Atilio Borón*, especialista em geopolítica
“Os
governos do Brasil, Argentina, Chile ou Uruguai consideram que a
solução dos problemas do capitalismo se encontram no próprio capitalismo”
Zazpika-Gara (resumo da entrevista à Rebelión)
Atilio
Borón é um dos grandes nomes da sociologia latino-americana
contemporânea. Nasceu em Buenos Aires em 1943; suas obras se esgotam
nas livrarias rapidamente. Talvez porque não seja um professor
convencional e suas reflexões insistem na necessidade de transformar a
realidade, trabalhando por um mundo melhor. Um mundo no qual este
“continente de esperança”, como o definira Salvador Allende, seja um
exemplo de que realmente é possível viver sem que o “mercado” regule nossas vidas e nossos sonhos.
Joseba
Macías (JM) - Uma novidade significativa na América Latina que você bem
conhece, é que boa parte dos países do continente passaram a ser
governados por organizações que resultam do que poderíamos chamar de
uma “reflexão socialista”. Ritmos, tradições e matizes diversas, sem
dúvida, mas algo impensável há pouco tempo atrás.
Atilio
Borón (AB) - Falando de socialismo em toda a sua extensão, realmente só
temos como país socialista, no momento, Cuba. Logo depois há três
governos, Venezuela, Equador e Bolívia, que desenvolveram processos de
construção da alternativa socialista, processos muito diferentes entre
si. E mais, por sorte, no momento no qual já não há mais modelos a
copiar. O caso boliviano, por exemplo, se sustenta sobre uma
extraordinária capacidade de organização que vem da época
pré-colombiana e que deixou em maus lençóis todos os sociólogos
pós-modernos que entenderam o ascenso de Evo Morales como uma
manifestação precisamente pós-moderna... Na Venezuela, sem embargo, não
há uma tradição organizativa nem pré-colombiana, nem pós-colombiana, o
que explicaria a importância do papel da liderança de
Hugo Chávez. Também Rafael Correa, no Equador, formado no cristianismo
progressista da Universidade de Lovina e mais tarde doutorado em
Economia em Illinois... Na minha opinião, o resto vai em outra direção.
Os governos do Brasil, Argentina, Chile ou Uruguai consideram que a
solução dos problemas do capitalismo se encontram no próprio
capitalismo. Na Argentina, por exemplo, não resta nenhuma dúvida quando
você ouve Kirchner falar. No Brasil, em dois séculos de história do
sistema bancário, nunca esse sistema foi tão rentável para o grande
capital como nos anos de Lula no poder. Representam mecanismo
adaptativos dentro do próprio capitalismo.
Agora:
também é certo que estes governos são um suporte fundamental para
aqueles outros que citava no início e que estão trabalhando por uma
alternativa verdadeiramente socialista. Esse é um fato real e objetivo
e a isso não é estranha a forte pressão popular que, desde a base, se
desenvolve nos países como Argentina e Brasil. Sem esquecer que todos
estes governos da chamada “centro-esquerda” que foram tímidos,
pró-capitalistas e amigos dos norte-americanos, correm nos próximos
meses sérios riscos de serem desalojados do poder. Entretanto, os
governos que levaram adiante com mais audácia processos de mudança,
reformando a constituição, a economia, as instituições ou convocando
plebiscitos de forma permanente, estão todos muito fortes. Alguma lição
haveria de retirar de tudo isso, por exemplo, que quando não és
valente, o povo te dá as costas. Os povos preferem o original à cópia.
JM
- Gostaria de conhecer também a sua opinião sobre o papel jogado na
América Latina pela social-democracia espanhola. Na distância, ao
menos, dá impressão de que sua influência é realmente importante na
hora de salvaguardar os interesses econômicos das empresas espanholas
na região ou de exportar “receitas políticas”.
AB
- Sem dúvida nenhuma. A socialdemocracia espanhola basicamente é uma
cortina de fumaça que esconde a proteção das políticas de saque que
estão levando a cabo muitas das empresas espanholas ali localizadas. Ai
está o caso da Repsol, por exemplo. Ou o da Iberia, quando comprou os
aviões da Aerolíneas Argentinas e seus escritórios por todo o mundo.
Esta socialdemocracia nos vendeu também o modelo do Pacto de Moncloa,
como exemplo a “exitosa” transição espanhola e vem apropriando-se
paralelamente de muitos meios de comunicação em nome do grupo Prisa que
ficaram sujeitos aos grandes ditames dos Estados Unidos: rádios,
televisões, diários, revistas, livros escolares... Como no Estado
Espanhol. Só que, na América Latina, o fato se agrava pelas condições
de pobreza, de atraso cultural, etc.
JM - Na longa lista de países nos quais estão presentes estes interesses não podemos esquecer a Colômbia...
AB:
- Exatamente. Sustentando a presença das empresas espanholas com a
ajuda desse criminoso comum chamado Álvaro Uribe. Publiquei diversas
reflexões e ensaios sobre Uribe, alguns baseados nos documentos
desclassificados pelos próprios EUA. Fica claro que já desde 1991, nos
informes do DEA, é o homem que articula as relações entre o cartel de
Medellín e o Governo colombiano para facilitar os negócios da droga. E
isso o disse o próprio DEA. O dossiê de lá para cá é incrível . E aí
está a socialdemocracia espanhola apoiando tudo isso... E sem que
possamos chegar a explicar diretamente ao povo espanhol, porque o
controle dos meios de comunicação é absolutamente feroz.
JM
- Terminando, se lhe parecer adequado, falando desta crise planetária
que, paradoxalmente, parece fortalecer uma vez mais as opiniões
eleitorais dos partidos conservadores em todo o mundo. Como se explica
este fenômeno?
AB
- Creio que a chave de tudo isso é o reflexo da grande vitória
ideológica que o neoliberalismo conseguiu nos últimos quarenta anos.
Ficou estabelecido que qualquer alternativa que não seja capitalista
representa um delírio, uma aventura, uma salto no vazio. Creio que esta
crise não vai ter a forma de um “V”, como dizem alguns, mas um “L” como
já ocorreu no Japão a partir da década de 90. Estamos ante uma crise
profunda e de muita longa duração. Você acredita que o G20 pode
resolvê-la? É absolutamente patético. Nós instruímos os médicos que
envenenaram-nos para nos dar o remédio, a curar...
Em
definitivo, creio que estamos ante uma crise muito mais grave que as
duas crises anteriores, a de 1929 e a de 1973. Em primeiro lugar porque
nenhuma destas crises coincidiu com uma crise energética. E mais, em
paralelo se desenvolve uma crise alimentar que não tem proporções. Na
Europa, na África, na Ásia, na América Latina observamos motins
motivados pela fome... Enquanto se utiliza uma área cada vez maior de
terra para produção de biocombustíveis. Um exemplo: o pacto Bush-Lula
firmado em São Paulo no ano de 2007... E finalmente vamos adicionar o tema das alterações climáticas para entender que esta crise não teve paralelo na história.
Dado
este estado de coisas, só podemos pensar na construção de uma
verdadeira economia pós-capitalista. Chamemos-lhe como quisermos, se
trata definitivamente de avançar no processo de desmercantilização de
maneira muito acelerada. Não podemos continuar com critérios mercantis
para regular a relação entre nossas sociedades e a natureza. E este
deve ser um princípio básico do mundo a construir: desmercantilizar a
natureza, a saúde, a educação, a segurança social ....
Rebelión publicou este artigo com a permissão do autor, respeitando sua liberdade para publicá-lo em outras fontes.
O original encontra-se em: http://www.rebelion.org/ noticia.php?id=96979
*Politólogo e Sociólogo argentino. Site: http://www.atilioboron.com.
Traduzido por: Dario da Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário