domingo, 9 de agosto de 2009

Réplica: “A crise da mídia e a democracia” (Emir Sader)

Heitor Reis (*)

“O que está em crise é a forma de produzir notícias, a forma de construção da opinião pública. Seria grave se a dimensão da crise que afeta a mídia refletisse, nas mesmas dimensões, a democracia no Brasil. Ao ler alguns órgãos da imprensa, pode-se ter a impressão que a democracia retrocede e não avança entre nós, que estamos à beira de uma ditadura, ao invés de um processo – lento, mas claro – de democratização da sociedade brasileira.”[http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=340 ]

É impossível não reconhecer o grande valor do trabalho deste notável sociólogo petista, cujos textos circulam semanalmente por toda a rede, mas creio que há uma outra crise, no Brasil, a qual eu também percebo em todo o planeta. Mas não uma crise na democracia, nos termos como ele tenta negar.

Afinal seria impossível algo que considero inexistente sofrer este processo. Reconheço uma crise que é fruto de nossa tentativa de construir uma democracia de verdade, neste país. Uma crise que tem como causa mais profunda a luta ainda germinal contra uma falsa idéia de que já a atingimos e que ela precisa, apenas, ser aprimorada.

Ou ainda, que “precisamos de mais democracia”... [ Precisamos realmente de mais democracia? http://www.heitor-reis.blogspot.com ]

Que há uma democracia popular e uma outra, impopular...

Que há uma democracia participativa e outra não... [A estupidez conceitual da esquerda: http://observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?msg=ok&cod=496FDS006 ]

Que há uma democracia representativa, onde os “legítimos” representantes do povo não representam os interesses de seus representados, mas os de seus financiadores de campanha e de seus aliciadores, quando eleitos, motivo de uma descomunal insatisfação dos eleitores com eles.

Que há uma democracia aleijada, cega, surda, muda, tetraplégica, altista e apopléxica!...

Com quantos “mas” se faz uma ditadura? Pergunto eu para o Lalo, outro notável, também professor da USP, na Escola de Comunicação e Artes? [Com quantos "mas" se faz uma ditadura? http://www.lestemais.com.br/colunistas.asp?id_noticia=4763 ]

Uma inconsciente tentativa e uma profunda dificuldade de se romper com a lavagem cerebral coletiva que nos hipnotiza diariamente pela mídia e pelo sistema de ensino, convencendo-nos da existência de uma real democracia, quando ela é apenas virtual, fictícia, formal, etc. Uma crise conceitual! Uma crise de subjetividade, quando o que acreditamos existir e dirigir nossa sociedade, não confere com a realidade que observamos no dia-a-dia.

Ao afirmar que estamos numa democracia, certamente nosso inequivocamente ilustre acadêmico da USP deve estar considerando que é o povo quem governa o país. Talvez ele não perceba que, o povo vota, mas não governa. Nem que uma democracia representativa, somente é democracia e somente é representativa, quando os representantes realmente representem os representados!

Na realidade, este poder somente é dado à classe privilegiada economicamente, por financiar a campanha da maioria dos políticos eleitos. Por usar a classe trabalhadora (e, até os partidos que se dizem dos trabalhadores) como massa de manobra, através de uma propaganda enganosa, movida pela fortuna investida no caixa um, dois, três, etc.

“Todo mundo usa!” Defende seus companheiros envolvidos num processo batizado de “mensalão”, o presidente Lula. Ele se torna réu confesso de uma prática ilegal, cujo processo menos obscuro a filósofa da USP e também membro da Direção Nacional do PT descreve:

“BF - E qual era o discurso do PSDB?

Marilena Chauí - O discurso pseudopolítico do PSDB é dizer que eles são ‘a gente séria, responsável e moderna que entende de política. Então, nós temos que ter o poder de volta, e faremos qualquer negócio, qualquer jogada para ter o poder de volta’. Esta crise, embora tenha inúmeros elementos reais, tem como causa conjuntural o jogo eleitoral do PSDB e do PFL. Nada mais do que isso.

BF - E onde entram as elites?

Marilena - É justamente porque as elites estão muito satisfeitas [com o governo do PT] que o PSDB tem medo de não ter financiamento para a sua própria campanha. E se perguntam: ‘O que será de nós?’. Não é mais do que isso. É miudinho, como a ‘politiquinha’ brasileira.

[ http://www.senado.gov.br/web/senador/serys/enockartigos.htm ]

Evidentemente, a massa ignara e boa parte da massa intelectual desconhecem que o atual governo, apesar de avançar no social, engordando a classe média com 4 % dos pobres, anualmente, prioriza os interesses dos milionários, que crescem cinco vezes mais. Certamente porque a capacidade de organização e pressão da minoria capitalista seja cinco vezes maior que a da maioria trabalhadora. Ou melhor, a capacidade de desorganização da classe trabalhadora, por parte dos empresários, seja cinco vezes maior que a capacidade dela se organizar.

“O povo unido, jamais será vencido”, mas o povo alienado será sempre derrotado!videntemente, a massa ignara desconhece que o atual governo, apesar de avançar, engordando a classe m

Desta forma, o Estado, hoje, é privatizado, numa versão moderna e mais sofisticada do que ocorreu desde sua fundação, quando não havia o cabresto eletrônico da mídia.

Talvez, como muitos intelectuais que compõem nossos melhores quadros da esquerda, Sader pode estar confundindo um Estado Democrático de Direito com um Estado Democrático de Fato. E que seja impossível um Estado Democrático de Direito ser, simultaneamente, um Estado Ditatorial de Fato.

É muito comum a aplicação da técnica de considerar o sonho, o ideal, como já tendo sido realizado, em função da dificuldade em aceitarmos a realidade tal como ela é. Por exemplo: um atemporal “Brasil, um país de todos”. Passa como se fosse algo atual, quando, na realidade está tão longe quanto o diabo da cruz! Ainda que mais perto que anos atrás...

Outro exemplo: República Federativa do Brasil. Nem é república, nem é federativa e ainda podemos dizer que o nome original desta terra é Pindorama... É apenas um sonho idílico, quando, na realidade, vivemos um pesadelo de grandes proporções, muito longe um do outro. E a realidade é muito dura para ser aceita, bem como a minoria capitalista que escraviza a maioria trabalhadora usa de todos os recursos possíveis para sustentar este engano, em benefício próprio.

Marilena Chauí reconhece que a reforma política também tem que ter em mente a democratização do Estado brasileiro que tem uma forma completamente oligárquica e autoritária. Não basta o conjunto de propostas que a Constituição tem, fruto do trabalho dos movimentos populares, é preciso vontade política e um poder político capaz de desenvolver a democratização do Estado. [ http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=541 ]

O pesquisador em Comunicação e Política, Antonio Albino Canelas Rubim, professor na Universidade Federal da Bahia, não deixa nenhuma dúvida sobre esta questão:

"A gente pode ser taxativo nisso: sem democratização da comunicação não há possibilidade, na sociedade contemporânea, de se falar em democracia, pelo menos no sentido rigoroso da palavra. Se você tem uma sociedade onde a mídia não é democratizada, essa sociedade pode ter até uma série de outros aspectos, nos quais a democracia já chegou, mas ela, como um todo, ainda carece de democracia."

[ http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&task=view&id=1697 ]

Portanto, este país não é uma democracia, do ponto de vista deles e do meu. E, em não sendo uma democracia, por estar dominado por uma oligarquia autoritária, o Brasil é uma ditadura, desta feita, do poder econômico.

A democratização do Estado não é algo que ocorre após existir nele uma democracia, mas algo que vem antes dela ser concebida, em termos concretos! E, enquanto não se termina o processo de democratização, temos tão somente e apenas uma ditadura. É matemática, sociológica e politicamente impossível se democratizar uma democracia!

A grande mídia, aliada ao sistema educacional organizado e fiscalizado pelo Estado, é instrumento para a manipulação das mentes menos conscientes, conforme intelectuais como Perseu Abramo, José Arbex Jr., Altamiro Borges (“A ditadura da mídia”) e até Antonio Gramsci. Formação da subjetividade, como afirmam nossos amigos psicólogos.

[ http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/publicacoes/publicacoesDocumentos/livro_midiapsicologia_final_web.pdf ]

Assim, esta oligarquia autoritária explora facilmente a classe trabalhadora, mantendo-a alienada da realidade que determina sua vida, seu salário, seu consumo, seu imposto, seu voto, etc. Presa num mundo virtual, numa matriz do pensamento único, tão bem apresentada no filme “Matrix”.

Assim é que se cria o analfabeto político, descrito por Bertolt Brecht. E, num país com 74 % de analfabetos e semi-analfabetos, isto não é uma tarefa muito difícil, e acaba atingindo até mesmo os 26 % que conhecem plenamente o idioma.

Então, surgem raras pessoas como Ivana Bentes que nos exortam a questionarmos os conceitos e reciclá-los, pois nos trouxeram até aqui aqueles que jamais nos levarão a um mundo melhor que queremos construir. [ http://www.lestemais.com.br/colunistas.asp?id_noticia=2655 ]

Eu reescreveria o texto em epígrafe de uma forma diferente:

“Está em crise a forma de produzir notícias, a forma de construção da opinião pública. E é natural que a dimensão da crise que afeta a mídia, reflita, nas mesmas dimensões, na plutocracia cleptocracia e corporocracia simultaneamente existentes como forma de governo real. Afinal, a mídia é fundamental na sua sustentação, através das quais os mais ricos dominam o Brasil. Ao ler alguns órgãos da imprensa, pode-se ter a impressão que a Ditadura do Poder Econômico avança e não retrocede entre nós, que estamos à beira de uma convulsão social, de uma luta armada, como foi 40 anos atrás, ao invés de um processo – lento, mas claro – de democratização da sociedade brasileira!”

A relevância desta análise conceitual é justificada por promover uma diferença entre:

(a) nossa decepção com o sistema de governo atual, condenando a democracia como algo inútil, falido ou impossível, levando-nos à frustração e ao desânimo;

(b) e a conscientização da necessidade de concentrarmos nossos esforços para mudar o sistema atual, visando construir a democracia que conhecemos apenas na teoria, mas não existe de fato, reconhecendo que vivermos tanto tempo hipnotizados, considerando que a ditadura atual fosse uma democracia de fato.

Brindemos à maravilhosa celebração dialética da vida, em sua constante dinâmica, expansão e mutabilidade, sempre exigindo de todos nós, um salto em direção ao novo. Uma simples atualização! Ou um aparentemente sofisticado “up-grade”, como dizem os súditos idiomáticos do maior país terrorista da face da Terra.

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