Bia Barbosa - para o Observatório do Direito à Comunicação* 10.04.2009 |
Na última quarta-feira (8), o escritório regional da Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) em São Paulo, com o suporte logístico e político da Prefeitura Municipal, destruiu cerca de oito toneladas de equipamentos apreendidos em operações de fiscalização de emissoras de rádio não autorizadas. Ao todo, 17 mil discos e CDs, 750 transmissores, 70 antenas e dezenas de computadores e aparelhos de som se transformaram em sucata no hangar da Vasp, no aeroporto de Congonhas. Segundo a Anatel, todos os equipamentos encontravam-se sem homologação pelas autoridades responsáveis e provocavam interferências no controle de tráfego aéreo e nas transmissões de emissoras comerciais. Eles teriam sido apreendidos em cinco anos de operações da Agência no estado e correspondiam a dois mil processos concluídos pela Justiça, que teria autorizado sua destruição. ”Este é um ato simbólico do combate à ilegalidade em São Paulo. Aqui tem lei e ela será respeitada”, disse o prefeito Gilberto Kassab (DEM), que fez questão de subir no rolo-compressor e posar para os flashes da grande imprensa comercial, que prestigiou em massa o acontecimento. “É fundamental que o material seja destruído, para mostrar que não teremos tolerância com quem faz isso. Nosso objetivo é fechar todas as rádios piratas e ilegais, que trazem riscos à vida das pessoas. Se é clandestina, tem que ser eliminada”, sentenciou Kassab. Além do prefeito e dos veículos comerciais tradicionais, o ato de destruição contou com a presença de policiais federais, militares, civis, de diversos secretários do governo municipal e da cúpula do escritório regional da Anatel em São Paulo. Para Everaldo Gomes Ferreira, gerente regional da agência, “uma rádio clandestina é um caminhão na contramão” do espectro. Estas emissoras, acrescentou, aparentam ter um “fascínio pela ilegalidade”. “Temos que respeitar a lei e a lei não se respeita. Todas essas rádios nunca buscaram a legalização. Até onde sei – porque sou da Anatel e não do Ministério das Comunicações –, o Ministério faz exigências, tenta localizar os responsáveis, manda correspondência para mandar documentação e essas pessoas não são localizadas”, alegou. Um relatório da subcomissão criada para avaliar os processos de outorga de concessões de rádio e TV da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados revelou, no entanto, que os processos para obtenção da autorização de operação para uma rádio comunitária podem levar até 3,6 anos. O governo federal já reconheceu o problema ao ter instalado dois grupos de trabalho, um em 2003 e outro em 2005, para tentar resolver o acúmulo de processos. Apesar de ambos terem produzido recomendações e relatórios finais, as medidas sugeridas nunca foram implantadas pelo Ministério das Comunicações e por outros órgãos do Executivo Federal. Ilegalidade na destruição A Anatel justificou a destruição dos equipamentos dizendo se tratarem de provas materiais de crimes. “É igual a uma arma”, disse Everaldo Ferreira. Garantiu que a agência tem como uma de suas prerrogativas a destruição de equipamentos e alegou que não faria sentido doar as 8 toneladas que ali estavam porque “hoje o custo de aquisição de materiais como estes é cada vez mais barato, sem contar que são de origem duvidosa”. No entanto, segundo o juiz federal aposentado Paulo Fernando Silveira, consultado pelo Observatório do Direito à Comunicação, a absoluta maioria dos equipamentos apresentados na operação da Anatel e da Prefeitura de São Paulo não poderia ser inutilizada. Ao contrário da apreensão de drogas, por exemplo, os transmissores, antenas, computadores, mesas de som e CDs não são produtos proibidos pela lei, não sendo, portanto, passíveis de destruição. Ao serem adquiridos no mercado interno de forma lícita, são propriedade permanente daqueles que o compraram, mesmo que sejam considerados pela Justiça provas materiais de um crime. “Mesmo um revólver, se estiver registrado no nome de alguém, deve ser devolvido pela Justiça após o término de um processo, independentemente se a pessoa foi condenada ou não, porque o bem não é ilícito. Se o processo terminou e ninguém requereu os bens, a União não se torna proprietária automaticamente. Teria que devolvê-los. Portanto, se a Anatel destruiu esses equipamentos, o fez ilegalmente e terá que indenizar essas pessoas. Mesmo se havia ordem judicial para isso, ela era abusiva e ilegal. Todos os proprietários devem entrar com ação de perdas e danos, porque o juiz mandou destruir algo que é seu, de sua propriedade”, afirma Silveira. A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) questiona a existência de decisão judicial para a destruição dos equipamentos. “Se há um processo judicial, quem provocou a Justiça a se pronunciar sobre isso? Talvez nem processo exista”, analisa Jerry Oliveira, diretor da associação em Campinas. Para Paulo Silveira, o direito à comunicação está garantido na Constituição Federal como um direito individual e coletivo, e o Estado não pode, portanto, aboli-lo. “Sua função é apenas de gestor do espectro; é uma função administrativa. O dono do espectro é o povo, de modo que o exercício de um direito individual não pode ser considerado crime”, acredita o juiz federal. “A lei que criminaliza a radiodifusão não autorizada é que é inconstitucional – e não a conduta que é criminosa”, completa. Descriminalização na pauta do Congresso Neste momento, estão em tramitação no Congresso Nacional dois projetos de lei que descriminalizam o exercício não autorizado da radiodifusão comunitária. Ou seja, em vez de abordar a prática a partir de uma perspectiva penal, propõem fazê-lo mediante infrações administrativas. Ação orquestrada
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