terça-feira, 11 de agosto de 2009

Assembléia popular: a formação política (I)

O modo de produção capitalista é, para a classe que vive do trabalho, gerador permanente de múltiplas crises civilizatórias
O modo de produção capitalista é, para a classe que vive do trabalho, gerador permanente de múltiplas crises civilizatórias
10/08/2009
Roberta Traspadini


A educação bancária do capital:
O modo de produção capitalista é, para a classe que vive do trabalho, gerador permanente de múltiplas crises civilizatórias.

Uma delas se manifesta na forma como o capital encara a educação formal como única e legítima formação técnica-política- profissional dos sujeitos que devem ser incluídos como força de trabalho no setor produtivo nas mãos da burguesia.

Para o capital, formar é igual a formatar. Formatar é especializar sem tomar em conta a totalidade e o sentir próprio de quem deseja aprender algo. Especializar é tornar o específico, célula do pensar individual, sem chances do educando ver-se como sujeito no processo de produção do conhecimento.

Essa forma de educação bancária explicita o conteúdo de classe por trás da ação: o de fechar, em vez de abrir, os horizontes de sentido dos sujeitos sociais, enquanto protagonistas da vida.

Em momentos de expansão, o capital se propagandeia como mais includente e oculta sua real faceta destrutiva: exploração intensiva do trabalho. Em momentos de crise, aquilo que estava oculto se revela. A exclusão e exploração saltam aos olhos e tomam sua real dimensão: o fruto de uma sociedade sustentada sobre as bases de um interesse privado particular: o capital.

Nos dois momentos, os trabalhadores se dão conta de sua situação marginada. Mas é no segundo, no da crise, que têm a porta aberta para a tomada de consciência sobre o modelo de desenvolvimento burguês e suas limitações, quanto ao seu pretenso papel histórico de classe dominante onipotente.

Com a crise, a classe que vive do trabalho começa a se dar conta que quanto mais sem dinheiro fica,tanto mais todos os bens, em especial os de consumo básico, ficam abem acima de seu já precário poder aquisitivo. Essa histórica falta de dinheiro, somada ao aumento das dívidas, pode culminar em necessidades que se resolvem, superficialmente, via assistencialismo, ou podem suscitar um outro processo em que a mudança do modelo vá pouco a pouco assumindo um papel importante na história destes sujeitos.

Esse dar-se conta por parte dos trabalhadores, ocorre através de vários mecanismos. Ora porque na crise perde o pouco que tem; ora porque vive o temor da perda, próprio de sua vulnerabilidade como sujeito subordinado a ordem do capital; ora porque se encontra com movimentos sociais e políticos que, com base em temas e demandas específicos, começam a chamar a atenção para todas as privações vividas pela classe trabalhadora, ao serem sujeitadas pelo capital.

Educação popular: acúmulo histórico na formação da classe trabalhadora

Entre os vários encontros que podem ser anunciados como abertura para conhecer o histórico processo de opressão-exploraçã o, romper com ele e instituir, no horizonte futuro, o novo, está o encontro proporcionado pelas assembléias populares.

Nos bairros, nas paróquias, nas associações, nas comunidades, pessoas topam se reunir para, além de se conhecer, reconhecer o que ainda precisam superar, ao começarem a reconstruir as suas próprias estruturas como sujeitos protagonistas do poder popular.

É nesse reencontro da classe que surge um horizonte de sentido possível sobre o novo.. Possível sobre uma formação para além dos critérios da educação formal bancária.

Fica a cada dia mais claro para os militantes populares que a assembléia popular deve se firmar como espaço de reestruturação dos encontros. Para tanto, sua forma e seu conteúdo devem ser opostos aos desencadeados pelo capital. Se neste, os sentires estão reduzidos a uma única forma de sentir, na AP os sentires têm que ser retomados como espaço próprio de produção do novo para, e da, classe.

A educação popular torna-se a histórica eleição da classe pelo cuidar permanente. Isto porque nela reside um processo que toma como base o cotidiano vivido pelos sujeitos e entende que seu saber consolidado, ainda quando não formalizado, é o ponto de partida inicial para o reencontro.

Este modo relacional, parte de um método de trabalho em que o sentir-viver- produzir, são formadores em primeira instância do ser coletivo adormecido na forma individual instituída pelo capital. A partir deste pulsar junto, avança para outros horizontes de sentido, dentro dos tempos, ações e compreensões manifestos por cada grupo sobre seu agir.

A formação política, com base na educação popular, nestes espaços é um elemento constitutivo dos encontros. Com ela, vamos passo a passo, a partir do que os sujeitos trazem, reconsiderando nosso saber coletivo.

Sujeitos que acham que sabem pouco, se reconhecem conhecedores de algo. Sujeitos que acham que sabem um pouco mais, revêem suas posições no encontro com outros. E o sujeito político que emana daí sai revigorado para uma práxis reflexiva e revolucionária. Sai com o ímpeto de aprender fazendo, fazer pensando, construir um processo fincando suas bases em um nós.

Uma experiência concreta: ES

Foi o segundo encontro de formação, de um grupo. O exercício foi o do pássaro enjaulado. A jaula como a consciência, o pássaro como os sujeitos-trabalhado res prisioneiros em múltiplos sentidos.

1º. momento: o pássaro preso. Sem vôo, com comida, bebida, tudo entregue a partir do tempo, interesse e disponibilidade de seu dono. Sim, neste primeiro caso, ficou claro para o grupo que o pássaro e jaula eram duas mercadorias centrais pertencentes a alguém. A única liberdade que o pássaro tinha era a de ser não livre.

2º. momento: o pássaro preso e a jaula aberta. Entendemos este espaço como o de possibilidades, de conquistas, de temores. Este foi o momento da ruptura ou da continuidade. Do isolamento ou da conquista potencial da liberdade. Mas ali vimos também que de tanto ter aprendido a não voar, o pássaro foi se submetendo a uma lógica temerosa de suas potencialidades. Se sentia só, não tinha, na pedagogia do exemplo, outra referencia que não a de sua prisão. De tanto ficar preso, sequer sabia que ao voar poderia muito mais.

3º. momento: aposta no vôo. Voa. E ao voar, se vê grande e pequeno ao mesmo tempo. Grande porque suas asas estavam encolhidas por muito tempo e quando abriram explicitaram beleza e plenitude no vôo. E pequeno porque o vôo permitiu ao pássaro ver o horizonte desde um outro lugar. Um horizonte, onde alguns voavam, outros não se arriscavam e outros continuavam tristemente presos à lógica anterior.

Os três momentos relataram várias formas de sonhar, a partir do que se vive. A formação política deste coletivo, enquanto processo, e com base no diálogo é um presente da classe para a classe.

Os três momentos relatam várias formas de sonhar, a partir do que se vive. A formação política dialógica deste coletivo é um presente da classe para a classe. Os que estão com os pés fora da realidade, discursam sobre o real possível, mas não ousam sair das gaiolas. Os que estão com os pés bem fincados na realidade, sabem que ao movimentá-los podem abrir possibilidades reais de mudança sobre aquilo que os oprime. O desafio está lançado: reconhecer, aprender, produzir e conquistar o poder popular.
Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES

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