA para a América Latina

Renan Vega - O Caim da América Latina


Em 20 de Julho de 2009, exatamente no dia em que o regime ilegal de Álvaro Uribe anunciava com grande pompa o início das celebrações do bicentenário da “independência nacional”, apresentaram-se os fatos, a seguir relatados, que desvendam a traição e a indignidade a que chegaram as classes dominantes da Colômbia: no aeroporto da cidade de Cartagena, saíram da pista dois aviões de combate, de fabricação israelense, pertencentes à Força Aérea Colombiana, conduzidos por pilotos de Israel. No mesmo dia, a altas horas da noite, oculto pelas sombras, Álvaro Uribe Vélez recebeu em sua casa uma delegação do governo ditador-golpista de Honduras. Não fosse pelo imprevisto, no primeiro caso, não se teria conhecimento das aeronaves do governo colombiano que eram pilotadas por mercenários sionistas, em nosso território, como expressão do grau de “soberania” que atingiu esse regime. E, não fosse pela tagarelice do ministro de relações exteriores do governo de fato de Honduras, para agradecer a lambição do governo colombiano, tampouco se teria sabido do vergonhoso ato de traição contra o resto de Nossa América.

Mas, esses dois fatos são apenas a ponta do iceberg de uma política constante e incondicional de comprometimento de Uribe com as forças mais retrógradas em nível internacional com diversos acontecimentos, nas últimas semanas, entre os que vale a pena mencionar, as calúnias vis e montagens midiáticas contra os governos do Equador e da Venezuela; as recepções, com honras, ao chanceler-delinqüente de Israel, A. Liberman (a quem, em seu próprio país, chamam de “Vladimir, o matador”, e a quem nenhum governo europeu, e nem mesmo os EUA, quer receber diretamente, considerado presença vergonhosa); o reconhecimento público, a range-dentes, da implantação de sete bases militares dos EUA em nosso território. Todos esses fatos justificam uma análise geral para tratar de entender porque o regime uribista se converteu no Caim da América Latina.


1 - A GUERRA MUNDIAL PELOS RECURSOS DA AMÉRICA LATINA


Diante do esgotamento irreversível dos recursos naturais que possibilitam o funcionamento do capitalismo, cujo centro se encontra nos EUA e UE (União Européia), atualmente as grandes potências livram uma guerra geral, não declarada nem reconhecida, para garantir o controle das últimas reservas desses recursos em todo o território da América Latina - que conta com importantes fontes de recursos de todo tipo: petróleo, gás, minerais, água, madeira, biodiversidade, material genético e humano etc. - que é considerado, pelos EUA, como do seu quintal estratégico e que, apenas hoje em dia, satisfaz, em um quarto, todas as suas necessidades em materiais e energia. Dentro dessa perspectiva, para assegurar-se o controle de tão importante fonte de recursos, os EUA decidiram aumentar sua presença militar no continente e, para tanto, escolheram o território da Colômbia para impor sete bases militares que lhe permitam a mobilização de suas forças aéreas, navais e terrestres através da América do Sul, Central e Caribe e, possibilitando, inclusive, chegar mais rápido ao continente africano.


Contudo, a prioridade imediata para o imperialismo estadunidense é se apoderar dos recursos vitais que se encontram no coração do continente: o petróleo da Venezuela e Equador, e o gás da Bolívia; os minerais e recursos florestais da selva amazônica; a água do aqüífero Guarani e a biodiversidade e riquezas naturais e hídricas da Colômbia (que se cuidem os demais, principalmente o Brasil!)

Se alguém ainda tivesse alguma dúvida a respeito de tais objetivos estratégicos ianques, bastaria observar, no mapa, para comprovar o deslocamento de forças militares ianques pela região: têm uma base militar em Honduras, Soto Cano (ou Palanquero, como era conhecida), de onde prepararam e executaram o golpe contra o governo legal de Manuel Zelaya (e daí realizaram as várias guerras de agressão à Nicarágua, El Salvador, Guatemala e outros, na década de 1980 em diante); contam com as bases militares de Aruba e Curaçao, em pleno Mar do Caribe; dispõem da base de Guantânamo, em território usurpado a Cuba; possuem as bases no Peru e Paraguai e, agora, as sete bases, entre aéreas, marítimas e terrestres, na Colômbia, espalhadas por toda a nossa geografia. E, ainda, há que se somar a isso tudo a reativação da IV Frota de Guerra pelos mares do Continente. Não é necessário consultar nenhum militar para se constatar que o que se está criando é um anel bélico em torno da Venezuela, país ameaçado de maneira extensiva, desde o norte e nordeste, pelas bases caribenhas e pelo ocidente com as instalações militares na Colômbia que, ademais, abre caminho às tropas ianques pelo Pacífico e pela selva amazônica, uma vez que foi fechada a base de Manta, que era mantida no Equador e teve o contrato de concessão revogado por Rafael Correa.


Isso significa, sem sombra de dúvida, que o território colombiano se converteu em porta-aviões terrestre e em porto marítimo da força aérea e naval do imperialismo ianque, cujo objetivo imediato é estabelecer o controle direto do petróleo da Venezuela, que possui uma das mais importantes reservas de hidrocarbonetos do mundo. Inclusive, esse projeto já estava traçado quando, há mais de uma década, delineava-se o mal chamado Plano Colômbia, que vislumbrava, nas palavras de um de seus proponentes, o senador republicano Paul Cover Dale: “Para dominar a Venezuela, é necessário ocupar militarmente a Colômbia”. É isso que começa a se materializar...


É dentro dessa lógica que, circunstancial e oportunamente, vêm ocorrendo as verborragias de Uribe, defendendo com unhas e dentes as tropas invasoras e tentando, anedoticamente, justificar com o surrado pretexto de combate ao narcotráfico e ao “terrorismo” (logo ele, que tem toda a família implicada até o pescoço com os dois!), e que isso é demonstração de “autodeterminação e soberania”. Essa explicação, típica de politólogo andino, contradiz-se com a realidade, onde intervêm as tropas dos EUA: ao contrário de diminuir, o narcotráfico aumenta substancialmente em todo lugar onde se instalam as tropas ianques, como ocorre atualmente em seus enclaves, na Colômbia mesmo e no Afeganistão. Simplesmente, nos últimos oito anos, dispararam tanto a produção como a exportação de narcóticos, como resultado do tal “aumento da ajuda na luta contra as drogas”. Além disso, coloca em xeque a pretensão de tal regime de qualquer melhora na questão da (IN) segurança (ANTI) democrática nesses países, o que revela a pura mentira daquela pretensão e, ainda, com gastos militares exorbitantes, sem conseguirem vencer a guerra contra a insurgência.


De sua parte, Barack Obama, o descolorido presidente dos EUA (Yes, we can!), bem prematuramente deixou demonstrado seu real caráter imperialista, comprovando que, o tão vivamente propalado anúncio sobre uma nova era de paz e concórdia da política exterior dos EUA, não passava de pura falácia, como deixou claro com os episódios de Honduras e Colômbia. Não é de surpreender a atitude descarada que tomou Obama, no melhor estilo bushiano, de negar que vão estabelecer bases militares na Colômbia, que estariam, apenas, melhorando os laços de cooperação com seu principal sócio militar na América Latina. Só se alguém se acometer de alucinação para aceitar que as centenas de militares ianques que já estão na Colômbia, e cujo número vai aumentar em muito nos próximos meses, vieram e virão para fazer veraneio ou praticar esportes radicais. Fábulas do gênero são inaceitáveis para quem enxerga dois palmos diante do nariz, se lembrarmos, por exemplo, que os EUA já contam com nada menos que 1.200 bases e instalações militares espalhadas por todo o globo e que, a partir delas, prepararam e executaram centenas de agressões, ataques, invasões, bombardeios, golpes, perseguições e ocupações de países. Só para ficar no último quarto de século da história: Iraque, Afeganistão, Somália, Panamá, Paquistão e Nicarágua, entre outros...


Conclusão: a instalação de bases militares em solo colombiano sinaliza para o controle e domínio dos recursos estratégicos, para o funcionamento do capitalismo nos centros imperiais, ainda que se tente encobri-la com a nebulosa terminologia de luta contra o narcotráfico e o terrorismo, porque, se assim fosse, de verdade, os EUA deveriam estar bombardeando a si mesmos todos os dias, uma vez que esse país é, ao mesmo tempo, o maior narcotraficante e o maior terrorista do mundo.


2 - DESARTICULAR OS GOVERNOS DE ESQUERDA DA AMÉRICA LATINA


Para tornar possível a plena apropriação dos recursos estratégicos, os EUA desencadearam uma estratégia complementar, que consiste na desarticulação dos governos de esquerda do continente e, nesse sentido, vêm implementando, há vários anos, um planejado processo de desestabilização daqueles governos da América Central e do Sul que vêm tentando, com muito esforço e dificuldade, desenvolver uma política independente dos EUA e solucionar alguns dos problemas históricos que afligem as maiorias pobres de seus países. E tal projeto conta, como era de se esperar, com a oposição raivosa das oligarquias locais e dos EUA, seu chefe maior e indiscutível.


A fim de impedir a consolidação dos projetos nacionalistas, essa aliança criminosa dos vende-pátrias, entreguistas e os ianques, recorre a diversos mecanismos de desestabilização, que vão, desde golpes de Estado “de novo tipo”, como aquele ensaiado, sem sucesso, na Venezuela em 2002, mas que tiveram êxito no pequeno Haiti, em 2004, e na também pequena e pobre Honduras, agora em Junho de 2009. Esse é o mecanismo mais direto, quando se esgotaram todas as outras formas de sabotagem, que inclui propaganda sistemática na mídia, orquestrada a partir dos EUA e da UE, com a participação da imprensa oligárquica do continente, entre elas se destacando a da Colômbia, pelo servilismo. Essa campanha de desprestígio e desinformação massiva apresenta a Venezuela, o Equador e a Bolívia como narcoestados e santuários de terrorismo, e seus presidentes como lunáticos que não sabem o que fazem e só querem impor o comunismo na região. Como nos tempos da Guerra Fria, reaparece, via Miami e Bogotá, o fantasma anticomunista para tergiversar qualquer determinação nacionalista dos governos latino-americanos.


Para o plano de desestabilização interna nos países mencionados, o regime colombiano é o maior colaborador dos EUA em todo o continente, convertendo-se na ponta de lança das forças mais retrógradas e reacionárias, recorrendo aos mais diversos mecanismos de calúnias e mentiras, proporcionadas pelos funcionários de mais elevado escalão e que, infelizmente, têm grande impacto na opinião pública, cada vez mais alienada no seio da sociedade colombiana; violação do direito internacional, primeiramente com seqüestros de colombianos na Venezuela, depois, com o bombardeio criminoso do território equatoriano, tudo isso acompanhado da militarização extrema das relações diplomáticas com os países vizinhos, já que as forças armadas da Colômbia cresceram de maneira vertiginosa, contando com sofisticado armamento bélico vendido pelos EUA, Israel e, inclusive, pelo Brasil, o que a converte num perigo para a paz na região. Isso, na atualidade, adquire contornos dramáticos, levando-se em conta que o regime espúrio de Uribe acredita que todos os problemas se resolvem na ponta das metralhadoras e com os bombardeios, ainda que tenha que massacrar os irmãos dos países vizinhos para se consagrar junto ao império do norte. Não foi por acaso que Uribe foi condecorado, há poucos meses, pelo criminoso internacional, George W. Bush, por sua contribuição à causa da “liberdade e da democracia”, da maneira como os ianques entendem esses conceitos, isto é, matando a granel.


A propósito, vale a pena recordar como, em fins da década de 1930, um embaixador ianque ganhou triste celebridade quando, a respeito do criminoso Anastácio Somoza, que havia transformado a Nicarágua num cemitério, mas que obedecia incondicionalmente às ordens de Washington, disse: “esse ditador é mesmo um filho da puta, mas, é o nosso filho da puta” e, por isso, tinham que apoiá-lo. Com certeza, Barack Obama pode, hoje, dizer o mesmo a respeito de altos funcionários de determinados governos da América Latina, sobressaindo-se, pela abjeção e servilismo, o regime colombiano.

3 - SABOTAR E IMPEDIR OS PROJETOS DE UNIDADE DA AMÉRICA LATINA


À parte as tentativas democratizantes e nacionalistas de alguns governos do continente, que procuram agradar, ao mesmo tempo, os EUA e as oligarquias entreguistas locais, a intenção de impulsionar a unidade continental em diversos setores, entre os quais se inclui, como eixo fundamental, a integração econômica, essas tentativas têm resultado frutíferas, apesar dos ventos e marés em contrário, com a criação, nos últimos anos, da Alternativa Bolivariana para os Povos de Nuestra América (ALBA), o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a União das Nações do Sul (UNASUL), com os quais conseguiram-se importantes avanços, com destaque para a solidariedade demonstrada pela Venezuela, no âmbito energético, em relação a outros povos da região, impulsionando outros projetos conjuntos em matéria sanitária, educativa e tecnológica entre os membros da ALBA, na qual é significativa a participação de Cuba. Como parte desses projetos, sobressai-se a proposta de criação de um Conselho de Defesa dos países sul-americanos e que, desde o início, contou com o rechaço do regime uribista que, a contra gosto, à ultima hora e rangendo os dentes, ingressou na UNASUL.


“Dividir para reinar” é, como se sabe, uma das consignas maiores e favoritas de todos os que, desde os tempos de Bolívar, Artigas, San Martin e Morazán, têm impedido, de forma sistemática, uma autêntica Confederação Latino Americana de Países. E, na vanguarda desse projeto de sabotagem, sempre estiveram os EUA, desde o Congresso Anfictiônico, convocado por Bolívar em 1826. Desde aquela época, e de forma reiterada, os EUA, em aliança com as classes dominantes locais, mantêm a política de balcanização do Continente, a fim de dominarem separadamente cada país, para se apropriarem mais facilmente de suas riquezas.


Então, como agora, em que se está caminhando na direção da unidade, pelo menos em certas áreas, mais uma vez Tio Sam encabeça o projeto de impedi-los e, com esse jaez, alia-se às classes dominantes de todos os países, destacando-se, entre elas, pela sua vileza, a lumpenburguesia colombiana. Esta cumpre, ao pé da letra, seu mandato, impulsionando, a todo custo, o Tratado de Livre Comércio com os EUA e com a UE, passando por cima dos interesses dos países vizinhos, como o Equador e a Venezuela, destruindo a já frágil Comunidade Andina de Nações (CAN), com sua política de buscar aliança com países imperialistas, em detrimento dos sócios comerciais mais próximos, o que obrigou à retirada da Venezuela, em 2006. A Colômbia preferiu comprar soja das transnacionais dos EUA ao invés de da Bolívia, quebrando, com isso, muitos produtores desse país e violando as disposições da CAN. Enquanto isso, Uribe, ao falar em direito à autodeterminação e respeito à soberania colombiana, para tentar justificar o injustificável, como a implantação das bases militares ianques, viola não só a soberania de seu próprio país (que, inclusive é ilegal pela própria Constituição da Colômbia), mas a soberania dos países vizinhos e o direito internacional, com sua política hitlerista, de caráter ianque, de guerra preventiva e pretensa legítima defesa, conforme propalado por um ex-ministro e pré-candidato presidencial, criminoso de guerra e prófugo da justiça equatoriana, para agredir os vizinhos.


Pelo exposto acima, fica claro que o regime colombiano converteu-se na fonte que os EUA precisavam para procurar matar, em seu nascedouro, a UNASUL, e tratar de impedir que a maior parte dos países da América do Sul consiga acertar uma política comum de defesa que teria, como um de seus eixos principais, impedir a intervenção da potência estrangeira e a implantação de bases militares em qualquer país da região. Com isso, os EUA veriam seriamente ameaçada sua hegemonia em seu “quintal”, o que não vão permitir de bom grado, desde o início e, por isso, já estão atuando, como o fizeram em Honduras, derrubando Zelaya, num golpe militar não só contra Honduras, mas contra a ALBA. Não foi por acaso que, conforme mencionamos no início deste artigo, Uribe recebeu, de maneira vergonhosa e indigna, uma delegação dos golpistas, a 20 de Julho passado. Fica, portanto, demonstrado que a lumpenburguesia cria os traidores que o imperialismo junta para atuarem contra a unidade da América Latina.


E, nesse sentido, o regime ilegal que impera na Colômbia está cometendo não só um ato de traição contra seu próprio povo, como também está propagando esse crime pelo resto do Continente, ao se opor, conscientemente, à unidade dos povos da região, crimes bem típicos daqueles que se distinguem pela Síndrome de Caim e que, como dizia José Martí, são como aquele aldeão vaidoso que pensa que “o mundo todo se resume à sua aldeia” e que, “contanto que ele se torne o rei ali, ou que se castigue ao rival que lhe roubou a noiva” ou, ainda “desde que lhe cheguem as economias”, dá-se por satisfeito com a ordem universal, sem saber da existência dos gigantes de sete léguas que lhe podem pisar em cima e muito menos, ainda, sobre a luta dos cometas nos céus e que vão pelo espaço a fora engolindo mundos...

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