quinta-feira, 11 de março de 2010

18 DE MAIO – Dia Nacional da Luta Antimanicomial - 2010

    Muita história pra contar
E passaram voando  os quase  365 dias depois do último Dezoito de Maio quando, mais uma vez, com graça e beleza, o movimento antimanicomial de Minas Gerais  marcou  o ápice  da luta Por uma Sociedade sem Manicômios.
Em meio às manifestações do “dezoitão” de 2009, num evento no Senado, em Brasília,  correntes conservadoras pediram e propuseram o retrocesso  dos avanços da Reforma Psiquiátrica, considerando apenas as  dificuldades, sem levar em conta as nossas  conquistas e os avanços históricos da política  pública de saúde mental no país.
E prá balançar as estruturas, textos do Ferreira Goulart, através de veículos de comunicação de circulação nacional, colocaram em xeque o que construímos e vivenciamos todos os dias  nos serviços substitutivos. Críticas que destituíam de maneira leviana anos de conquistas de usuários, familiares, trabalhadores e militantes.
A nossa   resposta veio  à altura.  Partimos em  defesa  do que acreditamos. O fizemos através dos blogs, e-mails e das  cartas não publicadas pela mídia. E fomos mais longe. Minas levou a Brasília 23 ônibus para a “Marcha dos Usuários por uma Reforma Psiquiátrica Antimanicomial”. Retomamos os princípios da luta, a mobilização pelo país afora e o protagonismo dos usuários, herdeiros daquilo que começou com os especialistas, seus porta-vozes, até a construção da condição para que esses mesmos usuários-cidadãos pudessem falar de si e por si mesmos.
Essa é a luta por delicadeza que fazemos, uma luta que não é fácil, e muito menos simples. É vanguardeira e corajosa, porque desafia o conforto dos saberes, balança a acomodação dos conservadores e propõe uma outra sociedade, aquela onde não existam manicômios simbólicos, mentais,  virtuais e tampouco os concretos, feitos de pedra e cimento.
E 2010 promete! A IV Conferência Nacional de Saúde Mental, uma das reivindicações da Marcha a Brasília, acontecerá, ainda no 1º semestre, em meio à construção e a realização  do Dezoito de Maio. Por isso iniciamos mais cedo. E a manifestação pelo Dia Nacional da Luta Antimanicomial do ano de 2010 em Belo Horizonte já tem forma e conteúdo, construídos  democrática e coletivamente  pelos membros da comissão organizadora. Aqui o  tom é a diversidade e as cores são as da liberdade  de  se expressar em cena,  dizer o que se sente, desconsertando o previsível.
Esquentando os tamborins, vamos colocar nosso bloco na rua. Já temos a data para a realização dos concursos de samba de enredo e escolha da rainha de bateria. Serão no dia 17 de abril. Já está disparado o processo! Lembramos também que é chegada a hora de cada serviço, grupo de usuários, parceiros de militância, e todos que como nós animam este “18 de maio”, escolher em qual ala desejam ficar. 
E pra iniciar o processo criativo, estimular as pesquisas, convidar os compositores e animar as alas, preparamos este breve texto que fala um pouquinho do processo de concepção do desfile deste ano. Boa leitura a todos(as)!

Há  em ti, Há em mim

Milton Santos foi um brilhante geógrafo, intelectual e pensador das grandes questões da humanidade. Ele era baiano, de lá saiu e, contra todas as previsões da dura realidade de nosso país, dado ser ele negro e nordestino, desbravou o mundo, inovou o pensamento da geografia e das próprias ciências humanas, e, principalmente nos fez a todos um convite ao pensamento crítico sobre a nossa realidade. Em uma de suas últimas entrevistas diz que escolheu a geografia por sua opção pelo movimento e por sua paixão pela história e seus processos contraditórios. Milton Santos era um sujeito que sabia que nada se move por acaso e que não somos barco sem leme, soltos ao sabor do vento.
Das temáticas que tratou, uma que tomamos aqui emprestada é a idéia de território. Milton tratou os territórios como a matriz da vida social, econômica e política dos povos. Quanto olhava para um lugar não via apenas a geografia das formações geológicas e topográficas, das faunas e floras, do clima e dos fenômenos naturais. Via também sobre este lugar um povo e sua história, suas contradições, suas disputas, as relações de poder, via aqueles que oprimem e aqueles que lutam em sinal de resistência.
A construção do “18 de maio” começou neste ano de 2010 com uma bela reflexão sobre nossa realidade, uma análise de nossa conjuntura. Em nosso primeiro encontro, dia 20 de janeiro de 2010, estarrecidos estávamos todos com uma tragédia em um país caribenho, latino-americano, o Haiti, em que mais de 300 mil pessoas morreram, além de toda a devastação ocorrida e o desespero dos sobreviventes. Falávamos acometidos por todo o horror deste terremoto noticiado 24 horas por todos os veículos de informação a que temos acesso habitualmente. Nas televisões, rádios, jornais, internet, cenas de desespero de um país em ruínas. E ficamos todos a nos sentir meio impotentes diante do movimento natural da terra, que não controlamos, movimento de placas tectônicas que o tempo todo se esbarram, soltas que estão no imenso mar de lava das regiões mais centrais do planeta.
Mas como aprendemos geografia com Milton Santos, sabemos que o abalo sísmico atingiu um território, o Haitiano, seu povo, sua cultura, sua história. Mas que país é este e o que ele nos faz pensar? O que causa em nós, tão próximos e tão distantes deste território? E assim como Milton Santos, novamente, nos interessamos por tudo aquilo que é movimento. O movimentar das placas tectônicas não nos deixou boquiabertos diante do imponderável. Nos fez lembrar que tudo está em movimento e tais quais placas que se atracam e que causam terremotos é feito o curso da história. Muitas vezes algo tem que se chocar para que uma nova realidade se produza. Tomamos o movimento das placas tectônicas e os abalos que elas produzem como uma metáfora de toda contradição que se produz no encontro das diferentes formas de se entender a humanidade e a civilização. E que depende fundamentalmente de nós decidirmos o que faremos com os destroços que ficam destes terremotos. 
Ficou exposta a insensibilidade dos governos no mundo globalizado. Um terremoto teve que acontecer no Haiti para “balançar” a sociedade mundial e que a mesma demonstrasse um pouco de solidariedade a um povo que já se encontrava de joelhos. Neste momento estão prostrados e ainda assim lutam pela vida. E o que neste momento se faz mais necessário é a solidariedade e o cuidado de um humano com o outro. As bases em que se organiza a sociedade humana têm aprofundado as desigualdades e apenas um chamado à união entre os homens poderá alterar esta realidade.
As diversas reações que esta tragédia provoca nos fazem pensar no sentido desta solidariedade. A dor do outro que também me dói, aquilo que existe em mim como gérmen de humanidade e de coletividade. Em meio às diversas manifestações de piedade e indulgências, aparece o imperativo da solidariedade. Ser solidário ao Haiti é tratá-lo não como um pedaço de coisa que desmoronou, mas como um país que tem história, que há anos é ocupado e expropriado, como tantos outros Haitis mundo afora.
Na luta por uma sociedade sem manicômios, muitos são os nossos terremotos, muitas são as nossas lutas de resistência. Somos um movimento solidário, buscamos o direito de existir em liberdade, ainda que tam tam! E neste ano de 2010 reafirmaremos a solidariedade como nossa bandeira. Só poderemos ter um mundo sem manicômios se entendermos que esta é uma luta de todos e que também se articula com tantas outras lutas. Apoiamos-nos e nos reconhecemos uns nos outros.
Solidariedade, um imperativo humano. Não temos tempo a perder, sejamos solidários já! Resgatemos todas as lutas dos povos contra aquilo que os oprime. Sejamos solidários com um simples gesto, lutar ao lado de quem resiste. A solidariedade, enquanto uma novíssima forma de organizar as relações, os coletivos, a produção,  a economia. Apostamos no ser humano. Lembramos a todos: Solidariedade:Há em ti, há em mim. 
18 de maio – Dia Nacional da Luta Antimanicomial
Tema: Solidariedade: Há em ti, Há em mim
  • 1ª ala (Comissão de Frente) – Ala da Solidariedade: “Me empresta tudo que resta que lhe devolvo sonhos de sobra”
A solidariedade é  o nosso eixo condutor para conceber o “18 de maio” - 2010. E abriremos o desfile falando justamente sobre esta idéia. A frase-tema surge ao resgatarmos um belo dizer que figurou em um cartaz de divulgação do “18 de maio” de anos anteriores. Ela é precisa ao definir, com delicada poesia, o que entendemos por solidariedade. Podemos imaginar a possibilidade de um encontro quando aquele que pode ajudar pede como empréstimo os fiapos de esperança, o pouco ou quase nada  que o outro ainda tem, para devolver sonhos e perspectivas para seguirem em frente, ambos agora agigantados  pelo que trocaram entre si.
Esta será uma ala que fará a todos o convite a isto que, não nos resta dúvida, é um imperativo humano. É o momento de convidar a cidade a participar deste nosso chamado à união e solidariedade para transformar este cenário de exclusão, que atinge a todos nós, loucos ou não. E dizer que só existe solidariedade em liberdade: “a  liberdade não pira, transpira, para assim podermos respirar  os ares do respeito, da  dignidade, do convívio com a diferença, da circulação e intervenção na cidade”. 
  • 2ª  ala – Ala da experiência da loucura: “Libertar-te da dor, encontrar-te com a cor”
A ala da loucura já  é  tradição nos desfiles da escola de samba Liberdade Ainda que Tam Tam.
Este ano, além de explorar toda a experiência dos delírios e alucinações, seu lugar para os sujeitos e acolhimento necessário para as singularidades, queremos explorar as relações desta experiência da loucura nos encontros com a arte.
Longe de querermos cair nos clichês do "artista doidão" ou mesmo da "arte-passatempo", apontamos a arte como o encontro do ser humano com a possibilidade de expressão, de transformação de si e do mundo. 
Pensamos  aqui uma homenagem e uma interlocução entre a experiência da loucura, que é  inerente à condição humana, e a Semana da Arte Moderna de 1922, quando através da liberdade, marcou-se o fim das regras em um novo conceito estético. Esse movimento possibilitou a criatividade não  subordinada às regras;  com ele foi possível dizer o que pensamos e pensar no que dizemos. A obra se manifesta  pela singularidade e não pela semelhança a modelos prévios, permitindo assim  o extravasamento da subjetividade.
Outro ponto importante na construção desta ala é o desejo deste coletivo há um bom tempo de levar de alguma maneira para o desfile, as obras dos usuários dos serviços de saúde mental. Valorizar o que se produz nos centros de convivência, grupos, oficinas, CERSAMs, CAPS, NAPS, associações de usuários, etc. 
  • 3ª ala – Ala das crianças e dos adolescentes: “Todas elas cabem no nosso balão”
Falar de solidariedade para crianças e adolescentes nos trouxe a uma discussão sobre a própria condição em que eles se encontram em nossa sociedade. Vivemos um mundo em que a competição entre os seres humanos tornou-se regra, e este mantra é levado ao limite de introduzirem esta lógica para todos desde os primeiros anos de todos nós. Desde a cobrança por desempenho escolar, por habilidades esportivas extraordinárias, a preparação para o vestibular que já se inicia antes mesmo da alfabetização, as agendas de uma vida adulta, são todos exemplos de como se cobra que as crianças e adolescentes se adequem a um padrão burguês de estilo de vida. E junto disso, quem não cabe neste rol de exigências, seja por que enlouquecem, seja por que são pobres, ou negros, ou gordos, ou lentos, ou hiperativos, ou por possuírem qualquer outro rótulo, acabam excluídos do processo e condenados a periferia da sociedade.
São os que não deram certo. Será? Qual é a responsabilidade todos nós para virar esse jogo? Como trazer para a cena a diferença como virtude e a solidariedade como valor? Então, caminhamos pelas cantigas de roda, pela canção infantil, para buscar uma simpática afirmação do Balão Mágico: “Todas elas cabem no nosso balão”. Essa frase vem reafirmar que toda criança tem direito   à infância  enquanto um tempo para experimentar, criar, fantasiar, brincar e ser feliz. Todas têm direito a uma vida digna, direito a se desenvolver plenamente e todas cabem no mundo com suas diferenças. Queremos uma sociedade que cuide de suas crianças, que construa os valores da solidariedade a partir da educação, do cuidado e do afeto: Todas elas cabem no nosso balão.  
  • 4ª  ala – Ala dos movimentos sociais: “O balanço da loucura aterremota a ditadura da razão”
Os movimentos sociais são entendidos aqui como as placas tectônicas que se movimentam e nesse balanço é possível desconstruir algo para provocar o novo.  Frutos de uma vontade coletiva, os movimentos sociais são ações de caráter sociopolítico,  e  na luta antimanicomial eles têm o importante papel na  construção de outra sociabilidade.
Com o título “O balanço da loucura aterremota a ditadura da razão”, os movimentos sociais representam aquilo que com força e energia abalam as estruturas estabelecidas, denunciando, protestando e lutando por um mundo diferente. Muitas há que se  provocar terremotos nas estruturas e fazer de seu movimento algo transformador. Os movimentos  representam a resistência em favor da vida ao longo da história. São tenazes em seus objetivos e solidários na sua construção. Apesar de muitas vezes duramente atacados, covardemente perseguidos, resistem na sua luta por um mundo melhor para todos.
É o nosso convite para que se juntem a nós todos aqueles com os quais construímos laços de solidariedade. As comunidades de resistência, as mulheres, aos negros, aos sem-terra, aos estudantes, aos que lutam pelo direito a moradia, etc. O nosso balanço é o movimento da vida que se contrapõem ao movimento da morte que o capitalismo produz. Nossa luta é pelo imperativo da solidariedade.  
  • 5ª  ala – Ala da denúncia: “Que mentira é essa? Quem me tira dessa?”
Denunciar as mentiras travestidas de verdade, este é o fio condutor desta ala. As discussões sobre este tema surgiram a partir de uma análise crítica de usuários e trabalhadores ao projeto de lei do ato médico, que pretende fixar em lei que ficará ao médico a posição de decidir sobre todos os rumos de um tratamento de saúde. A alguns olhares menos atentos, passa desapercebido o retrocesso que tal lei poderia causar a bandeiras importantíssimas defendidas pelos que lutam por uma saúde integral  para todos e por uma sociedade sem manicômios. Defendemos a integralidade como princípio do SUS e condição para um tratamento que respeite o vínculo e multiplicidade dos saberes.
Mas não será  esta, nossa única denúncia. Tantas são elas: "Seja feliz comprando Xiisss", ou que  hospício é um bom lugar, cheio de paz para morar. A mentira de que a gente só vale pelo que tem; que psicocirurgia, eletrochoque e a hipermedicalização em moda hoje, só fazem mal ao bolso de quem paga, mas que vale o investimento. A mentira de que a vida humana resume-se a questão biológica. Denunciar a falácia de que os governos estão caminhando para a construção da paz no mundo e que estão deveras  preocupados com a pobreza da grande maioria, e que irão, de verdade,  implementar políticas de preservação ambiental. Desmascarar a fantasia colorida da eterna juventude e também os atos interesseiros que querem passar por solidariedade.
  • 6ª ala – Ala das conquistas da Luta Antimanicomial: “Basaglia viu e anunciou, Bispo luziu quando endoidou”
E para o grand  finalle, a  última ala  contará a história da Reforma Psiquiátrica, seus avanços e desafios até os dias de hoje, começando com um feliz encontro, quando rompemos fronteiras  para dialogar com a experiência mais radical até então - Trieste na Itália.
A vinda de Basaglia a Minas  Gerais no 3º Congresso Mineiro de Psiquiatria  quando,   naquele momento, anunciou para todos nós a possibilidade de uma nova ordem no sentido da ruptura com a estrutura   iatrogênica,  violadora dos direitos, violenta e segregadora em  sua essência: o manicômio.
A experiência de Trieste, a vinda de Basaglia ao Brasil, as denúncias da situação do Hospital Psiquiátrico de Barbacena, foram um grande terremoto para nós. Fez colocar abaixo uma fachada de suposto tratamento para expor o horror que a segregação da loucura produz. E diante dos escombros, a luta antimanicomial ganha corpo e forma para dizer de sua luta. 
"Basaglia viu e anunciou, Bispo luziu quando endoidou!" é o nome dessa  última ala que vai dizer da conexão Brasil – Itália, cujo resultado  propiciou o tom e forneceu a medida  para a concepção do modelo  no qual  propomos a superação da escuridão dos porões da loucura.
E tomando emprestado mais um dos  versos do compositor Airton Meireles, afirmamos que "Tá aí, saiu, a loucura tá nas ruas, tá na noite do Brasil!" estaremos lá, em pleno centro da capital de Minas, para dar "mil vivas pelo que nos aviva!". 
Saudações antimanicomiais!!!
 
Comissão Organizadora do 18 de Maio de 2010

Agenda Concurso de Samba de Enredo 18 de Maio 2010. 
Prezados,
A Comissão Organizadora do Concurso de Samba de Enredo para o 18 de Maio de 2010, cumprindo  as tarefas as quais se propôs e lhe foram confiadas,  apresenta os seguintes informes: 
  1. O evento  para a escolha do samba   para  manifestação político-cultural pelo  Dia  Nacional da Luta Antimanicomial será no dia 17 de abril a partir das 9:00hs da manhã.
  2. O local será o Centro Cultural Parque Lagoa do Nado (a confirmar).
  3. Data limite para a entrega dos sambas concorrentes será até o dia 25 de março de 2010 às 17:00hs,  no Centro de Convivência  São Paulo,  que fica na Rua Aiuruoca, nº 501 - bairro São Paulo- BH.
  4. O material produzido (música e letra) deverá estar  gravado (fita cassete  ou CD) junto com 5 cópias da letra  impressa e também de forma  digitalizada  em disquete  ou  CD.
  5. A distribuição dos CDs  com a gravação  do samba vencedor do concurso  será a partir do dia 28 de abril.
  6. A escolha do samba será realizada por uma Comissão de jurados compostas por 4 músicos, artistas e produtores culturais as cidade e por 1 representante do Fórum Mineiro de Saúde Mental  ou da ASUSSAM.
  7. Os critérios para a escolha do samba serão divulgados o mais breve possível.
   A escolha da rainha e princesa da bateria acontecerá na mesma ocasião.
A data e o local para as inscrições das passistas e os critérios para a eleição da rainha e princesa serão divulgados posteriormente. 
Atenciosamente,
Comissão Organizadora do 18 de maio 2010 
BHZ, 07 de março de 2010.


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