Muita história
pra contar
E passaram voando os
quase 365 dias depois do último Dezoito de Maio quando, mais uma vez,
com graça e beleza, o movimento antimanicomial de Minas Gerais marcou
o ápice da luta Por uma Sociedade sem Manicômios.
Em meio às manifestações
do “dezoitão” de 2009, num evento no Senado, em Brasília, correntes
conservadoras pediram e propuseram o retrocesso dos avanços da Reforma
Psiquiátrica, considerando apenas as dificuldades, sem levar em conta
as nossas conquistas e os avanços históricos da política pública
de saúde mental no país.
E prá balançar as
estruturas, textos do Ferreira Goulart, através de veículos de comunicação de
circulação nacional, colocaram em xeque o que construímos e vivenciamos
todos os dias nos serviços substitutivos. Críticas que destituíam
de maneira leviana anos de conquistas de usuários, familiares, trabalhadores
e militantes.
A nossa resposta veio
à altura. Partimos em defesa do que acreditamos. O fizemos através dos
blogs, e-mails e das cartas não publicadas pela mídia. E fomos mais
longe. Minas levou a Brasília 23 ônibus para a “Marcha dos Usuários
por uma Reforma Psiquiátrica Antimanicomial”. Retomamos os princípios
da luta, a mobilização pelo país afora e o protagonismo dos usuários,
herdeiros daquilo que começou com os especialistas, seus porta-vozes,
até a construção da condição para que esses mesmos usuários-cidadãos
pudessem falar de si e por si mesmos.
Essa é a luta por
delicadeza que fazemos, uma luta que não é fácil, e muito menos simples.
É vanguardeira e corajosa, porque desafia o conforto dos saberes, balança
a acomodação dos conservadores e propõe uma outra sociedade, aquela
onde não existam manicômios simbólicos, mentais, virtuais e tampouco
os concretos, feitos de pedra e cimento.
E 2010 promete! A IV
Conferência Nacional de Saúde Mental, uma das reivindicações da
Marcha a Brasília, acontecerá, ainda no 1º semestre, em meio à construção
e a realização do Dezoito de Maio. Por isso iniciamos mais cedo. E
a manifestação pelo Dia Nacional da Luta Antimanicomial do ano de
2010 em Belo Horizonte já tem forma e conteúdo, construídos democrática
e coletivamente pelos membros da comissão organizadora. Aqui o tom
é a diversidade e as cores são as da liberdade de se expressar em
cena, dizer o que se sente, desconsertando o previsível.
Esquentando os tamborins,
vamos colocar nosso bloco na rua. Já temos a data para a realização
dos concursos de samba de enredo e escolha da rainha de bateria.
Serão no dia 17 de abril. Já está disparado o processo! Lembramos
também que é chegada a hora de cada serviço, grupo de usuários,
parceiros de militância, e todos que como nós animam este “18 de
maio”, escolher em qual ala desejam ficar.
E pra iniciar o processo
criativo, estimular as pesquisas, convidar os compositores e animar
as alas, preparamos este breve texto que fala um pouquinho do processo
de concepção do desfile deste ano. Boa leitura a todos(as)!
Há em ti, Há em mim
Milton Santos foi um
brilhante geógrafo, intelectual e pensador das grandes questões da
humanidade. Ele era baiano, de lá saiu e, contra todas as previsões
da dura realidade de nosso país, dado ser ele negro e nordestino, desbravou
o mundo, inovou o pensamento da geografia e das próprias ciências
humanas, e, principalmente nos fez a todos um convite ao pensamento
crítico sobre a nossa realidade. Em uma de suas últimas entrevistas
diz que escolheu a geografia por sua opção pelo movimento e por sua
paixão pela história e seus processos contraditórios. Milton Santos
era um sujeito que sabia que nada se move por acaso e que não somos
barco sem leme, soltos ao sabor do vento.
Das temáticas que
tratou, uma que tomamos aqui emprestada é a idéia de território.
Milton tratou os territórios como a matriz da vida social, econômica
e política dos povos. Quanto olhava para um lugar não via apenas a
geografia das formações geológicas e topográficas, das faunas e
floras, do clima e dos fenômenos naturais. Via também sobre este lugar
um povo e sua história, suas contradições, suas disputas, as relações
de poder, via aqueles que oprimem e aqueles que lutam em sinal de resistência.
A construção do “18
de maio” começou neste ano de 2010 com uma bela reflexão sobre nossa
realidade, uma análise de nossa conjuntura. Em nosso primeiro encontro,
dia 20 de janeiro de 2010, estarrecidos estávamos todos com uma tragédia
em um país caribenho, latino-americano, o Haiti, em que mais de 300
mil pessoas morreram, além de toda a devastação ocorrida e o desespero
dos sobreviventes. Falávamos acometidos por todo o horror deste terremoto
noticiado 24 horas por todos os veículos de informação a que temos
acesso habitualmente. Nas televisões, rádios, jornais, internet, cenas
de desespero de um país em ruínas. E ficamos todos a nos sentir meio
impotentes diante do movimento natural da terra, que não controlamos,
movimento de placas tectônicas que o tempo todo se esbarram, soltas
que estão no imenso mar de lava das regiões mais centrais do planeta.
Mas como aprendemos
geografia com Milton Santos, sabemos que o abalo sísmico atingiu um
território, o Haitiano, seu povo, sua cultura, sua história. Mas que
país é este e o que ele nos faz pensar? O que causa em nós, tão
próximos e tão distantes deste território? E assim como Milton Santos,
novamente, nos interessamos por tudo aquilo que é movimento. O movimentar
das placas tectônicas não nos deixou boquiabertos diante do imponderável.
Nos fez lembrar que tudo está em movimento e tais quais placas que
se atracam e que causam terremotos é feito o curso da história. Muitas
vezes algo tem que se chocar para que uma nova realidade se produza.
Tomamos o movimento das placas tectônicas e os abalos que elas produzem
como uma metáfora de toda contradição que se produz no encontro das
diferentes formas de se entender a humanidade e a civilização. E que
depende fundamentalmente de nós decidirmos o que faremos com os destroços
que ficam destes terremotos.
Ficou exposta a insensibilidade
dos governos no mundo globalizado. Um terremoto teve que acontecer no
Haiti para “balançar” a sociedade mundial e que a mesma demonstrasse
um pouco de solidariedade a um povo que já se encontrava de joelhos.
Neste momento estão prostrados e ainda assim lutam pela vida. E o que
neste momento se faz mais necessário é a solidariedade e o cuidado
de um humano com o outro. As bases em que se organiza a sociedade humana
têm aprofundado as desigualdades e apenas um chamado à união entre
os homens poderá alterar esta realidade.
As diversas reações
que esta tragédia provoca nos fazem pensar no sentido desta solidariedade.
A dor do outro que também me dói, aquilo que existe em mim como gérmen
de humanidade e de coletividade. Em meio às diversas manifestações
de piedade e indulgências, aparece o imperativo da solidariedade. Ser
solidário ao Haiti é tratá-lo não como um pedaço de coisa que desmoronou,
mas como um país que tem história, que há anos é ocupado e expropriado,
como tantos outros Haitis mundo afora.
Na luta por uma sociedade
sem manicômios, muitos são os nossos terremotos, muitas são as nossas
lutas de resistência. Somos um movimento solidário, buscamos o direito
de existir em liberdade, ainda que tam tam! E neste ano de 2010 reafirmaremos
a solidariedade como nossa bandeira. Só poderemos ter um mundo sem
manicômios se entendermos que esta é uma luta de todos e que também
se articula com tantas outras lutas. Apoiamos-nos e nos reconhecemos
uns nos outros.
Solidariedade, um imperativo
humano. Não temos tempo a perder, sejamos solidários já! Resgatemos
todas as lutas dos povos contra aquilo que os oprime. Sejamos solidários
com um simples gesto, lutar ao lado de quem resiste. A solidariedade,
enquanto uma novíssima forma de organizar as relações, os coletivos,
a produção, a economia. Apostamos no ser humano. Lembramos a todos:
Solidariedade:Há em ti, há em mim.
18 de maio
– Dia Nacional da Luta Antimanicomial
Tema: Solidariedade:
Há em ti, Há em mim
- 1ª ala (Comissão de Frente) – Ala da Solidariedade: “Me empresta tudo que resta que lhe devolvo sonhos de sobra”
A solidariedade é
o nosso eixo condutor para conceber o “18 de maio” - 2010. E abriremos
o desfile falando justamente sobre esta idéia. A frase-tema surge ao
resgatarmos um belo dizer que figurou em um cartaz de divulgação do
“18 de maio” de anos anteriores. Ela é precisa ao definir, com
delicada poesia, o que entendemos por solidariedade. Podemos imaginar a
possibilidade de um encontro quando aquele que pode ajudar pede como empréstimo
os fiapos de esperança, o pouco ou quase nada que o outro ainda tem,
para devolver sonhos e perspectivas para seguirem em frente, ambos agora
agigantados pelo que trocaram entre si.
Esta será uma ala
que fará a todos o convite a isto que, não nos resta dúvida, é um
imperativo humano. É o momento de convidar a cidade a participar deste
nosso chamado à união e solidariedade para transformar este cenário
de exclusão, que atinge a todos nós, loucos ou não. E dizer que só
existe solidariedade em liberdade: “a liberdade não pira, transpira,
para assim podermos respirar os ares do respeito, da dignidade, do convívio
com a diferença, da circulação e intervenção na cidade”.
- 2ª ala – Ala da experiência da loucura: “Libertar-te da dor, encontrar-te com a cor”
A ala da loucura já
é tradição nos desfiles da escola de samba Liberdade Ainda que Tam
Tam.
Este ano, além de
explorar toda a experiência dos delírios e alucinações, seu lugar
para os sujeitos e acolhimento necessário para as singularidades, queremos
explorar as relações desta experiência da loucura nos encontros com
a arte.
Longe de querermos
cair nos clichês do "artista doidão" ou mesmo da "arte-passatempo",
apontamos a arte como o encontro do ser humano com a possibilidade de
expressão, de transformação de si e do mundo.
Pensamos aqui uma homenagem
e uma interlocução entre a experiência da loucura, que é inerente
à condição humana, e a Semana da Arte Moderna de 1922, quando através
da liberdade, marcou-se o fim das regras em um novo conceito estético. Esse
movimento possibilitou a criatividade não subordinada às regras; com
ele foi possível dizer o que pensamos e pensar no que dizemos. A obra
se manifesta pela singularidade e não pela semelhança a modelos prévios,
permitindo assim o extravasamento da subjetividade.
Outro ponto importante
na construção desta ala é o desejo deste coletivo há um bom
tempo de levar de alguma maneira para o desfile, as obras dos usuários
dos serviços de saúde mental. Valorizar o que se produz nos centros
de convivência, grupos, oficinas, CERSAMs, CAPS, NAPS, associações
de usuários, etc.
- 3ª ala – Ala das crianças e dos adolescentes: “Todas elas cabem no nosso balão”
Falar de solidariedade
para crianças e adolescentes nos trouxe a uma discussão sobre a própria
condição em que eles se encontram em nossa sociedade. Vivemos um mundo
em que a competição entre os seres humanos tornou-se regra, e este
mantra é levado ao limite de introduzirem esta lógica para todos desde
os primeiros anos de todos nós. Desde a cobrança por desempenho escolar,
por habilidades esportivas extraordinárias, a preparação para o vestibular
que já se inicia antes mesmo da alfabetização, as agendas de uma
vida adulta, são todos exemplos de como se cobra que as crianças e
adolescentes se adequem a um padrão burguês de estilo de vida. E junto
disso, quem não cabe neste rol de exigências, seja por que enlouquecem,
seja por que são pobres, ou negros, ou gordos, ou lentos, ou hiperativos,
ou por possuírem qualquer outro rótulo, acabam excluídos do processo
e condenados a periferia da sociedade.
São os que não deram
certo. Será? Qual é a responsabilidade todos nós para virar esse
jogo? Como trazer para a cena a diferença como virtude e a solidariedade
como valor? Então, caminhamos pelas cantigas de roda, pela canção
infantil, para buscar uma simpática afirmação do Balão Mágico:
“Todas elas cabem no nosso balão”. Essa frase vem reafirmar que
toda criança tem direito à infância enquanto um tempo para experimentar,
criar, fantasiar, brincar e ser feliz. Todas têm direito a uma vida
digna, direito a se desenvolver plenamente e todas cabem no mundo com
suas diferenças. Queremos uma sociedade que cuide de suas crianças,
que construa os valores da solidariedade a partir da educação, do
cuidado e do afeto: Todas elas cabem no nosso balão.
- 4ª ala – Ala dos movimentos sociais: “O balanço da loucura aterremota a ditadura da razão”
Os movimentos sociais são
entendidos aqui como as placas tectônicas que se movimentam e nesse balanço
é possível desconstruir algo para provocar o novo. Frutos de uma vontade
coletiva, os movimentos sociais são ações de caráter sociopolítico, e na luta
antimanicomial eles têm o importante papel na construção de outra sociabilidade.
Com o título “O
balanço da loucura aterremota a ditadura da razão”, os movimentos
sociais representam aquilo que com força e energia abalam as estruturas
estabelecidas, denunciando, protestando e lutando por um mundo diferente.
Muitas há que se provocar terremotos nas estruturas e fazer de
seu movimento algo transformador. Os movimentos representam a resistência
em favor da vida ao longo da história. São tenazes em seus objetivos
e solidários na sua construção. Apesar de muitas vezes duramente
atacados, covardemente perseguidos, resistem na sua luta por um mundo
melhor para todos.
É o nosso convite
para que se juntem a nós todos aqueles com os quais construímos laços
de solidariedade. As comunidades de resistência, as mulheres, aos negros,
aos sem-terra, aos estudantes, aos que lutam pelo direito a moradia,
etc. O nosso balanço é o movimento da vida que se contrapõem ao movimento
da morte que o capitalismo produz. Nossa luta é pelo imperativo da
solidariedade.
- 5ª ala – Ala da denúncia: “Que mentira é essa? Quem me tira dessa?”
Denunciar as mentiras
travestidas de verdade, este é o fio condutor desta ala. As discussões
sobre este tema surgiram a partir de uma análise crítica de usuários
e trabalhadores ao projeto de lei do ato médico, que pretende fixar
em lei que ficará ao médico a posição de decidir sobre todos os
rumos de um tratamento de saúde. A alguns olhares menos atentos, passa
desapercebido o retrocesso que tal lei poderia causar a bandeiras importantíssimas
defendidas pelos que lutam por uma saúde integral para todos
e por uma sociedade sem manicômios. Defendemos a integralidade como
princípio do SUS e condição para um tratamento que respeite o vínculo
e multiplicidade dos saberes.
Mas não será
esta, nossa única denúncia. Tantas são elas: "Seja feliz comprando
Xiisss", ou que hospício é um bom lugar, cheio de paz para morar.
A mentira de que a gente só vale pelo que tem; que psicocirurgia, eletrochoque
e a hipermedicalização em moda hoje, só fazem mal ao bolso de quem
paga, mas que vale o investimento. A mentira de que a vida humana resume-se
a questão biológica. Denunciar a falácia de que os governos estão
caminhando para a construção da paz no mundo e que estão deveras
preocupados com a pobreza da grande maioria, e que irão, de verdade,
implementar políticas de preservação ambiental. Desmascarar a fantasia
colorida da eterna juventude e também os atos interesseiros que querem
passar por solidariedade.
- 6ª ala – Ala das conquistas da Luta Antimanicomial: “Basaglia viu e anunciou, Bispo luziu quando endoidou”
E para o grand finalle, a
última ala contará a história da Reforma Psiquiátrica, seus avanços
e desafios até os dias de hoje, começando com um feliz encontro, quando
rompemos fronteiras para dialogar com a experiência mais radical até
então - Trieste na Itália.
A vinda de Basaglia
a Minas Gerais no 3º Congresso Mineiro de Psiquiatria quando, naquele
momento, anunciou para todos nós a possibilidade de uma nova ordem
no sentido da ruptura com a estrutura iatrogênica, violadora dos direitos,
violenta e segregadora em sua essência: o manicômio.
A experiência de Trieste,
a vinda de Basaglia ao Brasil, as denúncias da situação do Hospital
Psiquiátrico de Barbacena, foram um grande terremoto para nós. Fez
colocar abaixo uma fachada de suposto tratamento para expor o horror
que a segregação da loucura produz. E diante dos escombros, a luta
antimanicomial ganha corpo e forma para dizer de sua luta.
"Basaglia viu
e anunciou, Bispo luziu quando endoidou!" é o nome dessa última
ala que vai dizer da conexão Brasil – Itália, cujo resultado propiciou
o tom e forneceu a medida para a concepção do modelo no qual propomos
a superação da escuridão dos porões da loucura.
E tomando emprestado
mais um dos versos do compositor Airton Meireles, afirmamos que "Tá aí,
saiu, a loucura tá nas ruas, tá na noite do Brasil!" E
estaremos lá, em pleno centro da capital de Minas, para dar "mil
vivas pelo que nos aviva!".
Saudações antimanicomiais!!!
Comissão Organizadora
do 18 de Maio de 2010
Agenda Concurso de
Samba de Enredo 18 de Maio 2010.
Prezados,A Comissão Organizadora do Concurso de Samba de Enredo para o 18 de Maio de 2010, cumprindo as tarefas as quais se propôs e lhe foram confiadas, apresenta os seguintes informes:
- O evento para a escolha do samba para manifestação político-cultural pelo Dia Nacional da Luta Antimanicomial será no dia 17 de abril a partir das 9:00hs da manhã.
- O local será o Centro Cultural Parque Lagoa do Nado (a confirmar).
- Data limite para a entrega dos sambas concorrentes será até o dia 25 de março de 2010 às 17:00hs, no Centro de Convivência São Paulo, que fica na Rua Aiuruoca, nº 501 - bairro São Paulo- BH.
- O material produzido (música e letra) deverá estar gravado (fita cassete ou CD) junto com 5 cópias da letra impressa e também de forma digitalizada em disquete ou CD.
- A distribuição dos CDs com a gravação do samba vencedor do concurso será a partir do dia 28 de abril.
- A escolha do samba será realizada por uma Comissão de jurados compostas por 4 músicos, artistas e produtores culturais as cidade e por 1 representante do Fórum Mineiro de Saúde Mental ou da ASUSSAM.
- Os critérios para a escolha do samba serão divulgados o mais breve possível.
A data e o local para as inscrições das passistas e os critérios para a eleição da rainha e princesa serão divulgados posteriormente.
Atenciosamente,
Comissão Organizadora
do 18 de maio 2010
BHZ, 07 de março de
2010.
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