sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Honduras: arevolução nacional-libertadora tardia

As pedras de Tegucigalpa



Honduras: arevolução nacional-libertadora tardia



Ivan Pinheiro (*)



Osdias que passei em Honduras, na fraterna companhia de Amauri Soares e MarceloBuzetto, serviram para consolidar as impressões que, desde o Brasil, expusera noartigo “Contra a manobra do pacto de[WINDOWS-1252?]elites”.



Definitivamente,o golpe não só contou como ainda conta com o apoio material e político doimperialismo estadunidense, que foi obrigado a dissimular sua participação emrazão dos erros cometidos na execução do golpe, sobretudo o fato de o mundo tersido surpreendido com a prisão e a retirada à força de Manuel Zelaya do país,sem uma satanização prévia.



Ogolpe em Honduras é parte do plano imperialista para tentar frear a ALBA e osprocessos de mudanças sociais na América Latina. Honduras fica entre aNicarágua e El Salvador, vizinhos hoje governados por antigos movimentosguerrilheiros de libertação nacional, agora em versão moderada, que sedesmilitarizaram nos anos 90: a Frente Sandinista e a Frente Farabundo Marti.



Alémdisso, o país possui grandes reservas não exploradas de petróleo, minério abundantee outros recursos naturais, além da base de Soto Cano, a mais importante eestratégica para os ianques na América Central. Zelaya é o detalhe do golpe,que é muito mais contra a ALBA, contra Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia e osdois vizinhos limítrofes.



Aoque tudo indica, está a ponto de se consumar o plano B que o império adotou apartir da repulsa mundial no início do golpe: a sua legitimação e, em seguida,legalização.



Acada dia que passa fica mais difícil a volta de Zelaya ao governo, ainda queapenas para presidir as eleições gerais de novembro com as mãos atadas, semALBA, sem Constituinte, nem mesmo o direito de se candidatar ao mais simples cargoeletivo.



Umdos mais importantes lances deste plano B se deu no dia 12 de agosto, quando osmembros da Corte Suprema e do Tribunal Superior Eleitoral anunciaramoficialmente a manutenção das eleições gerais para o dia 29 de novembro próximo.Logo em seguida, simulando surpresa, o presidente golpista reconhece a decisão dojudiciário, como se estivesse submetendo-se a um poder autônomo, ao [WINDOWS-1252?]“império dalei e da justiça, ao estado democrático de [WINDOWS-1252?]direito”.



Tudoisso em cadeia nacional de televisão. No horário nobre, como convém a uma boanovela. Em seguida, ainda ao vivo, Honduras ganha de quatro a zero da rivalCosta Rica, pelas eliminatórias da Copa do Mundo.



Asinalização é óbvia: até a posse do novo Presidente, em janeiro, Michelettipreside o país, o TSE realiza as eleições, a Corte Suprema as preside, asForças Armadas as garantem e os observadores internacionais escolhidos a dedoas legitimam. Tudo para passar um ar de legalidade. Se assim for, Zelaya nãovolta nem para passar a faixa ao futuro Presidente.



Nomesmo dia, em entrevista coletiva após uma cúpula do Nafta, entre sorridentespresidentes do Canadá e do México, Obama fez uma jogada de mestre, abandonandoZelaya à própria sorte. Aproveitando-se das ilusões alimentadas por este, devoltar ao poder por iniciativa dos EUA, Obama lavou as mãos, apontando aincoerência das pressões para que intervenha em Honduras por parte dos quepedem o fim da intervenção dos EUA nos países da América Latina.



Nomesmo evento trilateral, Felipe Calderón [WINDOWS-1252?]– eleito presidente numa monumentalfraude contra López Obrador - anuncia o reconhecimento do México ao governo Micheletti,seguindo o exemplo pioneiro do Canadá, cujas mineradoras transnacionais comsede no país ocupam quase um terço do território hondurenho. Para os que aindanão se deram conta de que o capitalismo brasileiro é parte do sistemaimperialista, a mais poderosa dessas mineradoras tidas como canadenses (a INCO)foi recentemente comprada pela [WINDOWS-1252?]“nossa” Vale do Rio Doce.



Tudoindica que o núcleo duro da oligarquia e da cúpula militar que assumiu ogoverno em Honduras há mais de cinqüenta dias - agora falando grosso pelo decurso de prazo no poder - está comforça para impor seu próprio projeto de pacto de elites para superar a crise elegitimar o golpe. Não só rechaçou as propostas conciliadoras feitas peloPresidente da Costa Rica, como, em 10 de agosto, não recebeu uma delegação dechanceleres latino-americanos que, em nome da OEA, iriam a Tegucigalpa tentar mediara crise. E olha que eram representantes apenas de governos moderados oupró-imperialistas: Argentina, Canadá, Costa Rica, Jamaica, México e RepúblicaDominicana. Os golpistas só admitiram receber a Comissão da OEA no próximo 24de agosto, ganhando mais duas semanas sem [WINDOWS-1252?]“mediações”.



Osgolpistas conseguiram unificar todas as instituições e personalidades dasclasses dominantes: as cúpulas das Forças Armadas, da Igreja Católica, das entidadesempresariais, do Judiciário, a grande maioria do Congresso Nacional, incluindo parlamentaresdo próprio partido de Zelaya, aliás o mesmo de Micheletti, o centenário PartidoLiberal, uma espécie de PMDB hondurenho.



Estaunificação se expressa na mídia. Estão com o golpe todos os quatro jornaisdiários e, com a intervenção militar no canal 36 e a repressão a jornalistasindependentes, todas as emissoras de televisão. Apenas uma estação de rádioainda resistia, mas quando escrevo, deve estar fora do ar.



Creioque presenciamos em Honduras os momentos cruciais para o desfecho destabatalha, um capítulo da luta de classes que se expressa no país. Nos dias 11 e12 de agosto, não por coincidência, chegaram ao auge a mobilização popular e arepressão. Sinto expressar a impressão de que os golpistas saíram maisfortalecidos dessas dramáticas 48 horas.



Nodia 11, os protestos em Tegucigalpa, São Pedro de Sula e outras localidadesenvolveram quase cem mil manifestantes. Na capital, a marcha tentou ir até aCasa Presidencial, sede do governo federal, que fica num bairro de eliteafastado do centro, sendo reprimida por um aparato de milhares de soldados daPolícia Nacional e do Exército. Na dispersão, como expressão da revoltapopular, as pedras das mal calçadas ruas de Tegucigalpa se transformaram emarmas contra símbolos do capital: asvidraças de bancos e redes multinacionais de comida rápida.



Nanoite do dia 11, o governo retoma o toque de recolher. Na madrugada, veículossem placa percorrem a capital com atiradores em trajes civis metralhando osdois principais locais de reunião da direção da Frente Nacional Contra o Golpede Estado: as sedes do Sindicato dos Trabalhadores de Bebidas e da ViaCampesina.



Namanhã do dia 12, quando nova manifestação pacífica se dirigia ao centro dacidade, para um protesto diante do Congresso Nacional, a repressão já haviamontado um aparato impressionante, destinado a evacuar todo o centro da cidadecom violência contra quem estivesse nas ruas, fossem ou não manifestantes.



Soutestemunha ocular de que o pretexto para justificar a violenta repressão foimontado por agentes provocadores que, numa ação combinada, simularam umaagressão e logo em seguida a proteção do Vice-Presidente do Congresso Nacional,um dos principais articuladores do golpe. Exatamente na hora em que passavam osmanifestantes, ele saíra sozinho à porta do Parlamento em plena sessãolegislativa. Estas cenas, algumas horas depois, foram exibidas à exaustão emtodas as emissoras de televisão hondurenhas e possivelmente no mundo todo.



Nadispersão desordenada, grande parte dos manifestantes se dirigiu ao quartel generalda resistência desde o início das mobilizações, o até então inviolável campusda Universidade Pedagógica, onde se realizam as Assembléias da resistência e sealojavam os militantes que moram fora da capital. Mas o campus já estava tomadopelas tropas, que sequer permitiram aos alojados retirarem seus pertencespessoais, cuja apreensão ainda serviu para manipular a [WINDOWS-1252?]“descoberta” decoquetéis molotov.



Éimpressionante a combatividade, a coragem e a determinação do povo hondurenho.É digna de registro a unidade das forças que impulsionam até aqui aresistência, organizadas na Frente Nacional Contra o Golpe de Estado, apesardas debilidades políticas, materiais e organizativas dos movimentos sociais egrupos de esquerda. Não fossem estas debilidades, a história poderia ser outra.Nos momentos seguintes ao golpe havia um conjunto de fatores que poderiamconfigurar uma situação pré-revolucionária.



Ossindicatos ainda não têm a força desejável, sobretudo na iniciativa privada,onde a greve geral não vicejou. Os agrupamentos revolucionários só agora estãose reorganizando, recuperando-se da desarticulação das décadas de 80 e 90, emfunção da derrota da luta armada, da repressão e da crise na construção dosocialismo. Para se ter uma idéia, dois partidos que se reivindicavamcomunistas se dissolveram naquele período e só agora alguns comunistas estãorefundando o Partido.



Masas classes dominantes, para além do Estado, possuem uma arma decisiva numabatalha como esta: a mídia, sobretudo a televisão. É por este meio que osgolpistas conseguiram calar, enquadrar e cooptar a grande maioria da pequenaburguesia, restringindo a resistência aos setores proletários e parte minoritáriadas camadas médias.



Commuita competência, diuturnamente, todos os canais de televisão legitimam ogolpe e satanizam a resistência. Jogam com o medo, mostrando cenas de violêncianas ruas, em que as tropas só atacam para se defender dos [WINDOWS-1252?]“violentos”

manifestantes, chamados de bárbaros e terroristas. Jogam com o risco de seperderem empregos e negócios, por conta da paralisação de parte importante daeconomia do país. Jogam com o sentimento de autodeterminação, acusando aresistência de ser dirigida e financiada pela Venezuela e pela Nicarágua.



Todosos meios de comunicação se utilizam do mesmo padrão de manipulação. Osmanifestantes são [WINDOWS-1252?]“vândalos, [WINDOWS-1252?]terroristas”; o golpe é uma [WINDOWS-1252?]“sucessão[
WINDOWS-1252?]constitucional”. Não há qualquer debate na mídia eletrônica, em que haja espaçopara o contraditório. Como aqui no Brasil, todos os [WINDOWS-1252?]“especialistas” chamados acomentar os fatos têm a mesma visão de mundo. A manipulação midiática não éapenas o que noticiam, mas também o que não noticiam. A solidariedadeinternacional não é conhecida pelo povo hondurenho. Zelaya tem sido satanizadocomo um meliante político, que queria rasgar a Constituição, a serviço de HugoChávez. Nesta fase de legitimação do golpe, o noticiário sobre Honduras vaisumindo na mídia mundial.



Confessoque foi impossível resistir à atração de vivenciar pessoalmente os confrontosdo centro da cidade, ao lado dos manifestantes e do povo, para ajudar no quefosse possível. Confesso que foi difícil reprimir o impulso que as mãossuplicavam, quando as pedras me olhavam do chão.



Aofensiva da direita pode levar a um natural refluxo do movimento de massas,sobretudo face ao cansaço, à falta de resultados, ao isolamento social e, deuns tempos para cá, a uma certa desconfiança sobre a determinação de Zelaya. Aindapor cima, a mídia legitimou a repressão, o que dá ao governo golpista mãoslivres para radicalizar mais nas próximas escaramuças.



Hámuitos indícios de que o imperialismo já selou o destino de Zelaya: apossibilidade de uma volta ao país, [WINDOWS-1252?]“anistiado”, após a posse do novoPresidente. Não há qualquer sinal da saída de Micheletti antes disso, nem com aassunção de um tertius para disfarçaro golpe. Se um fato novo não ocorrer, Micheletti passa a faixa para o novoPresidente, em janeiro, certamente um cidadão [WINDOWS-1252?]“ilibado, acima das classes, deunião [WINDOWS-1252?]nacional”, ou seja, da absoluta confiança do imperialismo e das classesdominantes locais.



Sinceramente,gostaria de trazer de Honduras avaliações diferentes.



Umexemplo deste plano é que, em 13 de agosto, partiu de Honduras para os EUA umacomissão de [WINDOWS-1252?]“notáveis” indicados pelo governo golpista, para explicar as razõesdo golpe ao Departamento de Estado, a convite deste. Lembram-se do compromissode Obama de não receber delegações do governo golpista?



Osgolpistas estão trocando os representantes diplomáticos hondurenhos no mundotodo, como a Cônsul Gioconda Perla, do Rio de Janeiro, que ficou fiel a Zelaya.Salvo os que aderiram ao golpe. Preencheram todos os cargos federais. O governofunciona a pleno vapor. As estradas estão sendo desobstruídas, para escoar acirculação de bens e a exportação, reativando a economia. Os defensores deZelaya na elite política se calaram, com raras exceções. O caso maisemblemático do oportunismo político é do Embaixador hondurenho no Brasil, quehavia sido nomeado por Zelaya. Como já sentiu para onde os ventos sopram, simulouuma internação por problema cardíaco no dia da chegada de Zelaya em Brasília, quandoeste foi recebido pelo Presidente Lula.



Comose vê, vai de vento em popa a tática da legitimação do golpe, ajudada peloquase fim do mandato de Zelaya e, agora, por uma agenda eleitoral que dominaráa cena política hondurenha daqui a poucos dias. Para se ter idéia do processoeleitoral, haverá mais de 20.000 candidatos a cerca de 2.850 cargos(Presidente, Deputados, Prefeitos, Vereadores), inclusive do único Partidoconsiderado de esquerda entre os cinco registrados, o social democrata UD (UnificaciónDemocrática), que tem seis Deputados - nem todos participando publicamente daresistência - numa Câmara de pouco mais de cem.



Apartir deste 31 de agosto, os partidos e os candidatos registrados já poderãodivulgar suas campanhas em matérias pagas, inclusive na televisão. Isto mudaráa pauta nacional.



Aliás,a participação ou não no processo eleitoral pode ser um fator de divisão daFrente contra o golpe, que reúne a Unificación Democrática e o Bloque Popular,em que se encontram as organizações sociais e políticas mais à esquerda. A UDjá lançou publicamente um candidato a Presidente, enquanto o Bloque Populardefende a não participação nas eleições, com o argumento de não legitimar ogolpe.



Enquantoisso, Zelaya, num comportamento pendular, abandonou seu posto em territórionicaragüense, em Ocotal, na fronteira com seu país, de onde anunciara que iriacomandar pessoalmente a resistência popular, exatamente nos dias 11 e 12 deagosto, para os quais estava convocada a jornada de luta. Nesses dias, Zelayaoptou por um giro pela América do Sul, visitando o Brasil e o Chile, para sinalizaruma inflexão do eixo Chávez/Ortega para Lula/Bachelet.



Masjá ontem o presidente deposto havia voltado ao seu posto na fronteira, de ondedivulgou ao povo hondurenho um comunicado conclamando à manutenção da luta deresistência contra o golpe e ao não reconhecimento do processo eleitoral convocado,nem dos seus resultados. E as manifestações continuam, ainda que comparticipação menor. Neste domingo, haverá um grande concerto musical contra ogolpe.



Emverdade, mesmo assim, parece chegar ao fim um dos últimos capítulos da ilusãoda revolução nacional-libertadora, que já há algumas décadas passou do prazo devalidade.



Zelaya,eleito por um partido da ordem, representava o que ainda resta de setores daburguesia hondurenha, pequenos e médios empresários, que têm algum nível decontradição com o imperialismo. Sua aproximação com a ALBA e a Petrocaribe nãotinha um sentido de transição ao socialismo, ainda que o difuso [WINDOWS-1252?]“socialismo doséculo [WINDOWS-1252?]XXI”. Tratava-se do interesse desses setores não monopolistas daburguesia hondurenha de fazer crescer o mercado interno e ter acesso ao mercadodos países da ALBA. Para isso, precisavam nacionalizar algumas riquezasnacionais, participar de uma integração não imperialista para importar petróleoe outros insumos mais baratos e mitigar as injustiças para aumentar o poder deconsumo popular, através de políticas compensatórias e aumento do saláriomínimo.



Arealidade está mostrando que estes setores residuais da burguesia não têm amínima condição de disputar com os setores monopolistas. Na fase imperialistado capitalismo, ainda mais em meio à sua crise, a hegemonia no Estado burguês pertenceaos segmentos associados aos grandes monopólios. Quem manda em Honduras são osbancos, o agronegócio, os exportadores de matéria prima, e as indústriasmaquiadoras voltadas, como no caso da Nike, para o mercado externo.



Masem Honduras, nada será como antes, principalmente a esquerda e sua vanguarda.Amadurecem e formam-se nesta legendária luta milhares de militantes e quadros.O comando da Frente, em especial do Bloque Popular, já ajustou corretamente a linhapolítica e a organização popular às necessidades desta nova fase da luta. Abandeira da convocação da Constituinte, livre e soberana, com ou sem Zelaya, é umdos eixos políticos principais. Em Assembléia neste domingo, a resistênciaresolveu priorizar a organização popular, a partir das bases.



Agrande lição que os militantes hondurenhos aprenderam é que os proletários sópodem contar com eles próprios. Para grande parte desta heróica vanguarda,acabaram-se as ilusões em alianças com a burguesia, nas possibilidades dehumanização do capitalismo e de transição ao socialismo nos marcos dainstitucionalidade burguesa.



Ea certeza de que não bastam as pedras de Tegucigalpa.






* Ivan Pinheiro éSecretário Geral do PCB.

Rio,19 de agosto de 2009



Um outro mundo é possível. Um outro Brasil é necessário!

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