domingo, 7 de junho de 2009

A “Disneylândia” de Aécio

Choque de gestão? Deficit zero? Esqueça. A nova marca do governador mineiro é um palácio flutuante de Niemeyer, num centro administrativo de R$ 1,2 bilhão

Ricardo Mendonça, de Belo Horizonte

Bruno Magalhães

AUDÁCIA
As obras da Cidade Administrativa de Minas, em ritmo acelerado. Na foto abaixo, de setembro de 2008, Niemeyer e Aécio durante uma visita ao local

Renato Weil

Seis anos após o início de um rigoroso programa de ajuste fiscal que impôs congelamento de salários, fechamento de secretarias, demissões e paralisação de investimentos, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), começa a moldar uma nova imagem para sua gestão. No lugar do administrador fiscalista, obcecado pela meta do deficit zero, entra em cena a imagem de um “novo” governador. Em dezembro, Aécio deverá inaugurar a maior, mais cara e mais ousada edificação da história de Minas: um majestoso palácio governamental suspenso, dentro de um complexo estatal que reunirá, em mais dois megaedifícios, as 18 secretarias de Estado e outros 33 órgãos do governo mineiro. Tudo projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, de 101 anos.

“Isso aqui vai ficar fantástico”, diz Otávio Neiva, subgerente de Controle de Obras da futura Cidade Administrativa de Minas Gerais. “Vai ter uma prefeitura interna só para cuidar do conjunto, 5 mil vagas de estacionamento, área de convivência com restaurantes, lanchonetes, bancos. E até ônibus para circulação interna, tipo a Disney.”

Estimadas originalmente em R$ 500 milhões pelo governador, as obras desse condomínio de repartições acabaram licitadas no fim de 2007 por R$ 949 milhões. Hoje, após acréscimos e reajustes, atingiu R$ 1,2 bilhão. É um valor suficiente para construir e equipar quatro hospitais como o Instituto do Câncer de São Paulo, o antigo Instituto da Mulher, considerado o maior dessa especialidade na América Latina, com 474 leitos. E ainda sobrariam R$ 120 milhões, o suficiente para um hospital de médio porte, com 200 leitos.

A Cidade Administrativa é o maior investimento do governo Aécio em quase sete anos. Dentro do governo, o R$ 1,2 bilhão reservado para sua construção só é comparável a um programa de obras rodoviárias chamado PróAcesso. O governo promete asfaltar as estradas dos 225 municípios mineiros que usam vias de terra para alcançar rodovias-tronco. Para atingir a meta de pavimentar 5.600 quilômetros em oito anos, o governo de Minas separou R$ 1 bilhão.

Divulgado com cautela pelo governo, o custo de R$ 1,2 bilhão da Cidade Administrativa diz respeito apenas à parte de construção civil. Depois disso, cerca de R$ 50 milhões serão necessários para instalar móveis e divisórias, montar a estrutura de informática e fazer a mudança efetiva das secretarias. O governo também quer fazer melhorias num parque ecológico com 1,4 milhão de metros quadrados atrás do complexo. E já fala em esticar o metrô até o local, o que não sairia por menos de R$ 1,5 bilhão.

Além do preço, a Cidade Administrativa impressiona pelo tamanho, pela arquitetura e pela velocidade com que está sendo erguida. A área total do complexo é de 804.000 metros quadrados , o que daria 97 campos de futebol como o do Maracanã. As edificações terão 297.000 metros quadrados de área construída, uma metragem 44% superior à do MorumbiShopping de São Paulo, um dos maiores do país. O conjunto terá 71 elevadores, 13.000 toneladas de aço (peso equivalente a 1.900 elefantes) e 100.000 metros quadrados de vidro (o suficiente para cobrir 12 Maracanãs). Quando estiver em pleno funcionamento, deverá abrigar 20 mil servidores e receber cerca de 10 mil visitantes por dia – uma população flutuante maior que a de 82% dos municípios brasileiros.

Do ponto de vista arquitetônico, a obra pode ser considerada um marco. Assim que estiver pronto, os mineiros poderão pleitear uma citação no livro dos recordes para o palácio governamental. Com quatro pavimentos e 40.000 toneladas, o prédio terá o maior vão-livre de concreto suspenso da história da arquitetura, segundo o escritório de Niemeyer. Um bloco envidraçado de 147,5 metros de comprimento por 17,2 metros de largura (o dobro do Masp) “flutuará” a 5,7 metros do solo. “O palácio tem a estrutura mais arrojada possível”, disse Niemeyer a ÉPOCA. “Estou muito contente (com o conjunto). Para abrigar todas as secretarias, teria de ter 40 prédios. Achamos a solução perfeita: colocar tudo em dois prédios só.”

O responsável pelos cálculos da construção é o engenheiro José Carlos Sussekind, que trabalha com Niemeyer há 40 anos. Para ele, a obra tem potencial para virar referência de uma era: “Daqui a 200 anos, quando olharem para a arquitetura do século XXI, vão lembrar desse palácio. Ele é grande, majestoso, suspenso, mas sereno. Uma obra muito corajosa. Em audácia, é o máximo que o concreto pode oferecer”, afirma.

A construção do complexo está dividida entre nove das maiores empreiteiras do país. O palácio, um auditório para 490 pessoas e a infraestrutura interna do conjunto (vias, lagos, estacionamento) estão sendo feitos por um consórcio formado pelas empreiteiras Camargo Corrêa, Mendes Júnior e Santa Bárbara. O Edifício 1 das secretarias, com 15 andares, e o centro de convivência ficaram com Andrade Gutierrez, Barbosa Mello e Via Engenharia. O Edifício 2, com dimensões idênticas às do Edifício 1, está com OAS, Odebrecht e Queiroz Galvão. Há ainda as obras de um túnel que ligará o complexo à Linha Verde, a recém-inaugurada avenida que conecta Belo Horizonte com o aeroporto de Confins. O túnel será feito pela Mendes Júnior e pela Santa Bárbara.

Algumas das construtoras são tradicionais doadoras de recursos para campanhas eleitorais – de todos os grandes partidos políticos no Brasil, diga-se. Das nove contratadas para fazer o complexo mineiro, oito doaram dinheiro em pelo menos uma das duas campanhas de Aécio para governador. A única que não doou foi a Via Engenharia.

Segundo os engenheiros, é a maior edificação
em andamento em toda a América Latina

Apesar da crise, o cronograma da obra está sendo seguido com rigor exemplar. O canteiro está a pleno vapor, com 4.800 operários trabalhando simultaneamente. Em algumas atividades, o turno é de 24 horas. Os engenheiros envolvidos no projeto gostam de repetir que se trata da “maior edificação em andamento em toda a América Latina”. Hoje, cerca de 60% do conjunto já está pronto.

Nenhum comentário: