terça-feira, 13 de outubro de 2009

O LEGADO DE CHE GUEVARA

BRASIL DE FATO

por Michelle Amaral da Silva última modificação 08/10/2009 14:59

Colaboradores: João Pedro Stedile

Analisando sua obra falada, escrita e vivida, podemos identificar um profundohumanismo. O ser humano era o centro de todas as suas preocupações

08/10/2009

João Pedro Stedile

Em 8 de outubro cumpre-se o aniversário do assassinato de Che Guevara peloexército boliviano. Após sua prisão, em 8 de outubro de 1967, foi executadofriamente, por ordens da CIA. Seria ''muito perigoso'' mantê-lo vivo, poispoderia gerar ainda mais revoltas populares em todo o continente.

Decididamente, a contribuição de Che, por suas idéias e exemplo, não se resumea teses de estratégias militares ou de tomada de poder político. Nem devemosvê-lo como um super-homem que defendia todos os injustiçados e tampoucoexorcizá-lo, reduzindo-o a um mito.

Analisando sua obra falada, escrita e vivida, podemos identificar em toda atrajetória um profundo humanismo. O ser humano era o centro de todas as suaspreocupações. Isso pode-se ver no jovem Che, retratado de forma brilhante porWalter Salles no filme Diários de Motocicleta, até seus últimos dias nasmontanhas da Bolívia, com o cuidado que tinha com seus companheiros deguerrilha.

A indignação contra qualquer injustiça social, em qualquer parte do mundo,escreveu ele a uma parente distante, seria o que mais o motivava a lutar. Oespírito de sacrifício, não medindo esforços em quaisquer circunstâncias, nãose resumiu às ações militares, mas também e sobretudo no exemplo prático. Mesmocomo ministro de Estado, dirigente da Revolução Cubana, fazia trabalhosolidário na construção de moradias populares, no corte da cana, como um cidadãocomum.

Che praticou como ninguém a máxima de ser o primeiro no trabalho e o último nolazer. Defendia com suas teses e prática o princípio de que os problemas dopovo somente se resolveriam se todo o povo se envolvesse, com trabalho ededicação. Ou seja, uma revolução social se caracterizava fundamentalmente pelofato de o povo assumir seu próprio destino, participar de todas as decisõespolíticas da sociedade.

Sempre defendeu a integração completa dos dirigentes com a população. Evitandopopulismos demagógicos. E assim mesclava a força das massas organizadas com opapel dos dirigentes, dos militantes, praticando aquilo que Gramsci já haviadiscorrido como a função do intelectual orgânico coletivo.

Teve uma vida simples e despojada. Nunca se apegou a bens materiais. Denunciavao fetiche do consumismo, defendia com ardor a necessidade de elevarpermanentemente o nível de conhecimento e de cultura de todo o povo. Por isso,Cuba foi o primeiro país a eliminar o analfabetismo e, na América Latina, a alcançaro maior índice de ensino superior. O conhecimento e a cultura eram para ele osprincipais valores e bens a serem cultivados. Daí também, dentro do processorevolucionário cubano, era quem mais ajudava a organizar a formação demilitantes e quadros. Uma formação não apenas baseada em cursinhos de teoriaclássica, mas mesclando sempre a teoria com a necessária prática cotidiana.

Acreditar no Che, reverenciar o Che hoje é acima de tudo cultivar esses valoresda prática revolucionária que ele nos deixou como legado.

A burguesia queria matar o Che. Levou seu corpo, mas imortalizou seu exemplo.Che vive! Viva o Che!

João Pedro Stedile é membro da coordenação nacional do MST e da Via Campesina.









Publicada em:07/10/2009

LARANJAS E GENTE

A imagem aérea de um trator derrubando uma fila de pés de laranja em umgigantesco laranjal parece chocar mais certos setores da sociedade do que avisão de milhares de pessoas sem terra e suas famílias acampadas precariamentesob tendas de plástico preto na beira de várias estradas brasileiras.

Não pretendo dizer com isso que os fins justifiquem os meios, mas após o choqueinicial do poder da imagem disseminada pelos meios que costumam demonizar aluta pela terra, é bom procurar se informar do que realmente aconteceu e quaisas motivações que geraram o ato perturbador.

Desde o dia 28 de setembro, 250 famílias de sem terra estavam acampadas nafazenda onde a Cutrale, uma das maiores empresas do agronegócio brasileiro,planta laranjas. O objetivo da ação era denunciar a ocupação irregular deterras da União pela Cutrale. O MST afirma que a empresa plantou laranjas nafazenda como forma de legitimar a grilagem de área pública. A produtividade dafazenda não poderia esconder a grilagem como ato ilegal e criminoso.

Muito bem. Esta é a versão do MST e cabe verificar se corresponde à verdade. OIncra confirma que já luta há três anos pela recuperação da fazenda ocupadapela Cutrale, assegurando que pertence à União. De acordo com o instituto, afazenda integra um conjunto de terras públicas da União que constituíam oantigo Núcleo Colonial Monção.

Ainda segundo o Incra, o Núcleo Colonial Monção tem sua origem há 100 anos. Foicriado a partir de um grupo de fazendas compradas pela União ou recebidas empagamento de dívidas da Companhia de Colonização São Paulo/Paraná. Essasfazendas somavam aproximadamente 40 mil hectares, nos municípios de Agudos,Lençóis Paulista, Borebi, Iaras e Águas de Santa Bárbara.

A primeira ocupação na região ocorreu em 1995, e dois anos depois o Incrareivindicou a fazenda Capivara, em Iaras, obtendo 30% do imóvel como tutela antecipada,o que resultou, em 1998, na criação do assentamento Zumbi dos Palmares. Em 2007, a Justiça Federalgarantiu ao Incra os 8 mil hectares totais da fazenda.

Verifica-se com isso, que a disputa por estas terras tem mais de 10 anos, e aCutrale se instalou nelas há cerca de cinco anos. Ou seja, tinha conhecimentode que o governo as considerava públicas e mesmo assim levou adiante o seuprojeto de plantio de laranjas. Apesar da origem centenária do núcleo, aCutrale informa que tem a posse legal das terras. Depois que a Justiça concedeua reintegração de posse à Cutrale, no último dia 29, portanto um dia após adestrição dos pés de laranja, o Incra entrou com petição na Justiça Federalcontra a decisão, com base no argumento de que a área de 40 mil hectarespertence à União.

O que se deduz, então, é que a Cutrale plantou suas laranjas em terrasreivindicadas pela União para efeito de reforma agrária. Nesse sentido, a lutado MST é duplamente justa. Primeiro, como denúncia de grilagem em terras públicase depois pela própria terra para assentar trabalhadores.

Pode se questionar a forma de ação do MST, mas sem ela não teria vindo à tona aocupação e uso ilegal de terras públicas. A bancada ruralista no Congressoaproveitou rapidamente a comoção causada pelas imagens para aprovar relatórioda senadora e latifundiária Kátia Abreu abrandando as exigências deprodutividade para que uma fazenda não seja desapropriada para reforma agrária.

Em outra frente de ação, tenta ressuscitar uma CPI para investigar os repassesde recursos públicos a entidades ligadas ao MST. Se o Congresso brasileirorealmente se interessa em saber o que se passa no campo poderia criar uma CPIpara verificar a legalidade de todas as propriedades agrícolas do país e exigirsua imediata devolução em caso de grilagem.





ESCLARECIMENTOS SOBRE ÚLTIMOS EPISÓDIOS VEICULADOS PELA MÍDIA



Sexta feira , 9/9/2009

Diante dos últimos episódios que envolvem o MST e vêm repercutindo na mídia, adireção nacional do MST vem a público se pronunciar.

1. A nossa luta é pela democratização da propriedade da terra, cada vez maisconcentrada em nosso país. O resultado do Censo de 2006, divulgado na semanapassada, revelou que o Brasil é o país com a maior concentração da propriedadeda terra do mundo. Menos de 15 mil latifundiários detêm fazendas acima de 2,5mil hectares e possuem 98 milhões de hectares. Cerca de 1% de todos osproprietários controla 46% das terras.

2. Há uma lei de Reforma Agrária para corrigir essa distorção histórica. Noentanto, as leis a favor do povo somente funcionam com pressão popular. Fazemospressão por meio da ocupação de latifúndios improdutivos e grandespropriedades, que não cumprem a função social, como determina a Constituição de1988.

A Constituição Federal estabelece que devem ser desapropriadas propriedades queestão abaixo da produtividade, não respeitam o ambiente, não respeitam osdireitos trabalhistas e são usadas para contrabando ou cultivo de drogas.

3. Também ocupamos as fazendas que têm origem na grilagem de terras públicas,como acontece, por exemplo, no Pontal do Paranapanema e em Iaras (empresaCutrale), no Pará (Banco Opportunity) e no sul da Bahia (Veracel/Stora Enso).São áreas que pertencem à União e estão indevidamente apropriadas porgrandes empresas, enquanto se alega que há falta de terras para assentartrabalhadores rurais sem terras.

4. Os inimigos da Reforma Agrária querem transformar os episódios queaconteceram na fazenda grilada pela Cutrale para criminalizar o MST, osmovimentos sociais, impedir a Reforma Agrária e proteger os interesses doagronegócio e dos que controlam a terra.

5. Somos contra a violência. Sabemos que a violência é a arma utilizada semprepelos opressores para manter seus privilégios. E, principalmente, temos o maiorrespeito às famílias dos trabalhadores das grandes fazendas quando fazemos asocupações. Os trabalhadores rurais são vítimas da violência. Nos últimos anos,já foram assassinados mais de 1,6 mil companheiros e companheiras, e apenas 80assassinos e mandantes chegaram aos tribunais. São raros aqueles que tiveramalguma punição, reinando a impunidade, como no caso do Massacre de Eldorado deCarajás.

6. As famílias acampadas recorreram à ação na Cutrale como últimaalternativa para chamar a atenção da sociedade para o absurdo fato de que umasdas maiores empresas da agricultura - que controla 30% de todo suco de laranjano mundo - se dedique a grilar terras. Já havíamos ocupado a área diversasvezes nos últimos 10 anos, e a população não tinha conhecimento desse crimecometido pela Cutrale.

7. Nós lamentamos muito quando acontecem desvios de conduta em ocupações, quenão representam a linha do movimento. Em geral, eles têm acontecido por causada infiltração dos inimigos da Reforma Agrária, seja dos latifundiários ou dapolicia.

8. Os companheiros e companheiras do MST de São Paulo reafirmam que não houvedepredação nem furto por parte das famílias que ocuparam a fazenda daCutrale. Quando as famílias saíram da fazenda, não havia ambiente dedepredações, como foi apresentado na mídia. Representantes das famílias quefizeram a ocupação foram impedidos de acompanhar a entrada dos funcionários dafazenda e da PM, após a saída da área. O que aconteceu desde a saída dasfamílias e a entrada da imprensa na fazenda deve ser investigado.

9. Há uma clara articulação entre os latifundiários, setores conservadores doPoder Judiciário, serviços de inteligência, parlamentares ruralistas e setoresreacionários da imprensa brasileira para atacar o MST e a Reforma Agrária. Nãoadmitem o direito dos pobres se organizarem e lutarem.

Em períodos eleitorais, essas articulações ganham mais força política, comoparte das táticas da direita para impedir as ações do governo a favor daReforma Agrária e "enquadrar" as candidaturas dentro dos seus interessesde classe.

10. O MST luta há mais de 25 anos pela implantação de uma Reforma Agráriapopular e verdadeira. Obtivemos muitas vitórias: mais de 500 mil famílias detrabalhadores pobres do campo foram assentados. Estamos acostumados a enfrentaras manipulações dos latifundiários e de seus representantes na imprensa.

À sociedade, pedimos que não nos julgue pela versão apresentada pela mídia. NoBrasil, há um histórico de ruptura com a verdade e com a ética pela grandemídia, para manipular os fatos, prejudicar os trabalhadores e suas lutas edefender os interesses dos poderosos.

Apesar de todas as dificuldades, de nossos erros e acertos e, principalmente,das artimanhas da burguesia, a sociedade brasileira sabe que sem a ReformaAgrária será impossível corrigir as injustiças sociais e as desigualdades nocampo. De nossa parte, temos o compromisso de seguir organizando os pobres docampo e fazendo mobilizações e lutas pela realização dos direitos do povo àterra, educação e dignidade.


São Paulo, 9 de outubro de 2009

DIREÇÃO NACIONAL DO MST

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