terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

*Que o governo Dilma não se acovarde diante da mídia*



Engajado na luta pela democratização da comunicação, o jurista e
professor *Fábio
Konder Comparato* decidiu provocar o governo, o Congresso e o Supremo
Tribunal Federal a tratarem do tema. Ele é autor de três ações diretas de
inconstitucionalidade por omissão (*ADO*), contra o Congresso Nacional, que
até hoje não regulamentou os artigos da Constituição de 1988 que tratam da
comunicação.

“Nossa Constituição é uma brilhante fachada, por trás da qual se abre um
enorme terreno baldio”, diz *Comparato*, em entrevista ao portal *Vermelho*.
Segundo ele, ao longo desses 22 anos, grande parte dos parlamentares tem
cedido à pressão do que ele chama de “oligopólio empresarial que domina o
mercado de comunicação”, sempre interessado em perpetuar a falta de rédeas
no setor.

Com as *ADOs*, o jurista pretende que os parlamentares se pronunciem sobre
temas ainda em aberto na legislação brasileira, como a garantia do direito
de resposta nos meios de comunicação; a proibição do monopólio e do
oligopólio no setor; e o cumprimento, pelas emissoras de Rádio e TV, de
alguns princípios que devem reger a programação.

Mais que conseguir uma posição favorável no Judiciário, a ideia é trazer o
tema a debate na sociedade e pressionar o governo federal, para que ele
proponha ao Congresso projetos para regulamentar e, assim, democratizar as
comunicações brasileiras.

Em muitos momentos um crítico do governo Lula, Fábio Konder Comparato expõe
suas expectativas em relação à nova gestão: “Espero que o governo da
presidente Dilma Rousseff não se acovarde, nem diante do oligopólio
empresarial de comunicação de massa, nem perante os chefes militares, que
continuam a defender abertamente os assassinos, torturadores e estupradores”
da ditadura.

Segundo ele, para que o Brasil ingresse em uma verdadeira democracia, os
meios de comunicação precisam ser “utilizados pelo povo como seus canais de
comunicação, e não apropriados por grandes empresários, que deles se
utilizam exclusivamente em seu próprio interesse e benefício”.

Para aprofundar as discussões sobre o assunto, o professor participa, nesta
terça-feira (11), às 19h, do debate “O panorama da comunicação e das
telecomunicações no Brasil”, ao lado do presidente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), *Márcio Pochmann*, e do jornalista *Paulo
Henrique Amorim*. O evento, promovido pelo Centro de Estudos da Mídia
Alternativa Barão de Itararé, acontece no Sindicato dos Jornalistas de São
Paulo e é aberto ao público.

A entrevista é do *portal Vermelho*, 11-01-2011.

*Eis a entrevista.*

*Qual o contexto que motivou essas ações e quais os seus objetivos?*

A razão da propositura de ações de inconstitucionalidade por omissão é o
fato de que há mais de duas décadas, ou seja, desde que a Constituição foi
promulgada, em outubro de 1988, vários dos seus dispositivos da maior
importância, relativos à organização e ao funcionamento dos meios de
comunicação de massa, permanecem inaplicados, porque não foram
regulamentados por lei. Vale dizer, a nossa Constituição é uma brilhante
fachada, por trás da qual se abre um enorme terreno baldio.

*O senhor pode dar exemplos de casos recentes em que essa falta de
regulamentação causou prejuízos?*

Como exemplo do malefício causado pela omissão do Congresso Nacional em
legislar a respeito dessa matéria, cito o descumprimento da proibição
constitucional da existência de monopólio ou oligopólio dos meios de
comunicação social. É fato notório que o setor de televisão no Brasil, por
exemplo, dominado por empresas privadas, é um dos mais concentrados do
mundo. A *Globo* controla 340 empresas; o *SBT*, 195; a *Bandeirantes*, 166;
e a *Record*, 142.

Outro exemplo é a não-regulamentação do art. 220, § 3º, II da Constituição,
por força do qual a lei deve estabelecer os meios legais que garantam à
pessoa e à família a possibilidade de se defenderem da propaganda de
produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio
ambiente.

Em 15 de junho de 2010, a *Anvisa* – Agência Nacional de Vigilância
Sanitária baixou resolução, regulamentado “a oferta, propaganda,
publicidade, informação e outras práticas correlatas, cujo objetivo seja a
divulgação e a promoção comercial de alimentos considerados com quantidades
elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio e de
bebidas com baixo teor nutricional”.

Como sabido, desde 2005 a *Organização Mundial da Saúde* tem lançado
advertências sobre os efeitos nocivos à saúde, provocados pela obesidade,
sobretudo entre crianças e adolescentes. Pois bem, a *Associação Brasileira
das Indústrias da Alimentação – Abia* ingressou com ação na Justiça Federal
de Brasília contra a *Anvisa*, pedindo que esta se abstivesse de aplicar aos
associados da autora os dispositivos de dita resolução, pois somente a lei
pode regulamentar a Constituição, e, no caso, tal lei ainda não foi votada.

A Justiça decidiu suspender os efeitos da resolução. Ou seja, o interesse
econômico das empresas de alimentos foi mais forte do que o dever do Estado
de proteger a saúde da população.

*Que efeitos práticos podem ter essas ações, caso alguma seja acatada pelo
STF? Como garantir que o Congresso analisará de fato a questão?*

O objetivo prático das ações judiciais já intentadas é de fazer pressão
sobre o governo federal, a fim de que ele tome a iniciativa de apresentar ao
Congresso um ou vários projetos de lei para regulamentar a Constituição
nessa parte; sabendo-se que, no Congresso, os projetos de lei de iniciativa
do Executivo têm muito mais probabilidade de serem apreciados e votados
rapidamente, do que os apresentados pelos parlamentares.

Sob esse aspecto, aliás, a propositura das ações de inconstitucionalidade
por omissão já começou a surtir efeito. Logo depois de proposta a primeira
ação, *Franklin Martins*, então chefe da assessoria de comunicação social da
presidência da República no governo anterior, declarou ser “um absurdo” a
falta de regulamentação legal da Constituição no capítulo dos meios de
comunicação social. E fez elaborar um anteprojeto de lei regulamentadora,
que está atualmente em mãos do ministro da comunicação do governo *Dilma
Rousseff*.

É indispensável continuar a fazer pressão sobre o governo e o Congresso, a
fim de levantar o bloqueio orquestrado pelo oligopólio empresarial dos meios
de comunicação de massa.

*O senhor está na terceira tentativa de que o Supremo analise esse assunto.
O que houve com as primeiras ações?*

A primeira ação foi proposta em nome da *Fenaj* – *Federação Nacional dos
Jornalistas* e da *Fitert* – *Federação Interestadual de Rádio e Televisão*.
A relatora no Supremo Tribunal Federal, a ministra *Ellen* *Gracie*, no
entanto, não autorizou o seu processamento, declarando que somente as
confederações sindicais, e não as federações, podem propor tais ações.

Ora, o art. 103, IX da Constituição é claro: são legitimadas a propor ações
diretas de inconstitucionalidade, não só as confederações sindicais, mas
também as “entidades de classe de âmbito nacional”.

Diante disso, entrei em contato com o *PSOL* e a *Contcop* –* Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Propaganda*, e ambos decidiram
ingressar no Supremo com ações da mesma natureza, as quais já estão sendo
processadas.

*Por que os parlamentares têm feito vista grossa para essas lacunas?*

Na verdade, a maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, nas
diferentes legislaturas, tem cedido à pressão do oligopólio empresarial que
domina o mercado de comunicação de massa no Brasil.

*Hoje há um movimento que desponta para combater distorções nas comunicações
brasileiras. Como o senhor vê esse movimento? Que poder de pressão ele tem
em prol dessa regulamentação e da democratização da mídia?*

A resistência à dominação do citado oligopólio privado dos meios de
comunicação de massa é um trabalho que está apenas no começo, e vai exigir
grande esforço de organização e de esclarecimento público, sobretudo por
meio da internet.

Nesse sentido, deve ser saudada a recente criação do* Centro de Estudos de
Mídia Alternativa Barão de Itararé*, que reúne os principais sites e blogs
não comprometidos com o mencionado oligopólio.

*Que avaliação o senhor faz da mídia brasileira?*

A Constituição brasileira dispõe que os serviços de radiodifusão sonora e de
sons e imagens devem ser explorados pela União Federal, diretamente ou
mediante concessão administrativa. Trata-se, portanto, de um serviço
público, e não de atividades de livre iniciativa privada.

Na prática, porém, como todos sabem, tais setores são dominados por grandes
empresas no seu interesse particular. Chegou-se mesmo ao extremo de uma
concessionária de televisão arrendar a terceiro o canal cuja exploração lhe
foi concedida.

Quanto à imprensa, os donos de grandes jornais e revistas agem como
verdadeiros patrões irresponsáveis, perante jornalistas submissos e um
público leitor, tradicionalmente mantido na ignorância, ou vergonhosamente
enganado.

Antigamente, os órgãos de imprensa eram valorosos instrumentos de controle
do poder e de defesa das liberdades públicas. Hoje, a maioria deles, em
nosso país, integra o bloco oligárquico que defende os interesses dos grupos
dominantes.

*E em outros países? Que comprações podem ser feitas com a regulamentação e
a democratização da comunicação pelo mundo?*

A experiência dos Estados Unidos a respeito da não-regulamentação do setor
de comunicação de massa é muito instrutiva. Em 1934, uma lei federal criou
uma agência reguladora do setor (Federal Communications Commission) e
estabeleceu regras rígidas para impedir a formação de conglomerados.

Em 1996, por força da pressão neoliberal, essa legislação foi revogada, e em
2003 a citada agencia reguladora levantou todas as restrições a
participações cruzadas, na formação de grupos empresariais que exploram
meios de comunicação de massa.

Os efeitos dessa mudança regulatória não se fizeram esperar. Até então,
havia nos Estados Unidos 50 grupos médios de imprensa, rádio ou televisão,
não interligados entre si. Agora, o mercado norte-americano de comunicações
é dominado por apenas cinco macro-empresas, que controlam promiscuamente
veículos de imprensa, redes de TV, emissoras de rádio e produtoras
cinematográficas.

*Que expectativa o senhor tem em relação ao novo governo, no que diz
respeito às comunicações?*

Eu espero que o governo da presidente *Dilma Rousseff* não se acovarde, nem
diante do oligopólio empresarial de comunicação de massa, nem perante os
chefes militares, que continuam a defender abertamente os assassinos,
torturadores e estupradores de oponentes políticos, durante o regime
castrense de 1964 a 1985.

*O que o senhor aponta como essencial para que a comunicação ajude a
democracia brasileira?*

O sentido original da palavra comunicação é de pôr em comum. No mundo
inteiro percebe-se, hoje, que a verdadeira democracia é o regime político em
que o povo toma, diretamente, as grandes decisões que dizem respeito ao bem
comum, e não se limita a eleger os governantes, incumbidos de decidir em
lugar dele.

Ora, para que o povo possa tomar, ele próprio, as grandes decisões
nacionais, é indispensável, primeiro, que ele seja corretamente informado
sobre as questões a serem decididas; segundo, que as diferentes parcelas do
povo possam se comunicar entre si, isto é, pôr em comum suas dúvidas,
sugestões e propostas; e, terceiro, que os governantes possam ser
questionados diretamente pelo povo.

Para que tudo isso aconteça, é indispensável que os meios de comunicação de
massa – imprensa, rádio e televisão, sobretudo – sejam normalmente
utilizados pelo povo como seus canais de comunicação, e não apropriados por
grandes empresários, que deles se utilizam exclusivamente em seu próprio
interesse e benefício.

Democratização dos Meios de Comunicação

ADO 11 no STF

Caros amigos,
 
Acabamos de saber que foi protocolada e registrada, no Supremo Tribunal Federal, a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 11) proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade - CONTCOP.
O Objetivo dessa ADO é chamar a atenção da sociedade civil e dos órgãos do Estado para o fato de que, 22 anos após a promulgação da Constituição vigente, alguns dispositivos constitucionais  - no caso, referentes aos meios de comunicação de massa, imprensa, rádio e televisão -  ainda carecem de regulação por lei.Três pontos são especialmente relevantes :
1- a garantia do direito de resposta a qualquer pessoa ofendida através dos mcm;
2- a proibição do monopólio e do oligopólio no setor;
3- o cumprimento, pelas emissoras de rádio e tv, da obrigação constitucional de dar preferência a programação de conteúdo informativo, educativo e artístico, além de priorizar finalidades culturais nacionais e regionais.
 
Como é evidente que tais propostas não interessam aos proprietários  dos mcm, a divulgação dessa notícia e o consequente acompanhamento do processo ficam na dependência das campanhas das centrais sindicais, de grupos de pressão sobre o Congresso Nacional e ,sobretudo, da divulgação nos sites e nos blogs comprometidos com as práticas democráticas. 
 
grande abraço,
 
 Fabio Konder Comparato
Maria Victoria de Mesquita Benevides

PS    Solicitamos a gentileza de divulgarem para blogs, sites e listas.

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