quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A mídia, as agências de notícias e a Constituição Federal

A grande imprensa, que, muitas vezes, se coloca como dona da verdade, maior defensora da "democracia", não tem pautado sua atuação por olhar para o próprio umbigo e, ao contrário, contribui decisivamente para aumentar a confusão em torno do tema "Comunicação".

A divisão entre quem produz conteúdo e quem distribui, a implementação do Plano Nacional de Banda Larga, o debate relativo à tarifa adequada, a inevitável convergência no futuro das telecomunicações, a perspectiva ou não das gigantes de telecomunicações absorverem as demais são aspectos que, dentre outros, não elidem o fato de que se descumpre, também até por inércia do poder concedente, desavergonhadamente, a Constituição Federal.
Os dados disponíveis indicam que seis redes de comunicação detêm 80% da receita publicitária, 294 TVs, 50 jornais - dentre os quais os dez de maior circulação - 15 canais de UHF,122 emissoras de radio AM e 184 emissoras de radio FM.
As redes supra, cujos acionistas principais restringem-se a seis ou sete famílias e uma ou duas entidades ditas religiosas, têm como sócios 160 parlamentares, constituindo-se, segundo alguns, no mais escandaloso compadrio, representando o Poder Oligárquico nacional, classificado enfaticamente em algumas regiões, principalmente no Nordeste, como "coronelismo eletrônico".
Tudo isto faz sugerir que poucos jornais teriam coragem de publicar este artigo. Em paralelo, os artigos 220 a 224 da C.F., 22 anos depois de promulgada, persistem como penduricalhos, só lembrados quando da conveniência da manutenção do status quo.
O item II do art. 220 (meios legais que garantam a pessoa e a família a possibilidade de se defenderem de programas contrários aos critérios do art. 221 ou propaganda nociva) é firmemente ignorado e praticamente não divulgado. Igualmente não se toma conhecimento do parágrafo 5º do art. 220(os meios de comunicação social não podem direta ou indiretamente ser objeto de monopólio ou oligopólio). Se o panorama descrito acima não constitui um oligopólio, não sabemos mais o que é um oligopólio.
A regionalização prevista no item III do art. 221, que visa a reduzir desigualdades sociais e regionais (art.3º item III da C.F.) conforme percentuais definidos em lei, face a subjetividade e ausência destes critérios, é solenemente desconhecida ou falseada. O Conselho de Comunicação Social, previsto no art. 224, se existe, ninguém sabe ninguém viu.
É hora de o Poder Concedente também utilizar melhor as prerrogativas do art. 223 (outorgar e renovar concessões, permissão e autorização). As tentativas feitas pela Secom - Franklin Martins - de formular um anteprojeto visando a regularizar estas questões esbarraram em fortes reações e até na opinião de sociólogos servindo ao patrão do momento, embora jornalistas como Ricardo Kotscho tenham se pronunciado: "A liberdade de imprensa no Brasil não corre risco; a sociedade brasileira é que corre sérios riscos de não ser informada corretamente quando alguns veículos chegam a atuar até como partidos políticos."
O anteprojeto - cuida do cumprimento da C.F. ,abrange desconcentração do setor, obrigações de conteúdo, normas para direito de resposta - encaminhado ao NOVO governo pela Secom já teve um primeiro revés, quando o ministro da Comunicação, Paulo Bernardo, informa que não vai encaminhar ao Congresso.
Quer mais audiências publicas, mais debate, o que é correto, mas gera a pergunta: a quem serve mais procrastinação? Tudo indica que muita água vai passar debaixo da ponte até que se tenha a coragem cívica de atuar-se neste descalabro. Enquanto isto, tudo pode acontecer.. A nova titular da Secom, Helena Chagas, ainda não teve tempo para dizer a que veio.
Não sabemos o que o futuro reserva para estas redes (os 30% de participação de capitais estrangeiros não são garantia para nada). Se acabarão ou não sendo "tratoradas" pelas maiores da comunicação é outra incógnita. É fato que a inércia contribui para a manutenção do status quo, mas simultaneamente soma mais ainda para que as maiores se aproveitem das lacunas legais.
É hora de cumprirem a C.F. e, paralelamente, buscarem proteções mais amplas. Trata-se, sem dúvida, de assunto complexo, para o qual não se dispõe de muito mais tempo para resolver. A bagunça pode ficar geral!

Uma agência para o Bric

Pensando-se, no entanto, de forma maior, olhando o problema com grandeza, é o momento de o governo avaliar também as agências de notícias. O oligopólio das agências ocidentais nos (des)informa, a todos, com uma visão quase sempre distorcida da realidade mundial, prestando-se a instrumento de manutenção do poder hegemônico.
Recentemente, no Rio, inauguraram o Centro de Pesquisas dos Países Membros do Bric (BPC), em Botafogo, na Rua Dona Mariana. O BPC já iniciou conversas com a Universidade de Nova Déli, Universidade de Tsinghua, em Beijing, e com a Universidade de Moscou visando a adotar centros de referências.
Este tipo de ação já permite pensar, por analogia, nas bases de uma agência de notícias, com direção rotativa, que cuidasse preferencialmente, sem se limitar a, dos acontecimentos destes quatro países, que abrangem quase 50% da população mundial, e que funcione como contraponto à difusão comprometida de notícias.
Lembra-se o êxito parcial e momentâneo da Al Jazeera. É claro que o patrocínio oficial seria desejável, face à natureza da organização política dos demais países. Naturalmente não é excludente a ação de órgãos de comunicação privados dos quatro países, ainda que, no momento, de forma embrionária.
Sei que este jornal já tem dados passos junto a congêneres nos demais países citados. A Internet facilita tudo hoje em dia. É necessário, porém, criar os aspectos formais e institucionais que irão regular a futura agência deste tipo.
Voltando à origem do tema, é importante que o Ministério das Comunicações do Brasil (ou a Secom) esteja atento à velocidade dos fatos e que os ainda donos da mídia percebam que os tempos mudam vertiginosamente e que urge cumprir rapidamente os preceitos constitucionais.
A prudência recomenda esta atitude face também ao fato de que as verbas publicitárias disponíveis tendem cada vez mais a atomizar-se. Será gradualmente mais difícil competir com quem detém o capital. A demanda inevitavelmente virá. O outro lado da questão resulta de avaliar as possibilidades que o Poder Concedente detém.

Osvaldo Nobre
Engenheiro, autor dos livros Brasil, país do futuro, Bric ou RIC e Brasil 1999-2010: Década de transformações.

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